“Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley

Obra maior da literatura do século XX, Huxley imaginou em “Admirável Mundo Novo” uma utopia que para muitos está cada vez mais próxima da realidade

Por Raquel Ribeiro

ENo mundo admirável de Aldous Huxley joga-se bridge musical e golfe de obstáculos, ouve-se música sintética e vai-se ao cinema perceptível. Aqui, as pessoas tomam “soma” para se evadirem do quotidiano. Não que se sintam cansadas ou infelizes – no “Admirável Mundo Novo” isso não existe, porque todos foram condicionados em centros de incubação para nunca o sentirem.

“Como poderiam importar-se? Eles nem imaginam o que é ser outra coisa”, escreve Huxley. “Eles” são clones cinzentos e tristes, separados por castas – Alfa, Beta, Gama, Delta –, e trabalham para a produção em massa. “Comunidade, identidade e estabilidade” é a divisa do Estado Mundial, numa apavorante visão do futuro.

Quando, em 1931, o autor britânico escreveu “Admirável Mundo Novo” (um título “roubado” à “Tempestade”, de Shakespeare), não podia imaginar que esta obra iria mudar – a par de “1984”, de George Orwell, escrito em 1948 – as utopias do século XX.

Na obra, a nova era começou no ano do primeiro modelo T de Henry Ford, no século XX. A ética e a filosofia do capitalismo, a técnica e a ciência ao serviço do homem tornaram-se o lema deste mundo novo – estamos no sétimo século de Nosso Ford, o deus pelo qual todos se regem.

Bernard Marx, um Alfa-Mais, e Lenina Crowne, da casta Beta, decidem visitar uma Reserva de Selvagens no Novo México, um dos raros espaços do mundo onde ainda há famílias, onde a vida é quase como a de hoje. Encontram John, o Selvagem, filho de uma mulher que se perdeu em visita à reserva e aí viveu durante 20 anos. O Selvagem é trazido para o Mundo Novo como um troféu, a glória dos investigadores que descobriram o exotismo do mundo perdido.

Inevitável será o confronto entre o Selvagem e a utopia. Aqui não há tempo para as paixões, as famílias, a solidão, os sonhos. Aqui já não há Shakespeare, já não há amor. “Quem diz castidade, diz paixão; quem diz castidade, diz neurastenia. E a paixão e a neurastenia são a instabilidade. E instabilidade é o fim da civilização” – este é o “Admirável Mundo Novo”.

Em 1946, Huxley escreveu no prefácio à obra: “Um estado totalitário verdadeiramente 'eficiente’ será aquele em que o todo-poderoso comité dos chefes políticos e o seu exército de directores terá o controlo de uma população de escravos que será inútil constranger, pois todos eles terão amor à sua servidão. Fazer que eles a amem, tal será a tarefa.” Será que nunca estivemos tão próximos da utopia?