"Lolita", de Vladimir Nabokov
Por Maria José Oliveira

Nabokov tinha 56 anos quando recebeu, com "Lolita", a notoriedade há tanto merecida. Mas não foi poupado ao absurdo escândalo que envolveu a sua publicação.

Em 1954, muitas décadas depois de ter abandonado, contra a sua vontade, a sua amada Rússia, Vladimir Nabokov (1899-1977), termina o manuscrito de “Lolita”. No país de exílio, os Estados Unidos, entrega cópias do romance a quatro editoras. Todas recusam — alegam escândalo, obscenidade, eventual processo criminal. Nabokov, embora tivesse feito muitas renúncias ao longo da sua vida, não desiste. Envia o livro para uma pequenina editora, Olímpia Press, em Paris, onde vivera até 1940, e o editor não recusa o romance.

Em 1955, a “ousadia” concretiza-se e “Lolita” sai do prelo. E perante essa obra-prima — “Lolita, luz da minha vida, fogo da minha virilidade, meu pecado, minha alma”, assim começa o romance —, os leitores escavam trincheiras. De um lado, figuram aqueles que se deixam embalar na vertigem e no delírio de Humbert Humbert, oscilando entre a compaixão e o assombro; do outro, erguem-se o asco, a insistência em rotular o livro de pornográfico, a perseguição supostamente moralista daqueles que chamam a Nabokov, então com 56 anos, um “autor obsceno”. Ele, que escreveu, de forma magistral, a dor da infância perdida, a paixão proibida, a crueldade de amar e sentir esse amor como um pecado e um drama terrível, a tragédia que é a inexorabilidade do tempo. “Lolita” é uma confissão. A trágica confissão de um amor que aniquila, escrita por Humbert Humbert (H.H.) durante os seus dias de presídio, antes do julgamento por homicídio. Narrado na primeira pessoa, “Lolita” é um relato que leva, por vezes, o leitor a confrontar-se com enigmas — há momentos que envolvem dúvidas quanto à sua veracidade, situações que parecem derivadas da imaginação de H.H.

“Lolita” não se conta em breves palavras — o romance adquire uma dimensão de sombras e luz que invalida a sua fragmentação. Tentemos, pois, esboçar uma concisa (mas superficial) descrição: Humbert Humbert, 42 anos, é um emigrante europeu, professor de Literatura Inglesa, que decide alugar uma casa num subúrbio norte-americano a Charlotte Haze. No dia em que visita a casa regressa ao passado, à dor do paraíso perdido, ao vislumbrar no jardim Dolores Haze, Lolita — uma rapariga de 12 anos, “numa esteira estendida num charco de sol, seminua, ajoelhada e girando sobre os joelhos”.

Humbert é um pedófilo, diz-nos. Lolita torna-se a “luz” da sua vida e esse reconhecimento do amor é dilacerante. Nunca mais poderá separar-se de Lolita, sabe-o. Casa com Charlotte com o intuito de a matar, mas a mãe de Lolita acaba por morrer atropelada. Lolita não é a ingénua menina que Humbert imagina — uma imagem viva disso mesmo é o primeiro encontro amoroso, no qual Lolita propõe a H.H. um despurado “jogo” sexual. Ao longo de dois anos, vivem em fuga, dormindo em motéis de estrada, numa viagem em que o amor, a crueldade e a perversidade se cruzam.