Este livro deu dois filmes

É incomensurável a distância entre as duas adaptações cinematográficas, homónimas, do romance de Nabokov: a de Stanley Kubrick, de 1962, e a de Adrian Lyne, de 1997. Somente a origem dos filmes e o fascínio dos seus realizadores pelo escritor e pela obra constituem factores comuns.

Deixando de lado as abordagens estéticas de cada autor, importa aqui realçar a interpretação e a reprodução que cada um fez de "Lolita". Kubrick é fiel ao formato narrativo da Nabokov — no filme há igualmente um "flashback" e é Humbert Humbert quem vai relatando os momentos — e dirige com uma correcção singular James Mason (que fez de Humbert Humbert um dos melhores papéis da sua carreira), Sue Lyon (que revela Lolita como uma verdadeira ninfeta, caprichosa e mal-educada), Shelley Winters (uma inesquecível Charlotte Haze) e Peter Sellers (registo inquestionável do fingidor Clare Quilty). Mais: tal como Nabokov, Kubrick é implacável com as suas personagens. Recria ambiguidades — Humbert é, ao mesmo tempo, repelente e comovente — e deixa-nos vislumbrar as perversidades de cada uma das personagens. A intensidade do livro não é corrompida. Ao contrário do que acontece no "remake" de 1997, onde Adrian Lyne optou por uma interpretação deformada do romance: Humbert (Jeremy Irons) surge como um pedófilo completamente repugnante e doentio, enquanto Lolita (Dominique Swain) é histriónica e patética. Aliás, Lyne é previsível ao ponto de ter realizado um filme que roça o género erótico.