| Tiragem de 100 mil exemplares"O 
                    Som e a Fúria", de William Faulkner, amanhã 
                    nas bancas
 Por Luís Miguel Queirós
 
                     "O Som e a Fúria", 
                      primeira grande obra de Faulkner, é uma inesquecível 
                      viagem ao percurso de decadência de uma família 
                      aristocrática do Sul da América. Publicado em 1929, "O Som e a Fúria" 
                    é o quarto romance de Faulkner (1897- 1962) e a sua 
                    primeira obra-prima. Como outras obras fundadoras da ficção 
                    moderna, não é de leitura fácil, mas 
                    compensa amplamente o esforço. Faulkner narra a decadência 
                    de uma família outrora aristocrática do Sul 
                    dos Estados Unidos, os Compson, centrando- se no destino trágico 
                    de Caddy Compson e da sua filha, Quentin. Mas durante largas 
                    páginas não sabemos nada disto, já que 
                    o autor recorre às memórias e aos solilóquios 
                    interiores de três irmãos de Caddy, e nenhum 
                    deles é uma testemunha fiável.  A obra está dividida em quatro secções, 
                    às quais se soma um apêndice, que Faulkner só 
                    acrescentou ao livro em 1946. A que abre o romance, tem como 
                    narrador um atrasado mental de 33 anos, Benjy Compson, o irmão 
                    mais novo de Caddy. Ler estas páginas desprevenidamente 
                    pode tornar-se uma experiência desconcertante. É 
                    verdade que essa espécie de poder incandescente que 
                    a linguagem de Faulkner liberta é suficientemente avassalador 
                    para nos manter presos ao livro. Mas acabará por chegar 
                    o momento de confessar a nós próprios que não 
                    fazemos ideia do que, digamos assim, se está realmente 
                    a passar.  Faulkner procura surpreender um equivalente 
                    discursivo que reflicta o modo como a mente das suas personagens 
                    funciona, e não o modo como estas falariam se pretendessem 
                    comunicar com alguém, o que o leva a bruscos saltos 
                    no tempo, a mudanças de assunto por associações 
                    de ideias e a outras quebras na linearidade lógica 
                    e cronológica da narrativa. Para facilitar um pouco 
                    a tarefa da leitura, Faulkner assinala os saltos no tempo 
                    com o recurso ao itálico. Benjy usa também um 
                    vocabulário básico e frases curtas. E, claro, 
                    não lhe passa pela cabeça explicar-nos, por 
                    exemplo, que tem dois parentes com o mesmo nome: o seu irmão 
                    Quentin e a sua sobrinha, filha de Caddy, o que complica um 
                    pouco as coisas.  Quentin Compson, o irmão mais velho 
                    de Benjy, obcecado pelas glórias passadas da família 
                    e assombrado por conceitos puritanos de honra e pecado, é 
                    justamente o narrador da segunda secção, que 
                    decorre em 1910. No entanto, apesar deste recuo de 18 anos, 
                    o salto cronológico quase não se sente, já 
                    que a generalidade das recordações de Benjy 
                    dizem respeito à sua infância, ao passo que as 
                    memórias mais vivas de Quentin respeitam à sua 
                    adolescência, quando começou a assistir à 
                    nascente sexualidade da irmã, em cuja promiscuidade 
                    iria ver o sinal definitivo da ruína moral do clã. 
                    A narração de Quentin, se não sofre das 
                    limitações da do irmão, não é 
                    menos perturbadoramente fragmentária. Na verdade, só 
                    no terceiro capítulo, cujo narrador é Jason, 
                    o irmão imoral e sádico, é que as peças 
                    começam a encaixar nos seus lugares. Só então 
                    se torna claro que Benjy é um atrasado mental e que 
                    a narração de Quentin tem lugar no dia em que 
                    este se suicida. Com Jason, o presente da narrativa regressa 
                    à véspera do dia em que o livro começa. 
                    E, ao contrário dos seus irmãos, Jason está 
                    mais preocupado com o presente do que com o passado.  Finalmente, a última secção 
                    recorre a um narrador omnisciente e dá particular destaque 
                    à velha criada negra, Dilsey, provavelmente a única 
                    personagem capaz de um olhar lúcido sobre os Compsons 
                    e o seu destino. Argumentando, com ironia, que nenhum dos 
                    quatro narradores - as três personagens e ele próprio 
                    - tinha conseguido contar a história, Faulkner acrescentou 
                    ao livro o já referido apêndice, onde fornece 
                    informações relativas ao passado aristocrático 
                    da família e ao que lhe sucedeu em anos posteriores 
                    ao período de que a obra trata.   
                    
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