Tiragem de 100 mil exemplares
"Era bom que trocássemos
umas ideias sobre o assunto", de Mário Carvalho
Por Luís Miguel Queirós
“Era Bom que Trocássemos Umas
Ideias sobre o Assunto” (1995), de Mário de Carvalho,
é, provavelmente, o romance mais divertido da ficção
portuguesa contemporânea. É também outras
coisas, mas bastaria esta para justificar a leitura. Fazer
rir apenas com palavras escritas é bastante mais difícil
do que se poderá imaginar.
Retrato muitas vezes impiedoso, outras vezes
quase enternecido, de personagens e instituições
do Portugal contemporâneo — o PCP e os “media”
são os mais visados —, este romance, como o próprio
autor avisa numa breve nota inicial, aposta na caricatura.
Mário de Carvalho acentua deliberadamente
os tiques e idiossincrasias dos seus protagonistas: Joel Strosse
Neves, o homem de meia-idade, desiludido com a família
e o emprego, que, numa desesperada tentativa de recompor a
auto-estima e remediar o vazio da existência, meteu
na cabeça que há-de aderir ao PC, Jorge Matos,
o velho militante comunista que sonha em renovar a dramaturgia
nacional enquanto vai burocraticamente cumprindo os serviços
mínimos partidários, ou Eduarda Galvão,
a jornalista ignorante e destituída de escrúpulos,
que deita mão aos mais duvidosos estratagemas para
ascender na carreira.
Mas, como se pede a um bom caricaturista, é
justamente através desse exagero que estas personagens
se nos tornam tão imediatamente reconhecíveis.
Terminado o livro, muitos leitores se hão-de perguntar:
“Queres ver que o Mário de Carvalho conhece a
‘nossa’ Eduarda, ou o ‘nosso’ Jorge?”
A estratégia da caricatura não
se limita, de resto, às personagens. Através
de constantes interpelações directas do narrador
aos leitores, este romance não apenas se diverte a
caricaturar-se a si próprio, mas brinca também
com os diversos tipos de romance que podia ter sido, mas decidiu
não ser.
O próprio recurso ostensivo a palavras
e expressões típicas da prosa oitocentista assume,
no contexto do livro, um carácter caricatural. E se
não há dúvida de que esta é uma
obra magnificamente bem escrita, é também um
texto que ironiza com o próprio conceito de “escrever
bem”.
Logo nas primeiras páginas, Mário
de Carvalho dedica um extenso parágrafo à descrição
do edifício da Fundação Helmut Tchang
Gomes, local de trabalho de várias personagens, apresentando-o
como um paradigma da arquitectura pós-moderna, na sua
conjugação de estilos de todos os tempos e lugares.
A imponente fachada tão depressa evoca as pirâmides
do Egipto como as casas de Raul Lino, passando pelas “lisuras
escorridas” da Bauhaus ou pelas superfícies vidradas
de Frank Lloyd Wright.
Talvez não seja ilegítimo ler
neste trecho uma alusão, também ela irónica
e caricatural, ao que este livro parece ter conseguido ser:
um romance genuinamente pós-moderno e, ao mesmo tempo,
uma extraordinária sátira ao romance
pós-moderno.
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