Terça-feira, 11 de Junho de 2002
"O Outono do Patriarca" Amanhã
à Venda com o PÚBLICO
Por Clara
Viana
O mundo de um ditador eterno, escrito
num monólogo a várias vozes pelo colombiano
Garcia Márquez
O general de "O Outono do Patriarca"
- publicado pela primeira vez em 1975 e que será vendido
amanhã com o PÚBLICO - começou a ser
perseguido pelo colombiano Gabriel Garcia Márquez em
1958. Era ainda então "uma narrativa conformista
e linear, na terceira pessoa" sobre um ditador imaginário
das Caraíbas, que sofreu o primeiro assalto na Cuba
recém-saída da revolução, quando
o escritor, e mais tarde Prémio Nobel da Literatura,
no seu papel de jornalista, assistiu ao julgamento de um outro
general num estádio sobrelotado. Garcia Márquez
soube então que se impunha escrever de outro modo o
mundo do seu ditador eterno. Mas isso foi antes de ter sido
"tomado de assalto pelo cataclismo de Cem Anos de Solidão".
O general teria, assim, de esperar vários
anos mais para entregar o mar do seu país aos gringos.
Filho bastardo de uma criadora de pássaros, que se
quis a si próprio concebido pela graça divina,
que se fez Messias, aclamado pelo povo, e atacado pelo "vício
solitário do poder" até o seu próprio
compadre serviu ao jantar, o corpo recheado de pinhões
e ervas aromáticas.
Mas a ele doía-lhe tão-só
aquela "inconcebível maldade do coração
com que vendeu o mar a uma potência estrangeira e nos
condenou a viver defronte desta planura sem horizonte de áspero
pó lunar", como contam os que descobriram o seu
cadáver. Numa altura em que o seu poder ganhara já
uma existência distinta da do velho que percorria sozinho
o palácio presidencial, deixado por conta de vacas,
galinhas e cães.
Sete anos de escrita
Muito tempo antes desse longuíssimo Outono em que foi
apanhado pela morte numa idade incerta entre os 107 e os 232
anos, a sua mãe Bendición Alvarado, vendo-o,
pela primeira vez, de "uniforme de cerimónia com
as medalhas de ouro e as luvas de cetim que continuou a usar
durante o resto da vida", exclamou "que se eu soubesse
que o meu filho vinha a ser presidente da República
tinha-o mandado à escola".
Foi um hipotético pai de cinco
mil filhos, todos nascidos de sete meses, dono de umas mãos
sem mácula de linhas nas palmas, de uns enormes pés
chatos e de um também descomunal testículo que
lhe encharcou de dor toda a sua longa vida, e cuja segunda
morte foi saudada com música, foguetes e sinos, anunciando
ao mundo "a boa nova de que o tempo incontável
da eternidade tinha finalmente acabado".
Ao fim de sete anos de escrita, Garcia
Márquez alcançara o que se tinha proposto e
que ensaiara em vários contos escritos com o fito de
não repetir a sua obra mais aplaudida, "Cem Anos
de Solidão". Como ele próprio confessou
sobre este seu livro: "O mais difícil não
foi escrevê-lo, mas sim tirá-lo de cima de mim."
Faça já a sua reserva num
quiosque.
|