Editoras reconhecem
mérito à Colecção Mil Folhas
Por Marisa Torres da Silva
Nos últimos seis meses, a Colecção
Mil Folhas proporcionou a milhões de leitores o acesso
a obras fundamentais da literatura contemporânea. A
propósito deste sucesso, o PÚBLICO quis saber
qual foi o impacte no mercado editorial e nos índices
de leitura. Falámos com sete editoras, a APEL, a União
dos Editores Portugueses e um sociólogo. As opiniões
diferem. Por Marisa Torres da Silva
A adesão sem precendentes por parte
do público à Colecção Mil Folhas
— dois milhões de livros vendidos em seis meses
— foi tão forte que as editoras portuguesas não
puderam ficar alheias. O seu mérito, a potencialidade
de despertar a curiosidade para outros livros dos autores
da colecção e a criação de novos
leitores foram unanimemente apontados como os pontos mais
positivos pelas editoras contactadas — sete das mais
importantes do panorama editorial nacional — e pelas
duas associações representativas dos editores
portugueses, APEL e UEP. Mas as opiniões das editoras
divergem em relação ao impacto da colecção
sobre o panorama editorial: se, por um lado, algumas vêem
a iniciativa como um benefício, que não interfere
com o mercado normal do livro, outras olham-na com reserva,
considerando-a até um desastre para quem detém
os direitos dos livros.
“Tudo aquilo que se faça pelo
livro e pela divulgação de bons autores é,
desde já, positivo”, disse Nelson de Matos, editor
das Publicações D. Quixote. Também Francisco
Vale, da Relógio d’Água, referiu que a
colecção “permite uma divulgação
alargada das obras literárias a baixos preços,
o que favorece leitores e autores. Promove o livro sem o banalizar
em excesso. A prazo, isso só pode beneficiar também
os editores.”
Com efeito, Carlos Veiga Ferreira, editor da
Teorema, bem como Pedro Moura Bessa, presidente da União
dos Editores Portugueses (UEP), sublinharam a sua importância
no despertar da curiosidade do leitor para outros títulos
dos autores que estão representados na colecção.
João Miguel Guedes, director editorial
da Verbo, destacou ainda um curioso fenómeno que ocorreu
em Itália: o impacto da colecção realizada
pelo jornal “La Repubblica” foi tal que as leituras
de férias recomendadas pelos professores do ensino
superior passaram a incidir sobre esses livros.
Ameaça para as editoras? Apesar do reconhecimento
do interesse da iniciativa, alguns responsáveis falam
das “desvantagens” que a colecção
poderá trazer para as editoras e livreiros. Guilhermina
Gomes, directora editorial do Círculo de Leitores,
sublinha o mérito da colecção Mil Folhas,
mas considera que ela ocupou um espaço próprio,
que poderia estar reservado a um editor. “De imediato,
os editores podem ser prejudicados, pois foram correndo riscos
que revelaram obras que agora é pacífico considerar
de qualidade e cujas tiragens e preços vêem agora
como que submersos”, disse também Francisco Vale.
A editora da Bertrand/ Quetzal, Zita Seabra,
é mais peremptória: “Para o editor que
tem os direitos do livro é um desastre, uma vez que
aquele sai com o jornal a um preço muito mais barato
e os livros que estão nas livrarias e os que estão
armazenados em stock nunca mais se vendem.”
Zeferino Coelho, da Caminho, crê, por
outro lado, que continua a colecção não
constitui uma ameaça para as editoras, “uma vez
que não interfere com a venda normal de livros.”
Pedro Moura Bessa partilha da mesma opinião: “Os
leitores que se interessam pela aquisição do
livro, certamente compreendem que estão a aproveitar
uma promoção que justifica o preço substancialmente
mais baixo que o habitual.” Também Nelson de
Matos afirmou que a colecção não será
uma agressão ao mercado do livro, desde que não
apareça nas livrarias depois de ter terminado.
O presidente da Associação Portuguesa
de Editores e Livreiros (APEL), António Baptista Lopes,
minimizou mesmo os efeitos da colecção no panorama
editorial. “Não creio que a iniciativa possa
ter grande impacto no mercado editorial português, dado
tratar-se sobretudo de uma iniciativa promocional do jornal
limitada temporalmente às 30 semanas em que a mesma
decorre.” O mesmo responsável referiu, apesar
da “criteriosa selecção” das obras,
pontos menos fortes da colecção: a diminuta
presença de autores de língua portuguesa, bem
como uma “escassa participação dos editores
nacionais e quase nula dos livreiros portugueses.”
Fomentar hábitos de leitura Dado o êxito
comercial da Colecção Mil Folhas, o PÚ-
BLICO quis ainda saber se a iniciativa poderia contribuir
para o aumento dos baixos índices de leitura existentes
em Portugal. Eduardo de Freitas, professor do departamento
de Sociologia do ISCTE e coordenador de dois inquéritos
à escala nacional sobre os hábitos de leitura
dos portugueses, responde que ainda não é possível
saber quantos livros da colecção serão
lidos, percorridos e sentidos. “Alguns seguramente,
o que leva a aplaudir a acção empreendida. E
a fazer votos para que possa ser repetida”, afirmou.
Eduardo de Freitas acrescentou que iniciativas como a Colecção
Mil Folhas fazem muito mais pela divulgação
do livro e pelo estímulo da leitura do que, por exemplo,
a legislação sobre o preço fixo do livro,
em vigor desde 1996. “Colocar no mercado, ao ritmo semanal,
cerca de 3 milhões de exemplares de 30 exemplares de
30 textos literários ao preço ‘fixo’
de 5 euros (com jornal) é obra que deve ter feito pensar
os indefectíveis da ‘justa causa’ do proteccionismo
consagrado no diploma vigente.”
O presidente da APEL, expressou, por seu lado,
algumas dúvidas relativamente ao contributo significativo,
mesmo que a longo prazo, para o aumento dos índices
de leitura em Portugal. “Este nobre objectivo tem que
ser conseguido com o trabalho consistente e continuado dos
editores, dos livreiros e dos agentes públicos e privados
ligados aos sectores do livro, da educação,
da comunicação social e da cultura em geral”,
afirmou Baptista Lopes.
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