"Oito
Mulheres" de François Ozon
Por Vasco T. Menezes
Policial e musical cruzam-se num excêntrico divertimento
que reúne as maiores estrelas femininas do cinema francês.
Com Deneuve, Ardant e Huppert, entre outras
França, anos 50. Na casa de campo de uma família
burguesa, o inesperado acontece: o patriarca é encontrado
morto no quarto, com uma faca espetada nas costas.
Oito mulheres estão presentes: a própria mulher,
Gaby (Catherine Deneuve), matrona sofisticada que vive da fortuna
do marido; Mamy, a sogra alcoólica (Danielle Darrieux),
cujo maior amor são as acções que guarda religiosamente;
a cunhada, Augustine (Isabelle Huppert), uma solteirona ressabiada
e neurasténica; a irmã, a desinibida Pierrette (Fanny
Ardant) “ex-stripper”; as filhas, a falsamente angelical Suzon
(Virginie Ledoyen), e Catherine (Ludivine Sagnier), desbocada e
viciada em romances policiais; e as empregadas, a veterana Chanel
(Firmine Richard) e a novata Louise (Emmanuelle Béart).
A descoberta do cadáver lança o pânico, que
aumenta quando a tese inicial de um assassino vindo do exterior é descartada.
O criminoso está dentro da casa e uma delas é a culpada.
Mas, afinal, quem matou?
Isoladas e sem comunicação com o exterior (o telefone
foi cortado, o único automóvel sabotado e a neve
rodeia a casa), as oito suspeitas vão-se acusando mutuamente, à medida
que os conflitos, traições e segredos se sucedem...
Um dos cineastas franceses mais controversos da actualidade, François
Ozon tem permanecido um mistério. A razão do enigma é simples:
a facilidade com que o realizador, numa ainda curta carreira, tem
saltitado pelos mais variados géneros e estilos de filme
para filme, oscilando entre o delírio absoluto da paródia
(a primeira longa-metragem, “Sitcom”, de 1998, tributo a John Waters)
e a gravidade do melodrama (“Sob a Areia”, de 2000, “ressuscitando” Charlotte
Rampling).
Mas apesar dessa vontade contínua de trocar as voltas,
o universo temático de Ozon tem-se mantido inalterável:
desde os tempos das curtas iniciais que o realizador explora questões
como a luta de classes, as relações familiares, a
homossexualidade, a ausência da figura masculina – metafórica
em “Sitcom”, literal em “Sob a Areia” – e a alma feminina.
São temas que voltam a estar no centro de “Oito Mulheres” (2002),
grande sucesso comercial. É também um filme em que
o francês não deixa os créditos por mãos
alheias e faz jus aos epítetos de “provocador” e “iconoclasta” (e,
podemos acrescentar, misógino...): à sombra de George
Cukor e Douglas Sirk (e com o gosto pelo “camp” e “kitsch” bem
marcado), reúne num mesmo espaço várias gerações
do “star system” gaulês e “obriga-as” a cantar e a dançar
sucessos intemporais da “chanson française”, num híbrido
improvável (e muito divertido) entre o “quem matou” à Agatha
Christie e o cinema “em cantado” de Jacques Demy.
Nasceu o “policial-musical”... |