O
que é feito dos “Miúdos”?
Por Vasco T. Menezes
A turbulência do mundo adolescente, num
objecto marcante do cinema dos anos 90. E desde então, por
onde têm andado os “Miúdos” de Larry Clark?
O que acontece quando um ex-“speed
freak”, que é também um influente fotógrafo
“renegado”, descobre, deslumbrado, uma insólita
subcultura e se torna “skater” aos 47 anos? A resposta
é simples: “Miúdos” (1995), uma viagem
sem regresso ao inferno da adolescência, 24 horas nas vidas
de um grupo de “skaters” novaiorquinos deixados à
deriva. A estreia de Larry Clark na realização foi
recebida com indignação um pouco por todo o lado.
Percebe-se: no cinema (pelo menos no americano), os adolescentes
nunca tinham sido assim, tão amorais, sem valores, pequenos
hedonistas que apenas se interessam pela procura incessante de prazer
(o sexo, as drogas e o álcool são vistos como formas
de gratificação imediata).
É óbvio que há
muito a rebeldia juvenil deixou de ser um tema novo (há até
um exemplo, o deprimente “River’s Edge” de Tim
Hunter, que pode ser visto como “antepassado” de “Kids”),
mas ela nunca tinha sido mostrada de forma tão franca, num
estilo directo e sem concessões.
Longe vão os tempos de “Rebelde
Sem Causa”, quando o que se procurava era o respeito e a admiração
dos pais. No filme de Clark, estes estão ausentes e os filhos
não parecem muito preocupados com isso (a interacção
com os adultos resume-se a pedir-lhes dinheiro e a mentir-lhes...).
“Kids” também se
afasta das representações do mundo adolescente hoje
dominantes, desde logo pela recusa em utilizar as habituais vedetas
anódinas das séries juvenis (“há mais
vida num ‘skater’ a descer a rua do que em cem actores
de Hollywood”, disse o realizador).
De resto, o que torna o filme fascinante
é precisamente o facto de a esse lado de “realismo
documental” estar associada uma (aparentemente contraditória)
dimensão moralista, espécie de retribuição
divina perante os “pecados” cometidos: Telly, o “viciado
em virgens”, acabará por ficar infectado com o vírus
da sida, tal como Jennie, uma das suas conquistas, a quem bastou
esse único encontro “desprotegido” para ficar
positiva.
Por outro lado, o fascínio do
realizador pelo niilismo juvenil das suas personagens é evidente
(o que motivou acusações de voyeurismo) e o olhar
é simultaneamente brutal e cândido (ternurentas as
imagens finais das crianças a dormir, após toda a
turbulência anterior): “Apesar de tudo o que possam
saber, os miúdos são sempre ingénuos... inocentes”,
disse Clark.
Acreditamos, mas o que é feito
deles? Em Outubro, a revista inglesa “The Face” juntou
em Nova Iorque a “Larry Mob”, que é como quem
diz três gerações dos “miúdos de
Larry Clark”, os nomes (e caras) revelados pelos “opus”
do controverso realizador: “Miúdos”, “Bully”
e “Ken Park” (o atípico “Um Dia no Paraíso”
foi ignorado).
As novas vidas dos “miúdos”
Por entre voos perdidos, exigências de limusinas, “actores”
incontactáveis (nem todos têm telemóvel...)
ou desaparecidos, sessões de “streaptease” e
muitos “cogumelos” ingeridos, nessa rocambolesca reunião
fazia- se um breve apanhado do que veio a seguir ao encontro com
Clark. O lançamento de “Miúdos” na série
Y é por isso uma boa oportunidade para recuperar (e desenvolver)
esse resumo, centrado agora nos principais rostos da primeira obra
de Clark (os “veteranos”, portanto) – Chloë
Sevigny, Rosario Dawson, Leo Fitzpatrick, Jon Abrahams, Harold Hunter
e Justin Pierce. Apesar das diferenças, as carreiras apresentam
pontos comuns: o cinema independente (enquanto alguns por lá
se mantêm, outros, com maior ou menor visibilidade, têm
experimentado já o “mainstream”) e filmes realizados
por actores.
Comecemos por Chloë Sevigny, sem
dúvida o membro do grupo com o currículo mais impressionante.
De facto, a Jennie de “Kids” é, aos 28 anos,
um dos maiores ícones independentes da actualidade, verdadeira
“diva” da cena “indie”. A carreira fala
por si, com presenças memoráveis em objectos insólitos
como o excêntrico “Trees Lounge” (a estreia de
Steve Buscemi na realização, em 96), os bizarros “Gummo”
(97) e “Julien Donkey-Boy” (99), do então namorado
Harmony Korine, ou o fascinante “American Psycho” (2000),
adaptação de Brett Easton Ellis por Mary Harron.
Felizmente, a nomeação
para o Óscar de melhor actriz secundária por “Boys
Don’t Cry” (99) não parece ter diminuído
a disponibilidade para o risco, como o comprovam os futuros “Dogville”,
do “sádico” Lars von Trier, e “Brown Bunny”,
às ordens do narcisista faz-tudo Vincent Gallo...
Já a bela Rosario Dawson (Ruby,
a experiente amiga de Jennie) parece estar, aos 23 anos, com os
dois pés no “mainstream”, após os recentes
“Pluto Nash” e “Men In Black II”, onde servia,
respectivamente, de (decorativo) “love interest” de
Eddie Murphy e Will Smith. De qualquer forma, o seu talento está
bem à vista no último Spike Lee, “The 25th Hour”
(é a actual musa do realizador, depois de já ter participado
também no grandioso “He Got Game”). Para trás
ficam dois filmes – “Sidewalks Of New York” (2001)
e “Ash Wednesday” (2002) – da ex-sensação
independente, o realizador/ actor Edward Burns, e uma participação
em “Chelsea Walls” (2001), a primeira experiência
de Ethan Hawke na realização.
E Telly, o “desvirginador”?
Além de outras incursões pelo universo de Clark (pequenos
papéis em “Um Dia no Paraíso” e “Bully”)
e alguns objectos obscuros, Leo Fitzpatrick, 24 anos, interpretou
o deficiente aspirante a escritor da primeira história de
“Storytelling” (2001), o decepcionante díptico
de Todd Solondz. Um acidente de viação afastou-o de
um filme de Robert Redford, mas as coisas parecem estar a melhorar,
pelo menos em termos de visibilidade: vêm aí “City
of Ghosts”, de Matt Dillon, com James Caan e Depardieu, e
“Blind Horizon”, ao lado de Val Kilmer, Neve Campbell
e Sam Shepard.
Apesar de só aparecerem quando
“Kids” já vai a meio, Jon Abrahams (Steven, o
dono da casa onde decorre a fatídica festa final) e Harold
Hunter (Harold, o único negro do grupo) também impressionaram.
O primeiro (25 anos) foi, no mesmo ano, o irmão de “Sean
Penn” em “A Última Caminhada”, de Tim Robbins,
e, desde então, tem dividido o tempo entre pequenos filmes
e títulos de maior envergadura, como os recentes “Scary
Movie”, “Um Sogro do Pior” (onde, ao invés
de “skaters”, teve como companheiros de cena De Niro
e Ben Stiller) e “Eles”. Quanto ao segundo (28 anos),
quando entrou no filme já era um “skater” profissional
(é bastante famoso no Japão e até tem uma linha
de “t-shirts” exclusiva), por isso tem-se limitado a
participações esporádicas em filmes quase invisíveis
e numa ou noutra série de TV, incluindo “A Balada de
Nova Iorque”.
Para o fim fica Justin Pierce, pelo
simples facto de já ter abandonado este mundo: em Julho de
2000, foi encontrado morto no quarto de um hotel em Las Vegas, depois
de se ter enforcado. Uma pena, pois era (à excepção
de Sevigny) o mais talentoso de todos, tendo recebido o “Independent
Spirit Award” para a revelação do ano pela fulgurante
criação do tresloucado Casper, o melhor amigo de Telly.
Mesmo assim, ainda teve tempo para, entre outros, participar no
surpreendente êxito de “Next Friday” (ao lado
de Ice Cube) e ser um zombie em “This Is How The World Ends”,
telefilme de Gregg Araki (figura de proa do “queer cinema”
dos anos 80 e outro estudioso obsessivo de jovens em fúria).
Leo Fitzpatrick falou pelo grupo: “Sentimos todos a falta
dele.” |