"eXistenZ",
de David Cronenberg, na Série Y
Por Vasco T. Menezes
Ficção científica alucinante,
é um divertimento-síntese de toda a obra do realizador.
Vale a pena entrar neste jogo.
Num futuro próximo (despojado e minimalista),
Allegra Geller (Jennifer Jason Leigh), uma "deusa da informática"
e a mais famosa "designer" de jogos virtuais do mundo,
é objecto de um culto quase religioso pelos seus incontáveis
admiradores, os "existencialistas". Durante uma sessão
de teste da sua nova obra-prima, "eXistenZ", é
alvo de uma tentativa de homicídio, descobrindo ser vítima
de uma conspiração dos "realistas", que
a condenaram à morte por ela desvirtuar a "realidade".
O seu jogo sofreu entretanto sérios danos
e está em risco de se perder para sempre, se não for
prontamente reparado, o que só poderá acontecer, se
for jogado com "uma pessoa amiga". A Allegra não
resta outra alternativa a não ser fugir para dentro do seu
próprio jogo na companhia de Ted Pikul (Jude Law), um atarantado
estagiário de "marketing" . A partir daí,
embarcam numa estranha aventura e torna-se cada vez mais difícil
ao par distinguir entre o "real" e o "virtual"...
"eXistenZ" (1999) é o penúltimo
filme de David Cronenberg e o seu primeiro argumento original desde
"Videodrome" (1982). E se é com este último
filme que "eXistenZ" estabelece mais tangentes dentro
da filmografia do realizador, o facto é que esta ficção
científica surreal e delirante acaba por funcionar como uma
síntese de todo o cinema de Cronenberg, em especial do seu
fascínio pelo cruzamento entre a biologia humana e as máquinas,
pelas quais o canadiano sempre se interessou.
A diferença (e não é pouca)
é que a óbvia carga sexual que essas mutações
sempre apresentaram - só para citar dois exemplos, recordemse
o buraco em forma de vagina que o estômago de James Woods
exibia no citado "Videodrome", ou, um pouco antes, o parasita
fálico alojado debaixo da axila da ex-"porn star"
Marilyn Chambers em "Rabid" (1976) - surge aqui imbuída
de inesperados (e desopilantes) contornos paródicos. Feliz
descoberta, esta: afinal, o intelectual erudito e mortalmente sério
("Já tenho problemas suficientes na vida, porque é
que havia de ver os seus filmes?", perguntou-lhe um dia o dentista)
também tem dentro de si um refinado humor negro.
|