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   Série Y
  Don Juan DeMarco


Depp, o Conquistador
Por Vasco T Menezes

Em "Don Juan DeMarco", assiste-se a uma variação moderna do famoso mito de Don Juan. Oportunidade ainda para recordar o actor extraordinário que é Johnny Depp, presença devoradora e fascinante.
O lendário Don Juan na Nova Iorque dos nossos dias? É o que, de certo modo, propõe "Don Juan DeMarco" (1995), de Jeremy Leven, cujo protagonista é um jovem que se toma por essa criatura mítica, "o maior sedutor do mundo".

Quem o interpreta é Johnny Depp que, com anacrónicas capa e mascarilha, parece prestes, a qualquer momento, a reeditar as arrojadas acrobacias que um Douglas Fairbanks ou um Errol Flynn exibiam nos longínquos e saudosos tempos dos "filmes de capa e espada".

Mas não, os feitos são aqui mais de índole amorosa, com Don Juan a reivindicar para si a conquista de mais de mil (1502, segundo as suas contas) mulheres, num périplo que encara quase como uma missão divina, espécie de partilha de uma dádiva ("compreendo o mistério das mulheres", diz ele). Mas apesar deste currículo impressionante, encontramo-lo, aos 21 anos, a contemplar seriamente a hipótese do suicídio, depois de ter sido rejeitado pelo verdadeiro amor da sua vida, Dona Ana. Quem o demove é o Dr. Mickler (Marlon Brando), um psiquiatra à beira da reforma que resolve ajudar o rapaz e o envia para o hospital psiquiátrico onde trabalha. Aí e durante os dez dias seguintes, Don Juan irá contar-lhe a atribulada história da sua vida...

Comovente sem nunca ser pesado, romântico sem ser exageradamente xaroposo, "Don Juan DeMarco" é uma comédia leve e despretensiosa. Essa natureza essencialmente lúdica está, desde logo, bem patente na forma como o filme apresenta a sua personagem principal: um jovem perturbado e delirante que os colegas de Mickler classificam como um caso de "distúrbio maníaco-depressivo com rasgos erótico-maníacos", "depressão com características obsessivas" e "possível personalidade histérica", Don Juan nunca é visto como um esquizofrénico atormentado e em sofrimento, mas sim como um espírito libertador: o seu romantismo exacerbado - incurável e altamente contagioso - tem um efeito hipnótico em todos (ou quase) os que o rodeiam, deixando as mulheres em êxtase, perdidas de amor, e enfermeiros graníticos a dançar alegremente nos jardins do hospital...

A ideia de que o filme se recusa a ser levado a sério sai reforçada pelos diálogos voluntária e fervorosamente "kitsch" e pelo humor subtilmente irónico que é depositado na narração das picarescas e exóticas aventuras de amor de Depp, que o levam do México ao Oriente e incluem excitantes duelos de espadas e estadias em sumptuosos haréns.

Esta opção por uma narrativa episódica acaba por criar alguns desequilíbrios na respiração do filme, que não deixa, no entanto, de funcionar como uma abordagem refrescante e original (evitando os habituais clichés) ao difícil tema da doença mental (Depp já o havia experimentado no delicioso "Benny e Joon", onde recuperava a memória de Chaplin e Keaton), com a vertigem do mundo de fantasia de Don Juan (que prefere ver no hospital uma "fazenda" ou "vila"), feito de paixões desabridas e fogosas, a servir de contraponto à sensaboria modorrenta e à mediocridade do imperfeito "mundo real".

De qualquer forma, o lado mais interessante desta primeira (e, até agora, única) obra de Leven, feérica e extravagante, é o da ligação que se estabelece entre paciente e médico, com Don Juan a inspirar Mickler a recuperar a paixão perdida num casamento de 30 anos e a reaprender a conhecer Marilyn (Faye Dunaway, em deliciosas cenas de improvisação com Brando, aproveitando ao máximo uma presença fugaz), a mulher que entretanto negligenciara. É uma relação filial, a que nasce entre o "jovem turco" Depp e o "monstro sagrado" Brando (que mais tarde teria uma pequena participação na estreia de Johnny Depp na realização, com o insólito "The Brave"), com o segundo a servir de "pai substituto" do primeiro, como anteriormente já o tinham feito Vincent Price, Jerry Lewis e Martin Landau. E se Brando tem aqui uma das interpretações mais agradáveis dos últimos tempos, num registo menos cabotino do que tem sido habitual, Depp é ainda mais impressionante: ave rara de invulgar sensibilidade e elegância, é deslumbrante num papel feito à medida da sua apetência por figuras estranhas e excêntricas, com a pureza e inocência do seu Don Juan a remeterem directamente para outros desarmantes "outsiders" e desajustados que compôs, em filmes de John Waters ("Cry-Baby"), Emir Kusturica ("Arizona Dream"), Jim Jarmusch ("Dead Man") ou do seu incontornável alter-ego e alma gémea, Tim Burton ("Eduardo Mãos de Tesoura", "Ed Wood" e "Sleepy Hollow"). Só é pena que, aos 40 anos, essa disponibilidade para o risco - que lhe trouxe a alcunha de "captain weird" - pareça ter-se esfumado...