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   Série Y
  Seven

“Seven” vezes três
Por Vasco T. Menezes

Tortuoso e diabólico, “Seven – Sete Pecados Mortais” fica como um dos títulos mais emblemáticos dos anos 90. Joaquim Leitão, Pedro Bandeira Freire e Jacinto Lucas Pires, três figuras ligadas ao mundo do cinema, falaram ao PÚBLICO sobre o filme de David Fincher. Por Vasco T. Menezes

O mundo é um lugar infernal, onde já não há (quase) espaço para a esperança. É esta a mensagem, tão brutal quanto deprimente, que deixa transparecer “Seven – Sete Pecados Mortais”, o título que hoje dá continuidade à Série Y. O filme de David Fincher narra a história de um par inter-racial de polícias, Somerset (Morgan Freeman) e Mills (Brad Pitt), posicionados em pólos diametralmente opostos: o primeiro, desencantado e a caminho da reforma; o segundo, a começar a carreira e, por isso, (ainda) cheio de ideais. Vêem-se a braços com a investigação de uma bizarra série de assassinatos que recriam, de forma sórdida e sádica, os sete pecados mortais, uma espécie de sermão perverso praticado por um psicopata, John Doe (Zé Ninguém...), que assim reage, com uma fúria “purificadora”, contra os “vícios” do mundo moderno. A hábil síntese da memória do “film noir” com a estética do “videoclip” faz de “Seven” quase um clássico moderno, cuja actual influência no género do “thriller” é indesmentível. Razão mais do que suficiente para justificar uma troca de opiniões sobre o filme com três personalidades ligadas ao cinema: Joaquim Leitão, realizador, Pedro Bandeira Freire (do cinema Quarteto), exibidor, e Jacinto Lucas Pires, uma das figuras de proa da nova geração de escritores portugueses, cuja paixão pela sétima arte o levou já à realização de uma curta-metragem, “Cinemaamor” (2000). Acima de tudo, três casos dessa “doença” saudável que é a cinefilia... “Seven” é considerado por muitos um filme de culto dos anos 90. O mote para o início de cada conversa foi exactamente esse: quais as razões para o culto à volta do policial de David Fincher e o que significa, afinal, essa expressão tantas vezes utilizada (muitas delas abusivamente...), “filme de culto”? Joaquim Leitão é, dos três, aquele que mais se aproxima da noção “clássica” de filmes de culto: “Não são sucessos na altura da estreia e vão ganhando uma pequena série de admiradores, que vai crescendo com o tempo”. Partindo desta premissa, chega à seguinte conclusão: “O ‘Seven’ não corresponde a essa ideia, porque teve um grande êxito comercial”. A questão temporal é também abordada por Pedro Bandeira Freire (que, recorde- -se, também é escritor e foi autor de uma curta em 78, “Os Lobos”), que considera o filme “muito recente” para poder receber esse epíteto. Mas, reconhece, “não sei bem o que é para mim um filme de culto”. Mesmo assim, cita como exemplos possíveis “Casablanca”, “Oito e Meio” e “alguns filmes negros americanos”. Já para Jacinto Lucas Pires, “um filme de culto tem um certo ‘charme’, difícil de identificar, que muitas vezes não corresponde a uma qualidade intemporal ou a um talento de autor, mas sim a um toque distinto, e o ‘Seven’ tem um bocadinho disso”. O autor de “Azul-turquesa” adianta como possíveis razões para o culto à volta do filme o facto de o par de detectives ser um pouco um “pastiche” das duplas dos “buddy movies” e a utilização da ideia de pecado, num tom “semi-engraçado, semi-sério”. Em relação às qualidades do filme, o mais entusiasta é Bandeira Freire, para quem Fincher recuperou algo que sempre o interessou no cinema americano: “saber contar uma história, independentemente de gostarmos ou não dela. É notável a maneira como ele conta a história, com ritmo e velocidade, aquilo a que chamo presença de espírito de realizador”. Segundo Pedro, quando se consegue encontrar um cineasta com estas qualidades e uma forte visão pessoal, tem-se “um número quase perfeito, até porque trata do que está efectivamente dentro de nós, os sete pecados mortais”. Destaca a “genial” solução final e considera que o tema associado à forma narrativa “fazem do filme não digo uma obra-prima, mas um dos melhores dos últimos tempos”. “Rendi-me”, remata.

O poder do enigma
Também Joaquim Leitão refere a “inovadora” estrutura narrativa: “o movimento da narrativa não é o normal e a reviravolta final faz todo o sentido e é fascinante”. Além disso, “visualmente, é muito bem feito, fruto do trabalho magnífico de Darius Khondji (o director de fotografia), aliado ao talento visual de Fincher”. Mais dois aspectos chamaram a atenção do realizador — o facto de “nada sabermos sobre o ‘serial killer’, o que é inquietante”, e a forma como o filme fecha (“o desfecho não é fácil nem o normal numa grande produção. Havia um final alternativo mais leve, que não foi escolhido, o que só abona em favor de quem escreveu e produziu o filme”). “Gostei do filme, embora não seja dos meus preferidos”, admite Jacinto Lucas Pires, que confessa ter ficado um pouco desiludido com a obra posterior do cineasta. De qualquer forma (e embora, nesse aspecto, prefira as ilusões de David Mamet), realça “o lado de enigma, de brincadeira que os filmes de Fincher têm. Há sempre jogos com o espectador, como se estivéssemos dentro de caixas chinesas ou bonecas russas”. Jacinto elege como momento mais marcante o pecado da gula, em que um obeso é obrigado a comer até à morte: “um homem terrivelmente americano, algo de tragicómico e ao mesmo tempo muito violento”. Por seu lado, Leitão lembra a “entusiasmante cena da perseguição a Doe”, enquanto Bandeira Freire prefere centrar-se na personagem do assassino, “um louco muito especial que cumpre, com rigor e precisão, uma missão que considera divina”. E quais são os defeitos de “Seven”? Segundo o autor de “Tentação”, será a “insistência em ambientes um bocado estragados de mais, cheios de fumo e sempre a chover. Não acreditamos muito naquela cidade”. No entanto, ressalva que é essa a convenção de “Seven” e que, para si, um filme tem apenas de “respeitar as suas próprias convenções – mesmo que eu não concorde com elas –, o que, de facto, acontece aqui”. Já Jacinto Lucas Pires recorda que, a dada altura, o filme se começava a tornar demasiado explicativo (“podia ser um pouco mais subtil”). Por fim, Bandeira Freire reconhece um certo “exagero cénico, mas que se perdoa porque se gosta do filme”. “Um pouco como acontece com os nossos filhos”, conclui, com humor. ¦


O p r ó x i m o DVD “CAMINHOS PERIGOSOS” Um avogado de sucesso, Rick Magruder (o inglês Kenneth Branagh, exibindo um notável e surpreendente sotaque sulista), regressa, após vencer mais um caso mediático, à Geórgia natal, para uma enorme festa de celebração. Além da sua fiel assistente, Lois (Daryl Hannah), da não muito fiel mulher, Leeanne (Famke Janssen), e do amigo e investigador privado, Clyde (Robert Downey Jr.), tem à sua espera Mallory Doss (Embeth Davidtz), uma empregada da festa com quem passa a noite e se envolve emocionalmente. O problema é que o pai de Mallory, Dixon (Robert Duvall), um louco que pertence a um grupo com tendências nazis, está (supostamente) a ameaçá-la. Magruder resolve então servir-se do poder da sua firma para conseguir a prisão de Dixon, ao mesmo tempo que intima Pete (Tom Berenger), o ex-marido da misteriosa mulher, para testemunhar contra o sogro. Dixon é enviado para um asilo, mas escapa... “Caminhos Perigosos” (1998), do veterano autor Robert Altman, é um labiríntico “filme negro” que fica como uma das melhores adaptações dos romances de John Grisham. ¦ V. T. M.

FRASES
“Um número quase perfeito”
PEDRO BANDEIRA FREIRE

“Visualmente, é muito bem feito”
JOAQUIM LEITÃO

“Um filme de culto tem um certo ‘charme’, difícil de identificar, e ‘Seven’ tem um bocadinho disso”
JACINTO LUCAS PIRES DR