“Uma Vida Normal”, de Joaquim Leitão
Por Vasco T. Menezes
Oscilando de forma hábil entre a comédia e o drama,
“Uma Vida Normal”, de Joaquim Leitão, é
a história de um homem em crise, por volta dos 40 anos. Ou
como a brincar se dizem coisas sérias...
Miguel Martins, publicitário, um homem
em crise — a descrição perfeita do protagonista
(interpretado por Joaquim de Almeida) de “Uma Vida Normal”
(1994), o filme de Joaquim Leitão que hoje se estreia em
DVD, no âmbito da série Y. Abandonado pela mulher,
Teresa (a espanhola Maria Barranco), a vida não lhe corre
bem: está sem dinheiro, fuma e bebe de mais, é viciado
em comprimidos e, acima de tudo, anda por volta dos 40 anos. O susto
provocado por um ataque cardíaco leva-o a decidir mudar de
vida, o que não vai ser fácil quando tem três
dias para acabar três campanhas publicitárias e lhe
restam apenas três anfetaminas e três maços de
tabaco...
O filme é assim a odisseia tragicómica
de um homem que sente que tem uma última oportunidade de
sair do buraco em que se encontra e que enceta uma tentativa desesperada
para endireitar a sua vida. Determinado a voltar para Teresa, ao
mesmo tempo é incapaz de terminar a relação
com uma mulher mais nova, Paula (Margarida Marinho), e acaba por
se envolver também com a vizinha do lado, Paula B. (Anamar),
um rosto do (seu) passado.
Oportunista irresponsável (chega a esquecer-se
dos anos do filho) que vive dos mais variados esquemas, Miguel é
um homem em luta com todos os seus defeitos e imperfeições.
É isso que o torna comovente, num dos melhores desempenhos
até hoje de Joaquim de Almeida, que deixa transparecer de
forma notável (em constantes grandes planos do seu rosto)
a angústia e ansiedade da personagem (o filme começa
logo com ele em “stress”, por causa de umas camisolas
desarrumadas e do despertador avariado). Passa o tempo todo completamente
à toa e às voltas (como o peixe no aquário
da sala e a barata na areia da praia), a antítese perfeita
(sublime ironia) da figura de cartão do Super-Homem que tem
na sala. Para ele, os 40 anos representam o aproximar de um termo
de validade, daí a necessidade de provar que não é
um “anormal que já deu o que tinha a dar” ou
um “peso morto”.
Se Miguel é o centro da história
— Joaquim de Almeida está presente em todas as cenas
do filme —, muito do charme de “Uma Vida Normal”
vive da sua interacção com as três fascinantes
personagens femininas que giram à sua volta: a sofredora
Teresa (para quem cada encontro com o marido é fonte de uma
dor imensa), a forte e dominadora Paula (reparese na divertida sequência
da interrompida fantasia sexual, com Miguel amordaçado e
atado à cama, que termina com a “castração”
simbólica da referida figura de cartão) e a excêntrica
Paula B. Nesta última figura, a questão da idade é
mais uma vez fulcral — desequilibrada e a recuperar de um
esgotamento nervoso, tenta suicidar-se no dia de anos, após
40 anos de solidão e uma vida de frustrações,
feita de sonhos que não se realizaram, como os amores nunca
correspondidos ou os filhos que nunca teve.
“Uma Vida Normal” (de entre as
várias colaborações de Joaquim de Almeida com
o realizador, aquela que o actor elege como a sua preferida) fica
como uma obra de inegáveis qualidades, a maior das quais
é a segurança com que se move entre a comédia
e o drama. Exemplo acabado é a cena final no hospital, quando
a notícia das lesões sofridas num desastre é
recebida com alívio por Miguel (“Que bom, vou poder
finalmente parar”), que encontra finalmente, depois do caos
e do rodopio intermináveis, o tão almejado repouso.
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