O
cinema e a “material girl”
Uma história de amor e ódio
Por Maria João Guimarães
A relação de Madonna Louise Ciccone
com o cinema tem sido problemática, feita de inúmeros
fracassos e de raros sucessos. No entanto, os seus primeiros passos
no cinema foram auspiciosos, com “Desesperadamente Procurando
Susana” (1985), uma louca e anárquica comédia
de Susan Seidelman, à volta de identidades trocadas. No filme,
a Madonna actriz era ainda a Madonna cantora da primeira fase da
carreira. A “rainha do ‘trash’” que aparecia
em videoclips como “Like a Virgin” virava de pernas
para o ar o mundo da bem-comportada Rosanna Arquette. “Madonna
transborda de charme sedutoramente chunga e ainda assim inocente”,
disseram dela.
A imagem de nova-iorquina estouvada e espertalhona
foi recuperada dois anos depois, em “Quem É Aquela
Garota”, de James Foley — um “remake” livre
do clássico de Hawks, “As Duas Feras”, e um desvario
que fica, a par do filme de Seidelman, como um dos melhores exemplos
do imaginário “pop” dos anos 80 —, com
Griffin Dunne a substituir Arquette. Mas se Madonna se revelou eficaz
a fazer de Madonna, não foi tão bem sucedida na primeira
tentativa de se reinventar no cinema, em “Shangai Surprise”,
uma terceira “screwball comedy”, feita entre as outras
duas. Foi um desastre de bilheteira: fez apenas dois milhões
de dólares, dos 17 milhões que tinha custado. Como
alguém escreveu, ao lado do então marido Sean Penn,
Madonna demonstrava “tanto talento como uma boneca, numa interpretação
que consiste em pôr as mãos nas ancas e guinchar em
frustração”.
Em 93, venceu o seu terceiro prémio “Razzie”
para a pior actriz, graças ao execrável “Corpo
de Delito” (em que tentava — e falhava rotundamente
— ser uma “femme fatale” que matava, em pleno
acto sexual, os velhinhos milionários com quem casava). Nessa
altura, verdadeira “habitué” da cerimónia,
já tinha sido nomeada para a pior actriz da década.
Perdeu, mas desforrou-se dez anos depois, quando ganhou o prémio
para pior actriz do século...
Nesse ano, trabalhou ainda pela primeira vez com
um “autor”, Abel Ferrara. As expectativas eram altas,
mas os resultados nem tanto: “Dangerous Game”, apesar
de interessante, foi um filme falhado, em que Madonna, à
procura de “caução artística” e
de forma corajosa, se autoparodiava (intencionalmente?), ao interpretar
uma actriz sem talento de filmes comerciais, que quer desesperadamente
entrar num filme de “arte e ensaio” e é humilhada
pelo realizador (que a aceitou por ser a única forma de encontrar
financiamento). Se as semelhanças entre o “filme dentro
do filme” e o próprio “Dangerous Game”
são mera coincidência não se sabe, mas o facto
é que Madonna renegou o filme... Em 96, os “Razzies”
foram trocados pelo Globo de Ouro para a melhor actriz em comédia/musical.
Alan Parker e “Evita” trouxeram-lhe a reabilitação
possível na carreira cinematográfica (é o seu
melhor desempenho), que acabou de sofrer um novo revés com
o último filme, “Swept Away”, realizado pelo
marido, Guy Ritchie. Um “flop” gigantesco, esteve apenas
três semanas em exibição, nas quais fez 600
mil dólares, tendo custado 25 milhões... Num filme
considerado “mau demais para ser lançado em cinema”,
a interpretação de Madonna (no papel de uma herdeira
mimada que naufraga numa ilha deserta com um pescador italiano),
“hirta e infeliz”, levou a que se afirmasse que “só
uma pessoa acredita que Madonna é capaz de representar: Madonna”.
Como não há certezas absolutas, o melhor é
esperar pelos próximos capítulos desta história
de amor (de Madonna pelo cinema) e ódio (do cinema por Madonna)...
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