A última caminhada
nos corredores do amor e da morte
Por Vasco T. Menezes
Susan Sarandon e Sean Penn são os protagonistas
de um melodrama contido, uma história de amor e redenção
nos corredores da pena de morte.
Em "A Última Caminhada", Tim Robbins
dá-nos uma visão madura do difícil tema da
pena de morte, numa actualização dos famosos "weepies"
(dramalhões de faca e alguidar) do cinema clássico
americano. Desta forma, a Série Y, colecção
de 25 DVD, prossegue com mais um título em que a personagem
principal é uma figura feminina forte e determinada, algo
que não costuma ser apanágio do cinema feito em Hollywood
(vêm à memória as mulheres fatais do "film
noir", mas essas não eram propriamente presenças
inspiradoras...).
Com efeito, se no DVD da semana passada, "Fargo",
essa figura de mulher só era apresentada quase a meio do
filme, em "A Última Caminhada" não há
que enganar: o filme abre com ela, com um grande plano da Irmã
Helen Prejean (Susan Sarandon, vencedora do Óscar), presente
em praticamente todas as cenas e à volta da qual todas as
outras personagens gravitam. O realizador, Tim Robbins, chegou a
afirmar que Helen funcionaria como os "olhos" do espectador
‹ ou seja, identificamo-nos com ela e é através
dela que ficamos a conhecer os vários intervenientes no drama
e as suas posições face à pena de morte, a
questão fulcral deste filme.
É precisamente na forma como essa temática
é abordada ‹ está é a história
da relação invulgar entre um condenado à morte
e a freira que lhe presta conforto espiritual ‹ que "A
Última Caminhada" começa a afirmar a sua singularidade.
Se é óbvio que o filme se posiciona claramente "contra",
nunca o faz de forma panfletária ou com recurso a discursos
grandiloquentes e balofos, evitando os pecados do "filme de
mensagem".
Também na definição cuidada
das personagens, tridimensionais e complexas, se afasta qualquer
hipótese de maniqueísmo: teria sido fácil apresentar
o condenado, Mathew Poncelet (Sean Penn), como uma vítima
das circunstâncias, ou não tentar compreender o sentimento
de perda e o desejo de vingança dos pais do casal de adolescentes
assassinado, mas Robbins evita enveredar por uma visão simplista
das coisas (por isso estão lá os "flashbacks"
que mostram Helen e outras crianças a matar com crueldade
um animal, para acentuar que o mundo não se divide entre
os "bons" e os "maus").
Ao lado desta austeridade e contenção
funciona ainda uma meditação sobre a morte e as marcas
irreparáveis que ela deixa nos que ficam. Neste sentido,
é também um filme sobre a destruição
da família e a dor incomensurável dos pais que são
obrigados a enterrar os filhos. Para Robbins, não há
diferenças entre as três famílias em causa (as
dos dois adolescentes mortos e a do assassino executado); todas
são vítimas de uma sociedade onde o medo e a violência
estão enraizados e impera uma lógica de retribuição
penal quase medieval.
A esta lógica está associado outro
dos aspectos curiosos de "A ltima Caminhada": a
utilização da religião na defesa de posições
antagónicas. Sintomático disso é um dos encontros
de Helen com o capelão de Angola (a asséptica prisão
de Nova Orleães onde Mathew se encontra encerrado), quando
este invoca o Velho Testamento para justificar um castigo igual
à culpa (pecado) do criminoso, numa lógica de "olho
por olho, dente por dente". Helen responde citando o Novo Testamento
e os ideais de caridade e respeito pela vida (uma duplicidade de
interpretações que já se tinha evidenciado
numa das primeiras cenas, na qual ambos demonstravam entendimentos
diferentes acerca do vestuário que o Papa considerava adequado
para as freiras...).
Redenção
Mas tudo isto (que é muito) seria pouco se no centro do filme
não estivessem duas figuras fascinantes, a abnegada e corajosa
Helen e Mathew, um homem tão odioso como trágico (torna-se
óbvio que apenas vai ser executado por duas razões:
ao contrário do cúmplice, não teve dinheiro
para um bom advogado ‹ quase todos os presos no corredor da
morte são pobres... ‹ e, depois de dois negros, que
compõem a maioria destes condenado, e em véspera de
eleições, é politicamente aconselhável
executar um branco). É a singular relação de
intimidade (não obstante as grades, vidros e paredes que
os mantêm afastados e que Robbins utiliza com mestria) que,
apesar das diferenças que os separam ‹ de classe, culturais
e ideológicas ‹ se vai desenvolver entre ambos que
torna o filme tocante e a sequência final comovente: a assunção
final da culpa ‹ e arrependimento ‹ por parte de Poncelet,
que assim atinge a redenção através do amor
de Helen, momentos antes da execução ("quero
que a última coisa que vejas seja o rosto do amor, por isso
olha para mim quando te fizerem isto", diz-lhe ela).
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