Grandes nomes do cinema contemporâneo por apenas 8,9 euros:
é a proposta da Série Y, todas as quintas-feiras,
a partir do dia 28. "The Game", de David Fincher, é
o primeiro de 25 DVDs. Entre no jogo.
O que têm em comum autores consagrados como
David Cronenberg, Pedro Almodóvar, Woody Allen, Quentin Tarantino
ou Robert Altman? A resposta é simples: todos eles marcam
presença na Série Y, colecção de vinte
e cinco DVDs que o PÚBLICO vai lançar no final deste
mês, por apenas 8,9 euros. A inaugurá-la, a 28, estará
“O Jogo/The Game” (97), “puzzle” obsessivo
e kafkiano de David Fincher, um dos realizadores de culto da actualidade.
A lista de filmes escolhidos apresenta não só um nível
de assinalável qualidade como dá uma visão
panorâmica possível do cinema contemporâneo,
com destaque para uma das vertentes mais interessantes do cinema
americano recente: a zona difusa entre o autorismo e a indústria,
ou o terreno dos cineastas que, não abdicando dos seus universos,
conseguiram ser aceites pelo sistema (daí a proliferação
de produções da Miramax e da New Line, companhias
independentes que foram absorvidas por “majors”) e criar
algumas das obras mais importantes da última década.
Falamos, por exemplo, do segundo Fincher da colecção,
“Seven/Sete Pecados Mortais” (95), brilhante policial
apocalíptico passado num mundo urbano decadente e opressivo
e que é já um clássico moderno, cuja influência
no género ainda hoje é indesmentível.
Falamos, também, de “Fargo” (96), hilariante
comédia negra em tons de “thriller” (ou vice-versa)
que foi o primeiro sucesso comercial dos irmãos Coen (até
aí admirados pela crítica, mas ignorados pelo público)
e que deu a Frances McDormand, na fabulosa Marge, a mulher polícia
muito perspicaz e muito grávida, o Óscar de melhor
actriz.
Falamos do (ainda) último Tarantino, “Jackie Brown”
(97), em que o realizador e cinéfilo obsessivo voltou a remexer
no baú dos seus “guilty pleasures” para homenagear
os “blaxploitation movies” dos anos 70 (género
feito para, e pela, orgulhosa consciência negra), transformando
a adaptação de um romance de Elmore Leonard (um dos
expoentes do “noir” actual) numa carta de amor à
rainha desses filmes, Pam Grier.
Obras de culto
Neste limbo entre a independência e o sistema, encontramos
mais dois títulos. O primeiro é outro filme dos Coen,
“O Grande Lebowski” (98). Ex-hippies jogadores de “bowling”,
veteranos do Vietname obcecados com a guerra e um grupo de niilistas
psicopatas são alguns dos “weirdos” que passam
por esta divertida história de identidades trocadas que é
também uma variação, em forma de homenagem
“charrada”, do clássico de Raymond Chandler,
“The Big Sleep”. O elenco, com Jeff Bridges à
cabeça, é maravilhoso, de Julianne Moore a Ben Gazarra,
passando pelos “habitués” John Goodman, Steve
Buscemi e John Turturro.
O segundo é “A Última Caminhada” (95),
drama pungente sobre a relação invulgar entre um violador
e assassino condenado à morte e a freira que lhe presta conforto
espiritual. Libelo contra a pena de morte assinado por Tim Robbins
(que, enquanto realizador, se tem vindo a afirmar como herdeiro
do cinema liberal americano dos anos 60 e 70), abordou a questão
sem sentimentalismos e permitiu a Susan Sarandon (Óscar para
melhor actriz) e a Sean Penn interpretações notáveis.
O cinema independente americano “puro e duro” está
também representado, através de duas primeiras obras:
“Sangue por Sangue” (84), dos Coen, e “Miúdos”
(95), de Larry Clark. O primeiro marca o início do culto
à volta de Joel e Ethan Coen e fica como um dos títulos
de glória do “indie cinema” dos anos 80, actualizando
o triângulo amoroso do “film noir” e deslocando-o
para o espaço insólito das cidadezinhas e estradas
do Texas. Com a presença de três filmes dos Coen nesta
colecção, é possível acompanhar a evolução
do cinema de uma dupla que, decididamente, também é
alvo de culto em Portugal.
O segundo é a primeira realização do fotógrafo
Larry Clark, tão polémica como os seus trabalhos fotográficos.
“Filme-choque” um pouco por todo o lado, é um
retrato da adolescência como mundo amoral em que os “kids”
se destroem com uma pulsão niilista — os pais estão
ausentes. O filme possibilita um primeiro encontro com o “wonder
kid” Harmony Korine, que escreveu o argumento com 19 anos
e que, mais tarde, como realizador de duas obras, “Gummo”
e “Julien Donkey-boy”, se transformou, ele próprio,
num dos cineastas mais controversos da actualidade (odiado por uns,
incensado por outros...).
Mestres rebeldes
Se há pouco falámos de independência dentro
do sistema, agora é altura de falarmos no sistema dentro
da independência, de autores em cujos filmes todas as estrelas
querem entrar, por mais pequeno que seja o papel: os rebeldes Woody
Allen e Robert Altman não podiam ser melhores exemplos.
O primeiro aparece nesta colecção com um dos melhores
exemplos da fase mais recente da sua obra, o divertidíssimo
“Balas Sobre a Broadway” (94), em que John Cusack é
um dramaturgo obrigado a pôr em causa a integridade artística
quando, em troca de financiamento, é obrigado a aceitar as
sugestões de um “gangster” para a sua nova peça
e a namorada sem talento do chefe deste como actriz principal.
Já os dois Altmans não são sem interesse: o
mais antigo, “Pronto a Vestir” (94), é o que
representa melhor o estilo iconoclasta do veterano autor, com a
sua visão ácida do mundo da moda, através de
um mosaico de personagens interpretadas por vedetas como Marcello
Mastroianni, Sophia Loren, Lauren Bacall, Julia Roberts ou Kim Basinger;
o outro, “Caminhos Perigosos” (98), é um Altman
mais atípico, adaptação de um romance de John
Grisham. Apesar de não exibir as habituais marcas do cineasta
(a não ser o elenco sonante — Kenneth Branagh, Daryl
Hannah, Robert Duvall e Tom Berenger, entre outros), é mesmo
assim um “thriller” escorreito, sem grandes voos mas
melhor do que a maioria das adaptações que se fizeram
de Grisham (por exemplo, “O Cliente” ou “O Dossier
Pelicano”).
Excêntricos e outros
Quanto ao cinema europeu, a sua participação cinge-se
a um punhado de filmes portugueses recentes que fazem a sua estreia
em DVD (e entre os quais, êxitos de bilheteira como “Adão
e Eva” e “Tentação”, de Joaquim
Leitão, e “Zona J”, de Leonel Vieira”)
e a um dos melhores títulos da primeira fase de Almodóvar,
“A Lei do Desejo” (87), delírio “kitsch”
com Antonio Banderas e Carmen Maura, que fechará com chave
de ouro a colecção, em Maio de 2003.
Espaço ainda para exemplos de filmografias excêntricas
como a canadiana e a neozelandesa, através de dois dos seus
autores mais emblemáticos, David Cronenberg e Peter Jackson.
Do primeiro foi escolhido o penúltimo filme, “eXistenz”
(99), onde o canadiano dá largas à sua obsessão
com os limites do humano, com a criação de uma nova
carne, desta vez num registo barroco e delirante.
Do segundo, que se haveria de notabilizar como "o realizador
de 'O Senhor dos Anéis'”, optou-se por uma obra, “Amizade
Sem Limites” (94) — história da relação
obsessiva entre duas raparigas, nos anos 50 — que é
uma belíssima fantasia onírica. Nunca estreada nos
cinemas portugueses, marcou a abertura de Jackson a outras realidades
fora das suas anteriores paródias “gore”.
A Série Y abarca géneros diferentes. Se é o
“thriller” a dominar, há lugar para musicais
(“Evita”), paródias “nonsense” (o
primeiro “Austin Powers”) e até para uma aproximação
invulgar ao “filme de prisão”: “Os Condenados
de Shawshank” (94), de Frank Darabont, filme de culto adaptado
de um conto de Stephen King, com Tim Robbins e Morgan Freeman como
protagonistas.
Finalmente, ao coleccionar a Série Y marcamos encontro com
momentos-chave de figuras emblemáticas do cinema actual,
desde os “monstros sagrados” Marlon Brando, Robert De
Niro, Dustin Hoffman, Jeff Bridges e Michael Douglas , até
Johnny Depp, Brad Pitt, Antonio Banderas, Sean Penn ou Madonna.
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