O pequenino e esquisito Steve Buscemi
Por Kathleen Gomes
Se ainda não aprenderam a pronunciar Buscemi
correctamente (diz-se Bussemi), a culpa é vossa. Porque Steve
Buscemi não tem sido propriamente discreto. Peguem num punhado
de reputados filmes do circuito independente americano dos últimos
anos e comparem com a filmografia do actor: uma boa parte há-de
coincidir.
É certo que nunca lhe cabe o papel principal
(seja lá o que isso for, no cinema independente), mas é
impossível não dar por ele: é sempre a presença
mais nervosa. Ferrara, Tarantino, Altman, Jarmusch, os Coen - Buscemi
já trabalhou com todos e, nalguns casos, mais do que uma
vez. Que há com ele, para que tantos autores o requisitem?
Os elencos podem mudar, mas ele fica. Talvez porque leva muito a
sério a sua propensão (vocação?) para
interpretar "losers". Mas isso, só por si, não
explica tudo.
Em "Fargo", interpreta Carl Showalter,
um inepto assassino a soldo que acabará por ser a mais sacrificada
de todas as personagens: é espancado, leva um tiro na cara
e há-de terminar num triturador de lenha... E quando Frances
McDormand tenta seguir as pistas que a possam conduzir aos criminosos,
as testemunhas não conseguem lembrar-se de mais nada, a não
ser que ele "era pequenino, com um ar esquisito". Que
Buscemi seja caracterizado como um "funny looking guy"
é uma típica piscadela de olhos dos Coen. Até
porque os próprios têm jogado com a aparência
física do actor como efeito cómico, conferindo-lhe
o estatuto de "side-kick" de figuras bem mais imponentes,
como Peter Stormare em "Fargo", numa espécie de
delirante reabilitação de Bucha e Estica.
Não têm faltado descrições,
inspiradas e detalhadas, de Buscemi na imprensa, quase sempre pouco
abonatórias. Aliás, o próprio terá escolhido
a sua favorita, em que era apontado como "o equivalente, no
cinema, ao 'junk mail'".
Mas talvez haja um fundo de verdade na piada dos
Coen: sem nunca fazer da sua presença uma imposição,
na rectaguarda de outros actores, Buscemi torna-se quase sempre
memorável. Façam o teste: se não obtiverem
reacção ao mencionar-lhe o nome, tentem descrevê-lo
como o tipo "pequenino, de ar esquisito". Resultados garantidos.
Nada que incomode o actor. "Gosto de interpretar
personagens bizarras", diz. "Não me vejo como um
tipo normal". Nascido em Brooklyn, Nova Iorque, em 1957, teve
o seu verdadeiro "tour de force" quando Tarantino lhe
deu o papel de Mr. Pink em "Cães Danados" (1992).
Parecia talhado para ser um dos primeiros do "gang" a
cair e, afinal, há-de ser o único sobrevivente. Mas
por essa altura, já tinha morrido duas vezes às mãos
dos Coen. Alguém notou que ele é sempre eliminado
em todos os filmes dos Coen onde trabalhou (num total de cinco,
desde "Histórias de Gangsters", em 1990), à
excepção de "O Grande Salto" (1994), e que
os seus restos se vão tornando sucessivamente mais reduzidos...
Basta lembrar que depois de "Fargo", ressurgiu em "O
Grande Lebowski" (outro dos títulos da Colecção
Y, que aparecerá em breve), onde as suas cinzas são
lançadas sobre o mar (e sobre Jeff Bridges e John Goodman...).
Em todo o caso, e apesar de mais uma vez não ser poupado,
Buscemi emerge aqui envolvido por um olhar mais afectuoso por parte
dos Coen: companheiro de "bowling" de Bridges e Goodman,
é um vulnerável e taciturno "naïve",
alvo das constantes invectivas do veterano do Vietname interpretado
por Goodman. É essa melancolia que mais tem transparecido
nos últimos papéis de Buscemi, nomeadamente em "Ghost
World" (2001), de Terry Zwigoff, onde era um solitário
coleccionador de vinis. Longe da verborreia a alta velocidade cultivada
em Tarantino ou "Fargo", mas sempre, sempre "loser".
Nem quando se estreou na realização, com "Trees
Lounge" (1996), se desviou dessa linha: rodado no seu bairro,
centrava-se num bar pleno de figuras excêntricas - com Buscemi
no papel principal, evidentemente. "Loser", pois, mas
os "indies" americanos não seriam a mesma coisa
sem ele...
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