Vírus sincicial respiratório

Uma ameaça à saúde dos mais novos

É um vírus comum e causador de infecções respiratórias frequentes, como a bronquiolite, mas que podem ser graves, sobretudo em crianças muito pequenas. Saiba quem está em maior risco e como prevenir.

Já todos teremos contactado com ele de alguma forma, ao longo da vida, uma vez que o vírus sincicial respiratório (VSR ou RSV, na sigla em inglês) é muito comum, sendo responsável por infecções respiratórias em pessoas de todas as idades, mas com manifestações clínicas mais exuberantes em crianças pequenas e idosos. Na maior parte dos casos, estas manifestações clínicas não são graves, podendo mesmo confundir-se com uma simples constipação.

Mas algumas vezes os sintomas são mais acentuados e é por isso que devemos olhar com atenção para o VSR nesta Semana Europeia da Imunização, que se assinala entre os dias 23 e 29 de Abril.

Como explica o médico Luís Varandas, pediatra no Hospital de Dona Estefânia – Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, “os mais afectados por este vírus em termos de complicações situam-se nas faixas extremas da idade”, sendo de destacar as crianças mais pequenas, com meses de idade, que ao serem infectadas por este vírus podem desenvolver bronquiolite, isto é, “uma infecção das vias respiratórias inferiores, caracterizada por dificuldade em respirar e pieira, e que todas as épocas motiva inúmeras idas aos serviços de urgência”. Com efeito, a infecção por VSR é a principal causa de hospitalização em crianças com menos de 12 meses de idade, e estima-se que 90% das crianças até aos 2 anos sejam, nalgum momento, infectadas por este vírus.

Ainda de acordo com o especialista, “o VSR tem a particularidade, comum a outros vírus, de as primeiras infecções serem quase sempre as mais graves, sobretudo se se registarem nos extremos das idades”. Como tal, “um bebé que é infectado por VSR com um mês de idade tem um risco mais elevado de ter uma bronquiolite mais grave do que um bebé já com 13 ou 14 meses”, explica. A probabilidade de infecção grave provocada pelo VSR é, pois, maior em crianças em idades muito precoces, mas também em bebés prematuros, com doenças congénitas cardíacas ou pulmonares, ou ainda com o sistema imunitário mais vulnerável.

"O VSR tem a particularidade, comum a outros vírus, de as primeiras infecções serem quase sempre as mais graves, sobretudo se se registarem nos extremos das idades."
Luís Varandas Pediatra no Hospital de Dona Estefânia – Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central

VSR em Portugal e no mundo

O estudo BARI (Burden of Acute Respiratory Infections) permitiu avaliar que a carga de hospitalizações potencialmente relacionadas com o VSR em hospitais públicos portugueses, em crianças com menos de cinco anos de idade, entre 2015-2018, durante a época de VSR, habitualmente definida como o período entre os meses de Novembro e Março, foi de um total de 15.214 casos, dos quais 7243 com identificação de VSR.Ou seja, mais de 70% dos casos associados a VSR aconteceram em época sazonal com uma enorme sobrecarga nos serviços de saúde.

Foi excepção a temporada 2020/2021 devido à pandemia covid-19, parecendo existir, na actualidade, uma retoma do padrão anterior de sazonalidade atribuível a VSR, como é demonstrado na Rede de Vigilância de Vírus Sincicial Respiratório (VigiRSV).

A nível global, as infecções por VSR são um assunto igualmente relevante, estimando-se que, todos os anos, se registem cerca de 33 milhões de infecções das vias aéreas inferiores causadas por este vírus, em crianças com menos de cinco anos, sendo que 3,6 milhões destas acabam por necessitar de internamento hospitalar. Uma vez que as situações podem revestir-se de grande complexidade, cerca de 26 mil destas crianças hospitalizadas acabam por perder a vida devido a complicações.

O VSR fora de época

Durante décadas, foi sendo possível prever o ciclo de algumas doenças infecciosas respiratórias, com base na observação da sazonalidade de circulação de alguns vírus, tal como o VSR. Porém, nos últimos tempos, o que se viu foi uma importante alteração do padrão habitual, como refere a médica Isabel Esteves, pediatra na Unidade de Infecciologia e Imunodeficiências do Hospital de Santa Maria – Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (HSM-CHULN).

Nas suas palavras, “o que se passou em Portugal foi aquilo que os americanos e muitos europeus designam por epidemia tripla, ou seja, um grande aumento da frequência da incidência de algumas infecções respiratórias virais, sendo que uma das mais preponderantes é a infecção por VSR, com números bastante mais elevados do que é habitual”.

Além disso, a especialista destaca ainda que “a época passada iniciou bastante mais cedo do que é comum, pois tivemos logo casos de internamento e de admissão hospitalar durante o Verão, mantendo-se as incidências bastante elevadas nas fases inicial e média do Outono, para decrescer no início do Inverno”. Esta situação contraria a sazonalidade normal do VSR, segundo a qual, “os casos começam a aumentar em Novembro/Dezembro, com picos em Janeiro/Fevereiro, e depois vão decrescendo”.

Quanto à gravidade das infecções registadas, esta manteve-se nos níveis habituais: “A gravidade esteve sempre presente, a infecção por VSR é sempre muito significativa, em especial abaixo de um ano de vida”, constata a especialista, reforçando que esta “é uma das principais causas de admissão hospitalar naquela faixa etária, em especial por quadros de infecção respiratória”.

Quando será a próxima época de VSR?

“Essa é a pergunta de um milhão de dólares”, responde a médica Isabel Esteves, segundo a qual “não sabemos o que se vai passar, é uma grande incógnita”. De acordo com a pediatra, “poderá haver uma maior aproximação às épocas mais habituais, ou seja, não haver um aumento tão grande do pico de incidências e numa época tão precoce, mas a verdade é que não se sabe”. Por isso mesmo, defende a importância da vigilância epidemiológica, agora conseguida com a rede VigiRSV, que considera mesmo “fundamental”.

Também Luís Varandas acredita que “este ano, em que já não há praticamente restrições [impostas pela pandemia, nomeadamente, o uso de máscara], o vírus poderá ter o comportamento habitual e que chegue em Dezembro/Janeiro em força”. “Ainda que possa chegar um pouco mais cedo, acredito que o pico seja novamente no final do ano, início do próximo, à semelhança dos anos anteriores”, vaticina o especialista.

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"95% destas crianças são saudáveis, ou seja, a maior parte não tem doenças de base conhecidas."
Teresa Bandeira - Coordenadora da Unidade de Pneumologia Pediátrica e responsável pelo Laboratório Pediátrico de Fisiopatologia Respiratória do HSM-CHULN, integrou o grupo que esteve na origem da rede VigiRSV

VigiRSV – vigiar o VSR em Portugal

Precisamente porque é cada vez mais relevante prever como e quando circulam em maior número vírus como o VSR, torna-se muito importante estabelecer uma rotina de vigilância apertada, para que os cuidados de saúde possam ser adequadamente planeados e prestados.

Isto mesmo passou a ser possível em 2021, graças à VigiRSV, a Rede de Vigilância de Vírus Sincicial Respiratório, que integra 19 hospitais públicos e um hospital privado, distribuídos por todas as regiões de saúde de Portugal Continental e região autónoma da Madeira. Estes hospitais reportam de forma periódica casos de infecção respiratória aguda em crianças internadas com menos de dois anos de idade, e os resultados são divulgados no Boletim de Vigilância Epidemiológica da Gripe e outros Vírus Respiratórios, publicado periodicamente pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA).

A médica Teresa Bandeira, coordenadora da Unidade de Pneumologia Pediátrica e responsável pelo Laboratório Pediátrico de Fisiopatologia Respiratória do HSM-CHULN, integrou o grupo que esteve na origem da rede VigiRSV e sublinha a importância deste instrumento de monitorização, tendo em conta que vem “acrescentar informação face a outros estudos de que dispomos”. E isto porque, como realça, a rede VigiRSV “permite conhecer as características não só dos vírus mas também das crianças infectadas, nomeadamente o sexo, idade, factores de risco e motivo de internamento, bem como a gravidade.

Adicionalmente permite conhecer o VSR em circulação, ou seja, qual é a sua caracterização genética, para depois se poder contribuir para a formulação de fármacos para tratar e prevenir a doença”, justifica a também professora auxiliar convidada da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

Actualmente, está ainda em implementação o estudo RHEDI (RSV in Hospital Emergency Departments in Iberia), com vista a caracterizar a gravidade clínica e as consequências das infecções respiratórias agudas por VSR, em crianças com menos de dois anos de idade que se apresentam nas urgências pediátricas. Em Portugal existem três centros envolvidos: Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, Centro Hospitalar Universitário de Coimbra e Hospital CUF Descobertas, em Lisboa.

De acordo com Teresa Bandeira, que é responsável pela participação do CHULN, esta investigação permite o conhecimento decorrente da história clínica, das características do vírus, além da identificação de factores inflamatórios. “Isto permite-nos abrir um campo enorme de conhecimento para a utilização de fármacos ou atitudes profilácticas nestas crianças”, esclarece, frisando a importância desta pesquisa.

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"O que se passou em Portugal foi aquilo que os americanos e muitos europeus designam por epidemia tripla, ou seja, um grande aumento da frequência da incidência de algumas infecções respiratórias virais, sendo que uma das mais preponderantes é a infecção por VSR, com números bastante mais elevados do que é habitual."
Isabel Esteves - Pediatra na Unidade de Infecciologia e Imunodeficiências do Hospital de Santa Maria – Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (HSM-CHULN)

Doença com elevado impacto
social e económico

Além da informação que resulta da rede VigiRSV, Portugal dispõe de outros dados que permitem caracterizar a situação do país, e que resultam do já referido estudo BARI, desenvolvido com apoio da Sanofi. Teresa Bandeira, primeira autora desta pesquisa, salienta algumas conclusões. Desde logo, aponta o facto de “a maior parte das crianças internadas com identificação de RSV ter pelo menos um critério de gravidade, e encontrarem-se no primeiro ano de vida, em particular nos primeiros seis meses”. Por outro lado, “95% destas crianças são saudáveis, ou seja, a maior parte não tem doenças de base conhecidas”.

Para além da concentração sazonal referida, de acordo com os resultados do estudo BARI, o Serviço Nacional de Saúde gastou, entre 2015 e 2018, 2,4 milhões de euros em hospitalizações causadas pelo VSR. E se a este número somarmos as restantes hospitalizações por bronquiolites e outras infecções respiratórias sem causa específica, bem como os gastos em urgências e tratamento ambulatório destas infecções, facilmente se percebe que o fardo resultante em termos económicos é muito grande em Portugal.

Eduardo Costa, presidente da Associação Portuguesa de Economia da Saúde (APES), confirma que “o impacto das infecções respiratórias, incluindo pelo VSR, no sistema de saúde é substancial em várias dimensões”. “Por um lado, existem custos directos que afectam o sistema de saúde, associado às hospitalizações. Por outro lado, estas hospitalizações ocorrem tipicamente em alturas de pressão sobre o sistema de saúde, contribuindo para acentuar a mesma”, constata.

Além disso, o investigador lembra ainda que “existe um impacto financeiro directo nos próprios doentes e nos seus cuidadores”, que “advém do facto de o tratamento médico implicar despesas pagas pelas famílias”. E “existe também um impacto indirecto, através do efeito na produtividade da economia, associada aos períodos de ausência do trabalho devido à doença, quer da própria pessoa doente ou dos seus cuidadores”, sintetiza.

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"O conhecimento da carga real das infecções por VSR é essencial para permitir uma avaliação e desenvolvimento da melhor estratégia preventiva, adequada ao contexto português."
Eduardo Costa - Presidente da Associação Portuguesa de Economia da Saúde (APES)

RSV Think Tank - Medidas para diminuir o impacto do VSR

Tendo em conta que o impacto do VSR no sistema de saúde português é substancial, mas o conhecimento em relação ao tema é diminuto, um grupo de peritos reuniu-se, no âmbito da iniciativa RSV Think Tank - Inspirar à mudança, para debater o assunto e propor medidas. Entre as conclusões a que chegaram, Eduardo Costa, que participou na iniciativa, salienta que “o conhecimento da carga real das infecções por VSR é essencial para permitir uma avaliação e desenvolvimento da melhor estratégia preventiva, adequada ao contexto português”. Isto porque “neste momento, o conhecimento da carga real das infecções é limitado”, e “o conhecimento sobre os impactos nas famílias é também muito reduzido”, afirma.

Quanto às medidas propostas para colmatar os problemas identificados, o presidente da APES realça que “deverão passar pelo aumento da literacia dos cuidadores, educadores e sociedade em geral nesta temática”. Mas também “é necessário garantir que são desenvolvidos mecanismos de decisão técnico-científica com vista a contribuir para resolver o problema das infecções por VSR”, sendo que “estes mecanismos deverão avaliar a potencial implementação de um método preventivo farmacológico contra o VSR”.

O RSV Think Tank é uma iniciativa Sanofi dinamizada pela MOAI Consulting, conduzida em parceria com a APES e a XXS - Associação Portuguesa de Apoio ao Bebé Prematuro. O painel de especialistas contou com a participação de pediatras e neonatalogistas, médicos de Saúde Pública, enfermeiros, economistas, associações de pais, autoridades de saúde e decisores.

Prevenção: esperança nas
vacinas

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Quanto à forma de prevenir as infecções por VSR, actualmente estas centram-se sobretudo nas chamadas medidas preventivas não farmacológicas (ver CAIXA), em tudo idênticas às defendidas para evitar o contágio por outros vírus respiratórios, pois o VSR também é transmitido através das secreções do nariz ou da boca, por contacto directo ou por gotículas expelidas, podendo permanecer em diversas superfícies (mesas ou brinquedos) durante algumas horas, o que torna o contágio entre crianças muito fácil.

Mas, graças à evolução da ciência, é possível que nos cheguem boas notícias em breve, nomeadamente em termos de soluções para prevenir a doença. Segundo Luís Varandas, “há um novo anticorpo monoclonal, já autorizado pela Agência Europeia de Medicamentos, de administração única, a recém-nascidos e lactentes, no início da estação do VSR, e prosseguem estudos com vacinas para grávidas, com o objectivo de transmitir anticorpos ao bebé através da placenta, à semelhança do que já acontece com as vacinas contra a tosse convulsa, gripe e a Covid-19”.

Como tal, “há algumas opções, que deverão estar brevemente disponíveis no mercado, e que poderão mudar o paradigma da infecção por VSR, pois os dados disponíveis dos vários ensaios clínicos são muito animadores”, considera o também professor auxiliar convidado da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa.

Como prevenir a infecção por VSR?

Lavagem/ desinfecção frequente das mãos.

Protecção do nariz e da boca com lenço descartável ou antebraço para espirrar ou tossir.

Limpeza frequente das superfícies de maior contacto, tais como maçanetas, corrimões, etc.

Uso de máscara por quem apresenta sintomas de infecção respiratória, ou (preferencialmente) evitar o contacto próximo com crianças e idosos.

Não frequentar espaços fechados.

A melhor forma de combater o vírus sincilial respiratório é conhecer os sintomas, os métodos de prevenção e o tratamento.

O conteúdo foi produzido pelo Estúdio P, com base em estudos científicos e nas citações dos médicos contactados.
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