Um impulso para a mudança

A REDE EUNICE AGEAS

Alguma vez fez o exercício de se imaginar num espaço cheio de gente onde sente que não consegue pertencer?

Que por mais histórias e pessoas que veja na televisão, nenhuma delas se parece com a sua?

Há quem diga que a arte pode ser este elo de ligação. Há quem diga que a cultura pode ser o espaço comum onde diferentes pessoas encontram o ponto de encontro entre si. Mas para lá chegar, até a arte tem um longo caminho a percorrer.

A rede que
todos suporta

Democratizar o acesso à cultura é fundamental para um futuro cultural que se quer mais justo, diversificado e igualitário. Criada em 2016, a Rede Eunice Ageas, uma iniciativa do Teatro Nacional D. Maria II (TNDMII)  e do Grupo Ageas Portugal, tem feito um trabalho de promoção de espectáculos produzidos e coproduzidos pelo Teatro.

Tem como missão a criação de uma maior oferta teatral em várias geografias e em locais onde, muitas vezes, essa mesma oferta é irregular, ocasional ou inexistente. Com a premissa de “um teatro nacional está para além dos limites do seu edifício”, o trabalho tem sido desenvolvido no sentido de levar a arte até todos, não fazendo do lugar onde se encontram um entrave.

Com nove anos de história, já fizeram parte da Rede Eunice Ageas 21 teatros municipais que acolheram um total de 24 espectáculos. A estes números juntam-se ainda milhares de espectadores, oriundos de diversas zonas do país.

Este ano, os espectáculos “Luta Armada”, “As Castro”, "Zoo Story", "descobri-quê?" e "A Farsa de Inês Pereira" foram os espectáculos em circulação. Já em 2025, a Rede Eunice Ageas dará continuidade à sua missão de incentivar a oferta teatral em todo o país, com as apresentações do espectáculo “Quis Saber Quem Sou - um concerto teatral”, em Águeda, na Covilhã, em Faro, Guimarães, Penafiel, Vila Real e Viseu.

“Quis Saber Quem Sou - um concerto teatral” é, como o nome indica, um meio caminho entre o concerto e a peça de teatro. Criação de Pedro Penim, tem como objectivo revisitar as canções que fizeram parte da Revolução, as “palavras de ordem, as cantigas, mas também as histórias pessoais das gerações que fizeram o 25 de Abril”. Como? Trazendo para palco jovens actores/cantores que, com uma sensação de futuro no corpo, dão voz ao passado, à memória e à liberdade.

PEDRO PENIM

Pedro Penim é o Director Artístico do Teatro Nacional D. Maria II e é, também, o criador responsável pelo espectáculo “Quis Saber Quem Sou”. Com o desejo de reavivar as canções pertencentes ao cancioneiro da Revolução, deu corpo a um espectáculo que, pelas temáticas que aborda e pela diversidade do seu elenco, se tornou, também ele, revolucionário.

“Essa abertura que está presente desde os primeiros gestos criativos do espectáculo vai, nesse sentido, criar um objecto que, sendo produzido por um Teatro Nacional - porque isso também tem bastante importância - está a dar essa mensagem de acessibilidade, uma mensagem de abrangência, uma mensagem de inclusividade e que é muito clara no espectáculo”, explica.

A voz, se ela for apresentada em conjunto, pode ter essa potência e essa força de poder mudar consciências.
Pedro Penim

Para o encenador, este objecto artístico acaba também por ser “um gesto político e, por isso, pode ser adjectivado de revolucionário. Quer fazer com que essa diversidade, ao ser apresentada por um Teatro Nacional, possa ser, não necessariamente normativa, mas normalizada, no sentido de ver aquelas pessoas em palco e dar-lhes a oportunidade de estar em palco a fazer espectáculos. De pensar que quem está a ver pode seguir aqueles exemplos, pode olhar para eles como exemplos. É quase uma espécie de aposta no futuro, de pensar que o futuro pode ser mais justo, também no sentido de quem é que está em cima do palco a trabalhar”.

VASCO SEROMENHO

Foi em 2023 que começaram as audições para o espectáculo. Procuravam-se “cantores com jeito para a representação e actores com jeito para cantar” e Vasco Seromenho decidiu tentar a sua sorte, inscrevendo-se. Hoje, não só faz parte de um “coro de inspiração Grega”, composto por 13 actores, como é um actor surdo em cima de um palco, num espectáculo que se assume revolucionário, tanto pela temática como pelas barreiras que se propõe a quebrar.

“Decidi concorrer ao casting e resultou nisto. Acabei por ser seleccionado e fiquei muito, muito contente por perceber que isto era uma possibilidade para mim. Além do quão importante é este espectáculo, o que representa para mim e para toda a sociedade, foi um trabalho maravilhoso até agora”, palavras de Vasco. Ser actor é um sonho que o acompanha desde pequeno, altura em que “ficava embevecido a olhar para a televisão, a ver os filmes e a sentir como é que seria se fosse eu ali naquele sítio. E é uma paixão que nunca saiu de mim. Quero ser até morrer, para sempre mesmo”. Sonho esse que agora vê realizar-se todos os dias. Para o jovem actor, este espectáculo assume-se como um marco no seu percurso, mas não só. É mais um passo dado num Teatro que se quer possível para todos.

“Para mim é muito impactante. Normalmente, o teatro, e o palco, é um espaço para pessoas ouvintes, para pessoas que oralizam. De repente, estar sozinho em palco, uma pessoa que comunica pela Língua Gestual Portuguesa, dez minutos de silêncio só com a Língua Gestual Portuguesa…para mim é uma coisa muito emocionante e tem sido esse o feedback das pessoas. Mesmo para as pessoas surdas, é possível identificarem-se com alguém que está em cima do palco e lutarem por isso. Eu sinto que é muito importante defender o teatro neste sentido. É muito importante trabalhar para esta questão da acessibilidade e da inclusão, para que também as pessoas surdas percebam que o teatro é um espaço onde elas podem estar, também para assistir. Existem muitas formas de trabalhar esta acessibilidade, seja através de legendas, seja através do intérprete”.

JÉSSICA FERREIRA

Jéssica Ferreira é intérprete de Língua Gestual Portuguesa e, pela primeira vez, deixou o “cantinho” onde costuma trabalhar, para passar a estar no centro do palco, ao lado de Vasco Seromenho e dos restantes actores.

A sua presença no espectáculo nasce aquando da presença do actor no elenco e a intérprete partilha o desafio que tem sido o processo até aqui. “Não sendo actriz, tenho por defeito focar-me sempre na minha profissão e na interpretação. Desde o início que estava muito focada na interpretação que tínhamos que fazer do texto, como é que tínhamos que adaptar isso, não só à Língua Gestual Portuguesa, mas à cultura surda. Porque o espectáculo, apesar de traduzido, não é traduzido letra a letra, é adaptado à cultura e à língua. E isso foi um trabalho que, para mim, foi o maior desafio e o mais interessante neste contexto, enquanto intérprete. Depois, o desafio foi perceber que, em cima do palco, eu também podia tornar aquele texto meu”.

Para Jéssica, este é mais do que um simples trabalho e o respeito e rigor que emprega à profissão reflectem-se nas palavras que partilha.

Estas iniciativas, infelizmente, ainda são raras e aquilo que o D.Maria II está aqui a fazer é mesmo único e muito importante. Já começam a existir projectos nesta linha de ter intérpretes integrados e outros projectos em que têm também actores surdos, mas é uma coisa muito rara. É muito emocionante acabar o espectáculo e a seguir ver um grupo de 10, 15, 20 ou duas pessoas surdas a dizerem-nos que choraram ao ver o Vasco em palco e que compreenderam toda a história. É muito difícil quando se quer erguer a bandeira da acessibilidade, mas quer fazer-se da forma mais rápida e fácil possível, sem se debruçarem muito sobre o assunto ou investirem tempo nisso. Este projecto demonstra que é possível e vem provar exactamente o contrário.

Para a intérprete, é necessário que esta consciência se mantenha activa. É necessário “mostrar que é possível, levar isto a mais sítios e a mais cidades, a mais pessoas” e apelar a que outras instituições sigam o exemplo.

Levar a cultura a
outros “centros” do país

Falar em acessibilidade é juntar à equação o trabalho que tem sido desenvolvido pelo Teatro Nacional D. Maria II, em parceira com o Grupo Ageas Portugal, no sentido de levar a cultura a vários pontos do país. Em digressão durante 2024, também o espectáculo “Quis Saber Quem Sou” fará parte da Rede Eunice Ageas no próximo ano. Para Pedro Penim, esta será uma conjugação muito feliz. “Acho que a Rede Eunice Ageas é o veículo ideal para fazer circular este espectáculo, porque pressupõe não só essa proximidade, mas depois também uma questão que está mais relacionada com o alcance social que o próprio espectáculo pode ter e o seu poder transformativo. Porque estamos a falar de uma Rede que também tem essa ambição de poder transformar aquilo que são inacessibilidades, por exemplo, geográficas do nosso país - que tem uma divisão muito clara entre litoral e interior. É preciso pensar que essas assimetrias têm que ser resolvidas”, remata.

No âmbito desta Rede, o espectáculo “Zoo Story” rumou, em 2023 e 2024, até Lamego onde, no Teatro Ribeiro Conceição, se assinalou a primeira vez em que o município recebeu um espectáculo inteiramente em Língua Gestual Portuguesa. Filipe Marado, Director Artístico, não hesita em afirmar o quão transformadora foi a experiência.

Houve uma dimensão estética muito bonita da palavra gestuada e de como ela pode ser valorizada para o conteúdo artístico. Acho que também houve uma consciencialização diferente da dimensão da escala da tradução entre a língua falada e a língua gestuada, porque o espectáculo Zoo Story era interpretado por dois actores surdos e também estava a ser traduzido.

O responsável ressalva ainda o impacto que este acontecimento exerceu no próprio público. Com uma afluência surpreendentemente elevada, face à afluência habitual, este espectáculo trouxe consigo um reflectir, por parte do município, “sobre este investimento e esta aposta. Pelo que tenho observado no interior do país, não era muito regular a programação de espectáculos com a acessibilidade a 360. Isso claro que dificulta a acessibilidade e a democratização da cultura a várias pessoas. E estas iniciativas têm vindo a alertar, não só a comunidade geral, mas em específico os programadores e as direcções executivas, para o reforço orçamental necessário para estas actividades serem acessíveis. A maior parte dos programas e dos teatros do interior do país não dispõem assim de grandes orçamentos”.

Depois de uma experiência de sucesso, fica no ar a pergunta: e agora?

O que poderá ser feito para que momentos como este se possam repetir? Filipe Marado não hesita em responder que na equação do sucesso faz falta o ingrediente mais importante: tempo. “Acho que os passos certos estão a ser dados. Não se faz tudo num ano, nem num dia, mas a consciência está a crescer. Por parte dos programas, tenho visto, no interior do país, cada vez mais espectáculos preocupados com a acessibilidade, mas falta criar mais redes a nível dos territórios, falta mais tempo, faltam mais pessoas com vontade e sensíveis ao tema”, esclarece.

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A importância que a Rede Eunice Ageas assume é,
sobretudo, uma importância de democracia.
Teresa Thobe

Parcerias felizes

A cultura vive de parcerias. Entre artistas e espectadores, entre equipas e entre instituições que, juntas, se propõem a fazer mais e melhor por uma área que se quer mais justa, acessível e inclusiva. A parceria do Grupo Ageas Portugal com o Teatro Nacional D. Maria II é um exemplo disso mesmo.

“Feliz” é a palavra que caracteriza o trabalho que tem vindo a ser feito até aqui e de entre as iniciativas propostas por esta parceria, todas elas rumam para um mesmo sentido: o de democratizar.

“De cada vez que nos encontramos é por um bom motivo. É porque estamos a fazer um projecto de acessibilidade, é porque estamos na Rede Eunice Ageas, é porque estamos com o Prémio Revelação Ageas Teatro Nacional D. Maria II, a premiar um jovem criador ou criadora do nosso panorama teatral. Tem sido uma parceria que, desde 2019, tem acrescentado valor ao papel que o D. Maria II tem estatuariamente e como missão, de ser um agente de democracia cultural. Esta parceria com o Grupo Ageas Portugal, renovada a cada projecto que fazemos, tem tido essa felicidade de acrescentar ao Teatro Nacional D. Maria II a possibilidade de ir mais longe nessa promoção da democracia cultural que tanto precisamos de defender e de desenvolver em Portugal”, palavras de Rui Catarino, Presidente do Conselho de Administração do Teatro Nacional D. Maria II.

Este sentimento é partilhado por Teresa Thobe, Responsável de Marca, Patrocínios e Parcerias do Grupo Ageas Portugal: “Nós, nas parcerias que escolhemos, estamos pela relevância do propósito. E o propósito do TNDMII, enquanto missão de serviço público de teatro e de cultura, é de facto uma missão com a qual nós nos identificamos e achamos profundamente relevante para o futuro de um país, quer a nível social, quer a nível económico. A fruição cultural é um direito de todos. A mentalidade cultural que temos de trabalhar é uma obrigação nossa. E enquanto organização privada que somos, ajudar organismos públicos a levar essa missão mais longe e a mais pessoas é algo que nos orgulha muitíssimo”.

O que nós gostamos de fazer, e a Rede Eunice Ageas tem-nos permitido fazer isso, é procurar outros centros do país que têm actividade cultural interessante que pode ser reforçada ou então que têm um deficit dessa actividade cultural que entendemos poder complementar.
Rui Catarino - Presidente do Conselho de Administração do Teatro Nacional D. Maria II

Paragens obrigatórias

Ainda que o trabalho desenvolvido seja muito, fica a certeza de que ainda há tanto por fazer. Tanto para Teresa Thöbe, como para Rui Catarino, o futuro é pautado pela convicção de que o percurso da mudança está agora a começar e de que há várias etapas que não poderão ficar para trás. 

“Falta muita coisa. Nós vivemos, ainda, numa sociedade que é activa, ou passivamente, capacitista, que exclui estruturalmente as pessoas com necessidades específicas. Temos leis de acessibilidade que em muitos casos não são cumpridas e temos, felizmente, instituições da sociedade civil, instituições públicas, terceiro sector, que vão dando exemplos para que todos possamos seguir. O Grupo Ageas Portugal, com o investimento que tem feito, não só com o D. Maria II nesta área da acessibilidade, mas em muitas outras iniciativas que desenvolve, até de uma forma interna corporativa, é um desses exemplos”, partilha Rui Catarino, reforçando a ideia de que “nós precisamos que as pessoas vejam, que percebam que é absolutamente natural que alguém que tem uma diferença seja tão visível como as pessoas ditas normativas. E portanto, a capacidade que nós temos de perspectivar um futuro no qual a inclusão seja verdadeira e natural passa muito por estes exemplos”.

Já para Teresa Thöbe, existem “várias paragens obrigatórias. Em primeiro lugar, do ponto de vista legislativo, está tudo identificado, quer a nível de acessos, quer a nível de remodelação de espaços, quer a nível de espaços adaptados. É necessário financiamento, é necessária consciência social para que esse financiamento seja viabilizado. Hoje em dia é uma obrigatoriedade legal. Há medidas muito concretas que estão identificadas e é uma questão de as implementar."

"Aos actores, é preciso dar-lhes condições para que também eles possam trabalhar a sua cultura, dar a sua visão, explorarem todo o seu talento”.
Teresa Thobe - Responsável Marca, Patrocínios e Parcerias Grupo Ageas Portugal

As necessidades estão identificadas, os objectivos traçados e as vontades falam mais alto do que nunca. Acessibilidade, inclusão e diversidade são as palavras de ordem numa parceria que tem sido pautada pelo sucesso. Ainda assim, o desejo de uma cultura mais democratizada, de um teatro de e para todos, continua a ser a missão que se quer possível. Tudo isto para que, quando entrar num espaço cheio de gente, todos o consigam ver.

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Para que a Cultura seja, de facto, o espaço comum.

CONTEÚDO COMERCIAL