“Talvez, nos próximos anos, a nossa praia já não esteja lá”
Cientistas defendem a adopção rápida de planos de adaptação à subida do mar e de sistemas de aviso precoce de inundações costeiras. O programa europeu Copérnico já está a testar um projecto-piloto.
Quando pensamos em cidades costeiras, desejamos um litoral estanque, uma linha firme, inalterada no tempo. A praia da infância com o mesmo areal, os bares de apoio no sítio do costume e todas construções seguras, anos a fio, apesar de debruçadas sobre o mar. É um sonho inalcançável, sobretudo agora, em tempos de alterações climáticas: o degelo dos glaciares e a expansão térmica do oceano já estão a contribuir para a subida do nível médio do mar. E, por inércia do sistema, assim continuarão. Daí precisarmos com urgência, garantem os cientistas, de planos de adaptação e sistemas de monitorização e aviso precoce.
Ao longo dos últimos dois anos, a investigadora italiana Clara Armaroli liderou um projecto europeu precisamente para criar um mecanismo de aviso precoce capaz de aumentar a resiliência costeira. Chama-se Sistema Europeu de Sensibilização para as Inundações do Copérnico (ECFAS, na sigla em inglês) e envolveu vários países, incluindo Portugal e Espanha. A iniciativa recorre a ferramentas e dados fornecidos pelos satélites europeus do Copérnico, o programa europeu de observação terrestre.
“Desenvolvemos um instrumento que pode ser um candidato a um sistema de aviso precoce costeiro europeu. Está concluído, mas agora precisa de passar por várias etapas antes de uma possível e futura implantação. Criámos várias ferramentas algorítmicas e produtos que vão ser entregues em breve, após esta fase final de revisão do projecto”, explica ao PÚBLICO Clara Armaroli, professora do Departamento de Geologia da Universidade de Bolonha, em Itália, especializada em Geomorfologia e Dinâmica da Costa. Quando começou a liderar o projecto europeu, a investigadora ainda trabalhava na Escola Universitária de Estudos Avançados de Pavia, Itália, que é a instituição responsável pela coordenação do ECFAS.
Os satélites do programa Copérnico já fornecem hoje dados sobre a iminência de eventos climáticos extremos, tais como episódios de seca hidrológica, incêndios florestais e até inundações fluviais. Contudo, o sistema europeu ainda não contempla a previsão de inundações costeiras. E é neste ponto que o trabalho coordenado por Clara Armaroli pode fazer a diferença.
“O sistema já está a funcionar, mas ainda não está aberto ao público. Acreditamos que este é um passo muito importante, é o primeiro sistema do género ao nível europeu. Existem sistemas de aviso precoce, mas tendem a focar-se apenas na parte marinha, ao passo em que o ECFAS vai um pouco mais longe: olhamos para a dimensão e o impacto da tempestade, a área propensa a ser inundada se ocorrer uma tempestade marinha e, por fim, o efeito da erosão”, explica Clara Armaroli numa videochamada.
O objectivo é que as pessoas que residam, ou trabalhem, numa determinada zona em risco possam ser avisadas da probabilidade de cheias com cinco dias de antecedência. O aviso permite uma evacuação planeada das áreas inundáveis, sem sobressaltos. Uma vez que os eventos climáticos extremos tendem a ficar mais intensos e frequentes, os sistemas de aviso precoce passam a ser um instrumento crucial para enfrentar os desafios da mudança do clima.
Calcula-se que cerca de 100 mil pessoas na União Europeia estejam anualmente expostas a inundações costeiras. Estes fenómenos podem significar, em média, custos anuais de 1,4 mil milhões de euros. Se nada fizermos no que toca a medidas de adaptação, os impactos até 2100 podem afectar mais de 1,6 milhões de pessoas e causar prejuízos superiores a 210 mil milhões de euros, indicam dados europeus.
“Os sistemas de aviso precoce têm estado no centro de acontecimentos importantes como a Cimeira do Clima [que decorreu no Egipto em 2022]. Quando estes instrumentos estão a funcionar, é possível prepararmo-nos para manter a população segura. As pessoas sabem que um desastre está prestes a ocorrer, podem mudar-se para outro sítio e [as autoridades] podem tomar medidas de protecção. Se trabalharmos na preparação, as pessoas saberão comportar-se perante de um desastre”, explica a investigadora italiana.
A ideia deste futuro sistema não é que este se sobreponha aos instrumentos de protecção civil locais, mas que forneça previsões para apoiar os sistemas regionais e nacionais que já existem nos países na União Europeia, a exemplo do que acontece com as demais previsões do serviço de gestão de emergências do programa Copérnico.
Estuários, o calcanhar de Aquiles
Da foz do rio Minho à do Guadiana, Portugal conta com cerca de 950 quilómetros de costa. Com a subida do nível do mar, o litoral enfrenta riscos acrescidos no que toca à erosão costeira, à perda de território e aumento das inundações. O investigador João Miguel Dias, professor catedrático da Universidade de Aveiro, acredita que o calcanhar de Aquiles português não será tanto as praias, mas as zonas estuarinas.
O cientista do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) recorda que, no cenário mais pessimista para 2100, a subida do nível médio do mar prevista pelo sexto ciclo de avaliação do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) para a costa portuguesa é de 79 centímetros – o que equivaleria à altura de um bebé de 18 meses. E, no melhor dos cenários, 43 centímetros (ambas as estimativas têm como cenário-base 1995-2014).
“Isto não vai trazer uma grande perda de território em termos de praias, porque estas já estão a sofrer uma erosão a uma taxa muito superior. Não é uma situação de drama e horror. É preocupante, sim, mas que já existe sem as alterações climáticas”, defende João Miguel Dias, especialista em Inundações Costeiras e Hidrodinâmica Estuarina.
Em Portugal, refere o cientista do CESAM, temos como zonas com maior risco o estuário da ria de Aveiro, da ria Formosa, do Mondego, do Tejo e do Sado. “Estes cinco estuários/lagunas estarão mais em risco porque estão rodeados por zonas topográficas com um relevo muito baixo, ou seja, zonas marginais planas. Aqueles tais 79 centímetros podem ser suficientes para alagar parte destas zonas”, afirma João Miguel Dias, referindo-se ao pior cenário do IPCC.
Um estudo do CESAM, publicado em 2022 na revista científica Scientific Reports (do grupo Nature), mostra que “inundações com período de retorno de 100 anos podem impactar directamente quase 23.000 e 35.000 moradores no horizonte de médio e longo prazos, respectivamente”, nos cinco estuários de maior risco. Dessa população, a maior parte (77%) mora nas regiões próximas à ria de Aveiro e Tejo (51% e 26%, respectivamente), ao passo que os restantes 23% vivem nas margens do Sado, da ria Formosa e do Mondego.
Nos cenários desenhados no estudo, grande parte do território inundável está hoje vocacionado para a agricultura. “Nos sistemas estuarinos das rias de Aveiro, do Tejo, Sado e Mondego, as cheias afectam maioritariamente as áreas agrícolas (63%, 65%, 73% e 85% da área total, respectivamente), ao passo que, na ria Formosa, a categoria áreas florestais e seminaturais é a mais afectada (68%)”, refere o estudo do qual João Miguel Dias é co-autor, sendo a cientista Carina Lopes a primeira autora.
A subida do nível médio do mar não é o único factor a ter em conta em possíveis cenários de inundação.
João Miguel Dias recorda que os sistemas estuarinos estão condicionados pela maré, por exemplo, e também pela descarga fluvial – que, como depende das operações nas barragens, traz uma componente de incerteza.
E é essa incógnita, garante o docente, que dificulta que se faça uma monitorização em tempo real da água.
“Temos de estar cientes disso: a maior parte dos estuários portugueses não tem qualquer sistema de monitorização, não tem estações permanentes de medição do nível da água, muitos não têm estações permanentes de medição em tempo real da descarga fluvial (que é um factor muito importante). Estes dados não estão disponíveis. Obviamente que, depois, se torna muito difícil ter qualquer modelo em cima do estuário, considerando que não há informação sobre um factor importante, que é a descarga”, afirma o professor catedrático da Universidade de Aveiro.
Carina Lopes sublinha ainda a importância de haver um sistema capaz de avisar a população. “O território artificializado [com construções urbanas] ameaçado não é muito extenso, mas acaba por ter mais valor, porque tem valor social. Nos estuários, não é [expectável] uma perda permanente [de território], mas poderá colocar pessoas em risco”, afirma a cientista, numa videochamada com o PÚBLICO.
A intrusão salina
Além da importância da instalação de estações de monitorização de sistemas – uma “cruzada” que João Miguel Dias diz travar “há quase 20 anos” –, a equipa da Universidade de Aveiro mostra-se preocupada com um aspecto “negligenciado” quando o assunto é a subida do nível médio do mar: a intrusão salina.
Os estuários são o lugar onde os rios se encontram com o mar ou, por outras palavras, zonas de mistura de água doce e água salgada. Se no futuro vai subir o nível médio do mar – e as previsões científicas são categóricas sobre isso –, tudo indica que passe a entrar mais água salgada nos estuários, que tende a avançar mais em direcção ao interior. Havendo alagamento de zonas marginais, os solos afectados tendem a ficar salinizados e inférteis.
A intrusão salina também tem impacto na biodiversidade. Se vamos ter no futuro uma alteração no gradiente de salinidade, as zonas estuarinas que tipicamente são banhadas por água salobra passarão a receber água mais salgada. Ou seja, as zonas de água doce e salobra passarão a ser muito exíguas nesses estuários, o que constitui uma péssima notícia para as espécies estuarinas. Os animais com menor tolerância à salinidade “estarão claramente em risco e ficarão confinados a zonas muito restritas”, sublinha João Miguel Dias.
Ao contrário das populações e das actividades económicas, que podem beneficiar de sistemas de aviso precoces e medidas de protecção, as diferentes espécies que habitam os estuários não têm para onde fugir. Acabam por ser, de algum modo, o elo mais fraco da subida do nível médio do mar.
“No caso da intrusão salina, não vejo nada que impeça que ela aumente no futuro. Podemos proteger campos agrícolas, mas em termos de ecologia de estuários não vejo forma de haver protecção [contra a subida do nível médio do mar]”, lamenta o professor da Universidade de Aveiro.
Mas a erosão não é natural?
A subida do nível do mar está longe de ser a causa principal da erosão costeira, embora a aceleração deste fenómeno seja mais uma das consequências da mudança do clima. “O problema principal da erosão costeira em Portugal não são as alterações climáticas. As alterações climáticas poderão acelerar ligeiramente – e aqui estou a falar de 5 a 10% – a erosão costeira. Mas apenas ligeiramente. A perda de território acontece na nossa costa Oeste devido ao défice sedimentar provocado pelas barragens e pela artificialização de todo o rio”, explica João Miguel Dias.
A erosão é um fenómeno natural – o mar avança e recua e causa um desgaste natural. Até aí, não há grande novidade. O oceano sempre foi este “ser antigo e violento” que “rói os pilares da terra”, como escreveu, nos anos 60, o escritor argentino Jorge Luís Borges.
Contudo, com a ocupação humana maciça – da habitação à agricultura, passando por infra-estruturas turísticas, industriais e portuárias –, surgiram desequilíbrios que agravaram a erosão da costa. Quando construímos uma barragem, quando varremos o fundo de um rio à procura de areia, quando desviamos cursos de água, quando erguemos um equipamento portuário, estamos a alterar a movimentação de sedimentos em direcção à costa.
As barragens, como o próprio nome sugere, constituem grandes obstáculos não só à vida aquática, mas também ao transporte de inertes. Areias que são filtradas pelas barragens são, na prática, materiais que deixaram de ser depositados no litoral. Se tivermos em mente que Portugal possui cerca de 260 barragens ao longo dos cursos fluviais, não é muito difícil imaginar a montanha de areia que deixa de chegar ao litoral.
O problema da erosão costeira não se resume às barragens, claro está. É um fenómeno complexo e que envolve vários factores. Há também, por exemplo, dragagem de areias em estuários e zonas junto à foz de rios próximos de portos com grande actividade. O objectivo é garantir navegabilidade e segurança das operações portuárias. Os inertes “roubados” à foz dos rios seguem, na maioria das vezes, para o sector da construção, contribuindo ainda mais para o “empobrecimento” da costa.
Alimentar as praias
Quando a erosão chega a um ponto preocupante, é possível avançar com a reposição artificial de inertes. Foi precisamente o que aconteceu, em 2008, na Costa da Caparica, onde foi despejado um milhão de metros cúbicos de areias dragadas na Foz do Tejo. Ou na Figueira da Foz, mais recentemente. Estas soluções não são definitivas. Com o tempo, o areal vai voltar a emagrecer e é necessário realimentar as praias.
Entre 1950 e 2017, houve 134 intervenções de alimentação de praias, a maioria com o objectivo de “melhorar a estabilidade do litoral, como medida de mitigação da erosão costeira, e para aumentar a largura da praia para uso recreativo”, refere um estudo que tem como primeiro autor o geólogo costeiro Celso Aleixo Pinto.
O problema desta medida de mitigação é que, de algum modo, despejar areia numa praia hoje equivale a uma tarefa de Sísifo: é um esforço contínuo. As alterações climáticas só vêm acrescentar mais uma camada de complexidade ao problema: com a subida do nível médio do mar, que deve acelerar nas próximas décadas, o areal tende a desaparecer mais rapidamente. Podemos ganhar tempo, mas é irrealista querer fixar o areal.
“Precisamos de pensar na areia como um recurso não-renovável. Encontrar areia para nutrir as praias não é uma tarefa fácil, o reservatório não é finito e podemos ter muita dificuldade em encontrar a areia certa a um preço que possamos pagar. Não se pode usar qualquer tipo de areia para todas as costas – umas são compatíveis e outras não. Os governos devem considerar investir cada vez mais na alimentação das praias, pois as tempestades intensas estão a tornar-se mais frequentes devido às alterações climáticas. Não é apenas uma questão de magnitude, é de frequência também”, avisa Clara Armaroli.
Carlos Antunes, investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), concorda que esta medida tenderá a ficar cada vez mais cara e escassa. E sublinha que, em Portugal, continua a ser uma das mais apreciadas entre os decisores políticos porque não exige decisões impopulares como a relocalização de edifícios.
“Resolver o problema da praia é fácil. Actualmente, estamos a usar areia que é extraída da dragagem do rio Tejo, mas vai começar a haver cada vez menos disponibilidade. Quando não for suficiente, vamos ter de ir offshore buscar areia ao fundo do mar, o que vai ser ainda mais custoso. Mas ainda temos alguma solução para a zona costeira, a parte difícil será a das zonas de águas interiores”, acredita o professor do Departamento de Engenharia Geográfica, Geofísica e Energia da FCUL, que liderou o projecto SNM Portugal.
O docente destaca o problema de lidar com áreas inundáveis onde há uma malha urbana densa, incluindo casas de primeira habitação e prédios de propriedade horizontal, o que pode envolver múltiplos proprietários, contratos de longa duração e empréstimos a algumas décadas. “Demolir um edifício e deslocar aquelas pessoas dali é extremamente complicado, até do ponto de vista jurídico. Deslocar alguns pescadores, como se fez em Esmoriz, é fácil, são habitações unifamiliares de baixo custo”, afirma Carlos Antunes.
O cientista da FCUL defende que, “face a ameaças incertas, a melhor estratégia é a acção imediata.” São “urgentes”, portanto, planos de adaptação para as zonas baixas e rasas que estão muito expostas. Por exposição, os cientistas querem dizer locais que estejam simultaneamente vulneráveis e densamente ocupados (seja por pessoas, seja por património edificado).
Ciclos políticos curtos não travam as águas
Carlos Antunes dá como exemplo o centro histórico de Olhão, no Algarve, uma zona que necessita “urgentemente” de medidas de mitigação que, segundo o cientista, “não têm sido equacionadas nos últimos anos, visto que estas zonas sofreram grandes obras de requalificação sem considerarem esta perigosidade”. Os ciclos políticos de quatro anos, contudo, condicionam a tomada de decisões impopulares ou onerosas.
“A subida das águas não vai parar em 2100, nem nos próximos séculos. Precisamos muito de planos de adaptação a longo prazo, mas temos o problema de ciclos políticos curtos. Nenhum político quer colocar restrições de novas construções no Plano Director Municipal tendo em mente um evento que só vai acontecer daqui a 50, 100 anos”, afirma ao PÚBLICO numa videochamada.
Depois de produzir uma cartografia de vulnerabilidade costeira, que permite visualizar os pontos frágeis da costa, a equipa de Carlos Antunes quer agora compreender melhor como as populações podem ser afectadas pela subida do nível do mar. No mapa interactivo do projecto SNM Portugal, concluído há seis anos, estimava-se que cerca de 225.000 pessoas viveriam em áreas costeiras vulneráveis à subida do nível médio do mar, em Portugal continental, num cenário probabilístico para 2100. Mas este valor pode ser bem maior, uma vez que os cálculos se basearam em dados oriundos dos censos de 2011.
“Estamos a pegar em todos os dados do INE [Instituto Nacional de Estatística] e a fazer projecções demográficas para o futuro, já com base nos censos de 2021. Nós sabemos que as populações estão a migrar do interior para o litoral. E, portanto, nós vamos ter muito mais edifícios, existindo uma pressão muito maior nestas zonas que já estão sobrecarregadas de malha urbana, e que nós já identificámos como susceptíveis de inundação”, explica Carlos Antunes, especialista em avaliação da vulnerabilidade e do risco costeiro.
Se olharmos para o mapa de Portugal, à luz dos cálculos da equipa de Carlos Antunes, conseguimos identificar rapidamente onde estão as áreas mais vulneráveis: os distritos de Lisboa, Aveiro e Faro lideram a lista de risco de inundação. O cientista argumenta que estes dados científicos já deviam estar a apoiar tomadas de decisão nas autarquias, a exemplo do trabalho que já está a ser feito em Lisboa, Loulé e, agora, Almada.
“Lisboa já proibiu a construção de edifícios junto à zona ribeirinha que tenham a cota soleira abaixo dos 3,80 metros. O próprio terreno do Hospital da CUF já foi elevado, mas há outros edifícios. Mas, se mudar a cor da câmara, já não sei o que os outros vão fazer no futuro. Precisamos de um pacto político nacional, com todas as forças políticas e a sociedade, primeiro para nos comprometermos a não aumentar a ocupação das zonas já identificadas como vulneráveis e, depois, para ter planos para adaptar sobre o que lá está”, defende o cientista da Universidade de Lisboa.
Perante a informação facultada pelos cientistas, os decisores políticos têm de fazer contas e escolhas. Investe-se em custos de realojamento? Compensa-se o encerramento de uma actividade económica da qual dependem muitas famílias? Aposta-se na protecção através de obras de engenharia (o que acarreta perda de património natural)? “No fim de contas, é sempre uma decisão política”, conclui Carlos Antunes.
Entre as medidas de adaptação disponíveis estão as de recuo ou relocalização das infra-estruturas – a menos adoptada –, ou então medidas de protecção que podem ser tanto ligeiras como pesadas. A ligeira consiste na alimentação artificial da praia ou de cordões dunares, enquanto a outra forma de protecção passa pela construção de paredões, enrocamentos, esporões ou molhes portuários.
Soluções inspiradas na natureza
Existem ainda soluções baseadas na natureza, que são aquelas que permitem que a vegetação ou mecanismos naturais sejam, eles próprios, uma barreira ou estrutura de protecção. Através da restauração de sistemas naturais junto à costa, como lagoas ou outros ecossistemas que funcionem como um “escudo” entre a linha de mar e a zona construída, é possível lidar com a subida do nível médio do mar com maior flexibilidade.
“Estas estruturas baseadas na natureza são muito importantes no combate às alterações climáticas. Além de aumentar a resiliência das zonas costeiras, são um sumidouro de carbono, conseguem armazenar por metro quadrado mais do que as florestas tropicais. Ao contribuir para a protecção dos sapais, por exemplo, estamos a proteger as nossas áreas marginais e a reter carbono que, de outro modo, iria para a atmosfera. Na ria de Aveiro, isto é muito importante porque os sapais têm sido degradados. Estas plantas têm sido cada vez mais danificadas e têm desaparecido”, explica ao PÚBLICO a investigadora Carina Lopes.
Clara Armaroli também faz o elogio das soluções inspiradas na natureza. “Enquanto cientista costeira, a minha opinião é: o que é possível deslocar-se para outro sítio, deve ser deslocado, para que a natureza se desenvolva livremente e para evitar a construção de infra-estruturas ao longo da costa”, refere a investigadora italiana, avisando, contudo, que “a natureza precisa de tempo”.
Se queremos ter uma duna, temos de dar tempo à natureza para agir. Os sistemas naturais como medidas de protecção têm de ser planeados, e isso exige que diferentes gerações de decisores políticos abracem estas soluções. E que saibam esperar. “Esta é a única maneira de de agir perante a subida do nível do mar e as mudanças climáticas. Claro que a alimentação das praias é sempre uma opção melhor do que erguer um paredão, mas a areia não é eterna. E a boa areia não estará disponível para sempre”, recorda Clara Armaroli.
A areia não dura para sempre, do mesmo modo que nenhuma paisagem é perpétua. O mar não vai parar de subir; a praia a que nos habituamos vai mudar. Para Clara Armaroli, esta é uma aprendizagem que todos nós precisamos de reter.
“As pessoas vão à praia como se o areal nunca fosse mudar. Todos os anos, no Verão, esperam encontrar as mesmas pessoas, a mesma praia e as mesmas actividades de lazer. Essa perspectiva tem de mudar. Talvez, nos próximos anos, a nossa praia já não esteja lá. As pessoas precisam entender que o nosso relacionamento com a costa se está a transformar. Há décadas que o homem vem afectando as áreas costeiras de diferentes formas – e, aqui, falo do ponto de vista geomorfológico. Não vamos poder segurar a linha de costa para sempre”, remata a cientista.