Portugal

Balanço Social 2023

O retrato de um país em velocidades
diferentes para quem o habita.

Heterógeneo em vários campos essenciais.

Assim é o retrato traçado em Portugal, Balanço Social 2023, um relatório assinado pela Nova SBE Economics for Policy Knowledge Center e que caracteriza a nossa heterogeneidade quanto a elementos essenciais do bem-estar individual e do progresso social, e onde estão definidas variáveis como pobreza monetária, pobreza material, acesso à educação e habitação, a alimentação adequada, estado de saúde ou integração laboral.

Divulgado em Maio, este projeto, já na sua quarta edição, nasce da Iniciativa para a Equidade, uma parceria entre a Fundação “la Caixa”, a Nova SBE e o BPI, e acrescentou ao relatório deste ano a dimensão do bem-estar mental e físico, permitindo perceber de que modo a situação económica tem um impacto multifacetado na vida das pessoas, explicou durante a apresentação a economista Susana Peralta (que é autora do estudo a par de Bruno P. Carvalho e Miguel Fonseca).

De acordo com este balanço social, Portugal é o país onde os 25% mais ricos detêm 47% da riqueza do país. Onde a taxa de pobreza continua a ser mais elevada no Algarve, entre as regiões continentais, e nas ilhas. Onde as crianças de famílias mais vulneráveis chegam mais tarde ao sistema de ensino – com claras desvantagens para o seu futuro.

man sleeping on bench in the middle of the street
man in black jacket walking on street during daytime
people walking on paved road

EM RISCO DE POBREZA

O alerta sobre mulheres, crianças e famílias com menores

2 MILHÕES

Um quinto da população vive em risco de pobreza ou exclusão social.

60 mil

O número de pessoas que, em apenas um ano, passaram a contar para as estatísticas como estando em risco de pobreza em Portugal.

Risco exponencial e reflexão profunda

No relatório, os autores indicam que “embora a trajetória nos últimos anos, excluindo o período da pandemia, seja optimista, Portugal tem em 2022 uma taxa de risco de pobreza ou exclusão social de 20,1%”. Ou seja, um quinto da população – cerca de 2 milhões de pessoas – estão em risco de pobreza ou exclusão social. É um dado que merece uma “reflexão aprofundada” e a que se devem somar outras variáveis, que indicam concretamente que grupos são os mais vulneráveis. Uma atenção especial para mulheres, crianças e para as famílias com menores.   

Em apenas um ano, entre 2022 e 2023, eram mais 60 mil as pessoas em Portugal em risco de pobreza. A taxa de pobreza cresceu principalmente entre as mulheres (mais 0,9 pontos percentuais), passando para 17,7%. O aumento na prevalência da pobreza reflete-se em todos os grupos etários, com destaque para as crianças, cuja taxa de pobreza era 2,2 pontos percentuais face a 2022.

E se a pergunta colocada for: como evoluiu a taxa de pobreza para os diferentes tipos de agregados familiares?

Também aqui houve um aumento de 0,9 pontos percentuais na taxa de pobreza das famílias com crianças – eram 18,9%. Esta realidade seria agravada sem as transferências sociais. De acordo com o relatório, em 2022, as transferências sociais reduziram a taxa de risco de pobreza em 26,9 pontos percentuais (de 42,5% para 16,4%). Em 2023, o impacto foi de 24,8 pontos percentuais.

520 mil
Número de pessoas em risco de pobreza caso não tivessem ocorrido transferências sociais em 2022.

girl covering her face with both hands
woman between two childrens sitting on brown wooden bench during daytime
silhouette of 2 women and man standing during sunset

Crianças: a influência dos rendimentos na educação e na saúde

Os autores deste relatório sublinham que “as políticas públicas centradas nas crianças contribuem para quebrar ciclos de pobreza”, pelo que consideram como “especialmente relevante” discutir a pobreza e exclusão social nas crianças. São enumeradas diversas variáveis quanto às condições de vida dos mais novos, nomeadamente educação e saúde.

No acesso precoce à educação, nota-se uma clara disparidade em função do rendimento da família. Quase 80% das crianças pobres não têm acesso a creche e, entre os 4 e os 7 anos, são estas também as que menos frequentam o ensino pré-escolar.  

De 2021 para 2022, a taxa de privação no acesso à saúde das crianças agravou-se. Ainda assim, “é substancialmente inferior à dos adultos e dos mais velho”, descreve o documento. Cerca de 1,2% não realizaram consultas ou tratamentos médicos (não dentários) por restrição de recursos (sem disponibilidades financeiras, lista de espera, falta de tempo devido ao trabalho, distância ao local da consulta). Este valor sobe para 5,3% nas consultas ou tratamentos de medicina dentária.

“A escolaridade tem um papel importante na mitigação da transmissão intergeracional da pobreza”, assinalam os autores.

31,2%

As famílias monoparentais continuam a ser as mais pobres, com uma taxa de risco de pobreza de 31,2%.

18,9% - Taxa de pobreza das famílias com crianças

8 em cada 10 crianças pobres não têm acesso a creche*.

*(num mínimo de 30 horas semanais)

Mulheres e as disparidades de género

A taxa de pobreza aumentou principalmente entre as mulheres em 2023 (mais de 0,9 pontos percentuais).

Ao analisar-se o mercado de trabalho, registam-se diferenças substanciais em função do género: por cada euro ganho por um homem que trabalhe por conta de outrem, uma mulher com as mesmas qualificações aufere apenas 62 cêntimos (ensino básico) ou 83 cêntimos (ensino superior). Esta é uma realidade mesmo nas remunerações médias mensais das profissões altamente qualificadas (diferença de cerca de 209 euros a mais ganhos por eles) ou nos quadros superiores (mais de 641 euros).

16,8% - Taxa de risco de pobreza entre as mulheres
(15,9% era percentagem relativa aos homens)
woman in blue dress shirt and blue denim jeans standing beside brown wooden chair
man holding chin

Idosos: privação na saúde e na alimentação

Entre as situações de privação dos mais velhos, a saúde é a principal preocupação. Em 2022, em cada dez pessoas com 65 ou mais anos, sete sofriam de uma doença crónica ou problema de saúde prolongado.

Nesse ano, 22,8% disseram ter dificuldade no acesso a consultas de medicina dentária (mais 12 pontos percentuais do que em 2021). Quanto à habitação, quase um quarto dos idosos vive em casas com o telhado, paredes, janelas e chão permeáveis a água, e 1% vive em alojamentos sem instalações de banho/duche no interior.

Por último, em termos de privação alimentar, 6% dos idosos não tinham capacidade para comprar alimentos para fazer refeições completas e saudáveis.

2%

Entre os adultos e os mais velhos, esta foi a percentagem de pessoas que disse sentir fome e não ter comido por não ter dinheiro.

¼

Quase ¼ dos idosos vive em casas com o telhado, paredes, janelas e chão permeáveis a água. Ainda há 1% que não tem instalações de banho/duche no interior.

Jovens: os riscos dos contratos temporários

A taxa de risco de pobreza entre trabalhadores com contrato temporário é quase três vezes superior à de quem tem contratos permanentes.

Sendo que, em 2023, 52% dos trabalhadores entre os 18 e 24 anos tinham contratos temporários.

No 2º semestre de 2023, o número de inscritos no centro de emprego aumentou, sobretudo entre os jovens e as pessoas com educação secundária.

silhouette of people standing on mirror during golden hour

Empregados, mas com dificuldades

“A pobreza é mais comum entre as pessoas desempregadas”, afirma o relatório.


Através de um conjunto alargado de fontes, Portugal, Balanço Social consegue caracterizar a situação de quem vivia no país de 2021 a 2023. Entre estas fontes estão o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento de 2022 (ICOR 2022), recolhido pelo Instituto Nacional de Estatística em 2022, o Inquérito ao Emprego, o Eurobarómetro e os dados da Segurança Social e do Instituto de Emprego e Formação Profissional de 2023.

São elas que permitem também perceber como evoluiu a taxa de pobreza de acordo com a condição perante o trabalho. Para as pessoas empregadas esta estava nos 10% em 2023 (uma descida de 0,3 pontos percentuais face ao ano anterior). Entre os desempregados, registou-se uma subida, para 46,4%.

1 em cada 10

Número de pessoas empregadas que, em 2022, são pobres.

3x

   Taxa de risco de pobreza é 3x superior nos trabalhadores com contracto temporário.

32,2%

Percentagem de pessoas pobres que trabalham menos de metade do ano, em 2022.

INFLAÇÃO

Teve impacto nas condições de vida?

Perguntado de outro modo, as pessoas conseguiram fazer face às despesas essenciais? O relatório procura dar resposta através da análise de indicadores de privação e medidas subjectivas de bem-estar económico.

De acordo com o documento, “verifica-se um aumento na insatisfação económica e nas dificuldades para chegar ao fim do mês da população pobre e da população não pobre, bem como um aumento da prevalência de sobreendividamento entre os não pobres.”

Aumentou a percentagem da população pobre sem capacidade para aquecer a casa, para assegurar uma despesa inesperada, para pagar uma semana de férias, para comer proteínas em dias alternados, para substituir móveis usados, para comprar roupa, para encontros sociais uma vez por mês, ou para adquirir computador.

Não aumentou a percentagem de pessoas com atraso no pagamento da hipoteca ou de contas mensais como água ou eletricidade – reconhecendo os autores que tal facto “sugere que as medidas de mitigação implementadas pelo governo foram suficientes e que as pessoas cortaram noutras despesas, patentes no aumento das restantes dimensões de privação.”

Entre a população não pobre, há uma diminuição generalizada da privação, à exceção da capacidade para refeições proteicas em dias alternados (aumento em 0,6 pontos percentuais).

Habitação

Os custos e as condições da habitação são um problema, com “carências bastante marcadas” entre a população pobre. Entre 2021 e 2022, observou-se um aumento da proporção de pessoas que reportam que os custos com alojamento representam um encargo muito pesado para o seu orçamento.

Em 2022, entre os pobres, esta proporção era de 38,8%, e entre a população não pobre, era de 21%.
Um terço da população em risco de pobreza tinha de disponibilizar mais de 40% do rendimento do agregado para a habitação. São famílias que se encontram “numa situação de rigidez na gestão do seu orçamento, dada a folga reduzida, pelo que qualquer despesa inesperada pode causar situações de grande vulnerabilidade”, explica o relatório.

Taxa de sobrelotação de alojamento entre as crianças, em 2022. Nos adultos, valor era de 10% e nas pessoas mais velhas de 3%.

Taxa de sobrelotação de alojamento entre as crianças, em 2022. Nos adultos, valor era de 10% e nas pessoas mais velhas de 3%.

Um quinto dos agregados pobres viviam também em alojamentos sobrelotados. Acresciam ainda as más condições habitacionais: 37,5% diziam ter telhados, paredes, janelas ou chão permeáveis a água ou apodrecidos (20,7% da população não pobre manifestava o mesmo problema), e 35,8% não tinham condições para manter a casa aquecida (Vs 14%).

“A população pobre tem carências habitacionais bastante marcadas”

Total dos agregados familiares pobres que viviam em alojamentos sobrelotados (um aumento face a 2021). Este valor desce para 7,2% no caso das famílias não pobres.

Total dos agregados familiares pobres que viviam em alojamentos sobrelotados (um aumento face a 2021). Este valor desce para 7,2% no caso das famílias não pobres.

grayscale photo of bridge and buildings
city landscape photography during daytime

REGIÕES

Maior prevalência da pobreza nas ilhas

Existem “importantes disparidades regionais na incidência da pobreza, privação material e social e desigualdade na distribuição do rendimento”, lê-se no relatório. A prevalência da pobreza é maior nas Regiões Autónomas. A Madeira registou uma taxa de pobreza quase 10 pontos percentuais acima da média nacional. E os Açores foram a única região do país onde a taxa de privação material e social severa aumentou de 2021 para o ano seguinte, sendo também a região onde a desigualdade mais cresceu.

O Algarve continua a ser a região continental com a maior taxa de pobreza: 19,7%, 2,4 pontos percentuais abaixo do valor de 2022. Lisboa conheceu o maior aumento da taxa de pobreza, com uma subida de 4,3 pontos percentuais face a 2022[SC1] .

a blue flag with stars

PORTUGAL NA EUROPA

Abaixo da média

Em 2022, Portugal registava uma taxa de pobreza ou exclusão social de 20,1%, um valor abaixo da média dos países da União Europeia (21,6%).

Em Espanha, este indicador – que agrupa a população que se encontra em, pelo menos, uma destas condições: em risco de pobreza, em privação material e social severa, a viver num agregado com intensidade laboral muito baixa – estava nos 26%. A Roménia (34,4%) e a Chéquia (11,8%) eram os países que se encontravam nos extremos neste indicador.

O que diz a saúde sobre a situação económica e social?

Nesta 4ª edição, o relatório Portugal, Balanço Social 2023 inclui duas novas categorias:

- Saúde mental e bem-estar

- Percepções, expectativas e confiança nas Instituições.

E que país sentimos que somos?

A segunda dimensão nova introduzida na edição de 2023 do Portugal, Balanço Social diz respeito às percepções, expectativas e confiança nas Instituições.

Quando se perguntam quais as suas prioridades, a resposta difere entre quem nunca tem dificuldades em pagar as contas (apontam-se a dívida pública, a situação internacional, a habitação, a educação e a inflação) e quem tem (citam-se os impostos, a situação económica e a saúde).

“A maior discrepância revela-se na educação”, lê-se no documento: esta é uma preocupação três vezes maior para as pessoas que não têm dificuldades financeiras.

De um modo global, crime, situação internacional, ambiente, imigração e dívida pública são preocupações menos relevantes.

Apenas um em cada 20 residentes no país apontou estas situações.

EDUCAÇÃO

É uma prioridade três vezes maior para as pessoas que não têm dificuldades em pagar as contas.

SAÚDE

Esta é uma preocupação relevante manifestada por quem tem dificuldade em pagar as contas (40,9%) e por quem não tem (30,5%)

HABITAÇÃO

Um problema relevante para 10,9% das pessoas com dificuldades financeiras.

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Democracia e insatisfação

A desconfiança nos partidos políticos é uma situação manifestada com frequência (97% no grupo de pessoas com dificuldades financeiras, 74,6% no grupo que não apresenta dificuldades financeiras).
“É paradigmático: merecem a desconfiança de três em cada quatro indivíduos que quase nunca têm dificuldade em pagar as contas e de virtualmente todos os que têm dificuldades na maior parte das vezes”, escrevem os autores deste relatório.
As instituições mais confiáveis são o sistema de saúde e a polícia.

56,3%


No ano de 2023, esta era a percentagem de pessoas com dificuldades financeiras que se dizia não satisfeita com a democracia.

Todos os dados apresentados neste relatório apontam para uma relação próxima entre a capacidade financeira das famílias portuguesas e a sua capacidade de desenhar um futuro melhor, moldando até a sua percepção e interacção com os eventos políticos que as rodeiam.

O trabalho realizado no âmbito deste relatório não pretende ser uma resposta às disparidades sociais identificadas. Pretende, contudo, ser um veículo para a reflexão aprofundada que contribua para que os relatórios de anos subsequentes possam apresentar uma progressão positiva na sociedade portuguesa e um estreitamento dos fossos que o contexto económico cria entre os cidadãos.

CONTEÚDO COMERCIAL