A Lisboa que Eça de Queiroz escreveu

Eça de Queiroz inscreveu a capital na literatura portuguesa.
O PÚBLICO, guiado por Carlos Reis, visitou a Lisboa queirosiana

Findada a contenda judicial, os restos mortais de Eça de Queiroz serão trasladados da aldeia de Santa Cruz do Douro para o Panteão Nacional, em Lisboa. Quatro anos depois de ter sido aprovada pelo Parlamento, a trasladação concretiza-se, finalmente, a 8 de Janeiro de 2025.

A capital portuguesa está presente em obras como O Primo Basílio, A Capital!, Os Maias, O Crime do Padre Amaro, O Mandarim ou A Relíquia. Nas suas páginas encontramos “marcas de uma renovação arquitectónica e urbanística", explica o professor da Universidade de Coimbra e especialista em estudos queirosianos Carlos Reis. Como escritor da cidade, Eça de Queiroz descreve um espaço em mudança – “uma mudança que se projecta sobre as personagens”.

A presença de Lisboa na obra de Eça está intimamente ligada ao “projecto literário de reforma de mentalidades e de crítica de costumes” que o escritor procurou levar a cabo. “A capital deveria ser, sob todos os pontos de vista, o alvo por excelência dessa reforma, com os seus lugares de circulação e de sociabilidade, tanto pública como privada”, justifica Carlos Reis.

Estátua A Verdade, Largo Barão Quintela

"E como guiados pelas duas linhas de pontos de gás que desciam a rua do Alecrim, o seu pensamento, o seu desejo foram logo para o Hotel Central."

O Primo Basílio, 1878

Antigo Grand Hotel Central, Praça Duque da Terceira 24

O Grand Hotel Central, na praça Duque da Terceira, no Cais do Sodré, foi um dos melhores hotéis em Lisboa no seu tempo. Fechou em 1919, mas nos livros de Eça de Queiroz continua a hospedar o primo Basílio e a ser palco do jantar em que Carlos da Maia viu Maria Eduarda pela primeira vez.

“Ela passou, com um passo soberano de deusa, maravilhosamente bem-feita, deixando atrás de si como uma claridade, um reflexo de cabelos de oiro, e um aroma no ar...”

Os Maias, 1888

Em 2019, o quarteirão onde paira a memória do Grand Hotel Central foi comprado por um investidor alemão, Patrizia Immobilien. São 6200 metros quadrados com mais de 100 quartos dentro. O edifício, agora chamado Tagus Square, vestiu-se de andaimes que só despirá depois de se transformar no “novo hotel de luxo de 4 a 5 estrelas” anunciado pelo investidor.

Largo Luís de Camões

No Largo de Camões, cabem os finais de dois romances de Eça: O Crime do Padre Amaro e Os Maias.

Casa Havaneza, Largo do Chiado 25

Fundada em 1864, a Casa Havaneza abriu portas no Largo do Chiado há quase 160 anos – se não antes, pois existem anúncios de 1861 e até de 1855. Declara-se como “uma das lojas de charutos mais antiga do mundo” e deu lume ao microcosmo da “intelligentsia lisboeta (e portuguesa) no último quartel do século XIX”.

Eça de Queiroz faz parte da história desta casa. O seu rosto e a sua pena foram dos mais conhecidos que ali passaram. As suas obras orbitam não raras vezes a Casa Havaneza, fazendo dela um dos recantos queirosianos de Lisboa.

“A uma esquina, vadios em farrapos fumavam, e na esquina defronte, na Havanesa, fumavam também outros vadios, de sobrecasaca, politicando.”

Os Maias, 1888

Além de Os Maias, são exemplos da presença da Havaneza na obra de Eça A Correspondência de Fradique Mendes, onde é apontada como o lugar indicado para conhecer "um homem genial", e O Crime do Padre Amaro, onde é descrita como palco de alvoroço.

“Nos fins de Março de 1871 havia grande alvoroço na Casa Havanesa, ao Chiado, em Lisboa. Pessoas esbaforidas chegavam, rompiam pelos grupos que atulhavam a porta… Mas ninguém se mostrava mais exaltado que um guarda-livros do hotel, que do alto do degrau da Casa Havanesa brandia a bengala, aconselhando à França a restauração dos Bourbons".

O Crime do Padre Amaro, 1889

Teatro Nacional de São Carlos, Largo de São Carlos

O Teatro Nacional de São Carlos, fundado no final do século XVIII, era o teatro lírico da cidade. Serviu de local de encontro a várias personagens queirosianas, nomeadamente, em A Capital!, Os Maias e O Primo Basílio, obra na qual Eça descreve a ópera Faust, de Gounod, que subiu ao palco do Teatro Nacional de São Carlos. O escritor já tinha tecido algumas palavras sobre o mesmo espetáculo na crónica Mefistófeles, de 1867.

Grémio Literário, Rua Ivens 37

D. Maria II assinou a carta régia que deu origem ao Grémio Literário em 1846. Fundado por Alexandre Herculano e Almeida Garrett, o Grémio fixou-se no palacete do número 37 da Rua Ivens em 1875 e é lá que ainda hoje se mantém. Serviu como ponto de encontro e lugar de convívio de vários intelectuais e Eça de Queiroz era habitué. Lia o jornal na secretária que ainda hoje está na chamada “Sala Verde” e, na biblioteca, lia jornais e revistas francesas com os companheiros do Cenáculo. Ao jardim do Grémio, o escritor chamava-lhe a sua “quinta com porta para o Chiado”.

Na ficção, o Grémio é palco de diversos episódios de Os Maias, não fosse este lugar a poucas portas da casa de Maria Eduarda.

Praça Dom Pedro IV, Rossio

Na Lisboa queirosiana, o Rossio era, como hoje, central. A casa dos pais de Eça de Queiroz ficava no quarto andar do número 26 da Praça Dom Pedro IV, sobre o café Nicola. Na fachada, está fixada uma placa que não deixa esquecer a passagem de Eça por ali.

Também no Rossio, ficava o consultório de Carlos da Maia.

"Do Rossio, o ruído das carroças, os gritos errantes de pregões, o rolar dos americanos, subiam, numa vibração mais clara, por aquele ar fino de Novembro: uma luz macia, escorregando docemente do azul-ferrete, vinha dourar as fachadas enxovalhadas, as copas mesquinhas das árvores do município, a gente vadiando pelos bancos: e essa sussurração lenta de cidade preguiçosa, esse ar aveludado de clima rico, pareciam ir penetrando pouco a pouco naquele abafado gabinete e resvalando pelos veludos pesados, pelo verniz dos móveis, envolver Carlos numa indolência e numa dormência..."

Os Maias, 1888

Praça dos Restauradores

As pessoas conviviam sob e entre as árvores do Passeio Público, o jardim que se estendia entre a Praça dos Restauradores e a Praça da Alegria e esverdeava o coração de Lisboa.

"Entre os dois longos renques paralelos de árvores mesquinhas, entremeadas de candeeiros de gás, apertava-se num empoeiramento de macadame, uma multidão compacta e escura."

O Primo Basílio, 1878

Juliana, a empregada de Luísa em O Primo Basílio, passeia por lá. Já Carlos da Maia ainda não conhecia os Restauradores quando regressou a Lisboa, mas, quando visitou a praça, viu sobre ela bolas de sabão.

“Num claro espaço rasgado, onde Carlos deixara o Passeio Público pacato e frondoso - um obelisco, com borrões de bronze no pedestal, erguia um traço cor de açúcar na vibração fina da luz de inverno: e os largos globos dos candeeiros que o cercavam, batidos do sol, brilhavam, transparentes e rutilantes, como grandes bolas de sabão suspensas no ar.”

Os Maias, 1888

Miradouro de São Pedro de Alcântara

“Tinham entrado em S. Pedro de Alcântara; um ar doce circulava entre as árvores mais verdes; o chão compacto, sem pó, tinha ainda uma ligeira humidade; e apesar do sol vivo, o céu azul parecia leve e muito remoto”

O Primo Basílio, 1878

Também o Miradouro de São Pedro de Alcântara se tornou queirosiano com as várias personagens de Eça que ali circulam e dali observam e comentam Lisboa, como Luísa e o conselheiro Acácio na obra O Primo Basílio.

"Convidou-a mesmo a dar uma volta em baixo no jardim. (...) Cobardemente, por inércia, enervada pela voz pomposa do conselheiro, Luísa foi descendo, contrariada, as escadinhas para o jardim.

O Primo Basílio, 1878

“- Grande panorama! - disse o conselheiro com ênfase. E encetou logo o elogio da cidade. Era uma das mais belas da Europa, decerto, e como entrada, só Constantinopla!”

O Primo Basílio, 1878

Teatro da Trindade, Rua Nova da Trindade 9

Conta Carlos Reis que se o Teatro Nacional de São Carlos era o “teatro da ópera”, o Teatro da Trindade era o da “opereta”.

Foi no Teatro da Trindade que teve lugar “um dos episódios mais importantes de Os Maias, o famoso Sarau da Trindade”, logo após o qual se revelou que a relação de Carlos da Maia e Maria Eduarda era incestuosa.

No Sarau, Ega foi apresentado a Guimarães, que lhe disse ter uma caixa de documentos de Maria Monforte. Depois do Sarau, Guimarães pediu a João da Ega que entregasse os documentos a Carlos da Maia ou à sua irmã. Foi assim, quase por acidente, que Ega descobriu que Carlos da Maia e Maria Eduarda eram irmãos.

Também A Trágédia da Rua das Flores vai ao Teatro da Trindade:

“Era no Teatro da Trindade, representava-se o Barba Azul (…) O segundo ato terminava: o regente aos pulinhos, brandia a batuta; os arcos das rabecas subiam, desciam, com um movimento de serras apressadas: agudezas de flautins sibilavam; e o bombo, de pé, de óculos, com o lenço tabaqueiro deitado sobre o ombro, atirava baquetadas na pele do tambor, com uma mansidão sonolenta.”

A Tragédia da Rua das Flores, 1980

Restaurante O Tavares, Rua da Misericórdia 37

O Tavares abriu em 1784 e Eça foi presença assídua o suficiente para merecer um salão em sua homenagem no piso superior do restaurante. O Tavares foi berço e casa do grupo Vencidos da Vida, disse-o António Cândido, em 1922, à revista ABC: “Oh! Os Vencidos da Vida! Como isso vai distante. (…) A ideia da formação do grupo surgiu um dia, espontânea, imprevista, entre uma colherada de doce e uma gargalhada de champanhe no restaurante Tavares, na rua Larga de S. Roque. Oliveira Martins lembrara o título Vencidos da Vida, que todos aplaudiram e, pouco depois, o Conde Sabugosa compunha uns versos que, com música da Rosa Tirana constituíam o hino do nosso grupo.”

O “grupo jantante” de intelectuais reuniu-se ali entre 1887 e 1894.

Eça de Queiroz soube emprestar o Tavares a personagens das suas obras. O professor Carlos Reis lembra-nos que é neste restaurante que o conselheiro Acácio redige o “rebuscado” elogio fúnebre de Luísa, no final de O Primo Basílio, que começa assim: “Mais um anjo que subiu ao céu! Mais uma flor pendida na tenra haste que o vendável da morte, em sua inclemente fúria, arremessou mal desabrochada para as trevas do túmulo”.

Para rematar, o conselheiro Acácio brinda o leitor com uma breve explicação da vida, "uma passagem sobre o orbe, e um vão sonho de que acordamos no seio do Deus dos Exércitos, de que todos somos indignos vassalos".

Quatro anos depois de aprovada a concessão de honras de Panteão Nacional a Eça de Queiroz, seis dos vinte e dois bisnetos do escritor tentaram impedir a trasladação. Em nove meses, a justiça rejeitou quatro pedidos dos familiares descontentes.


Eça de Queiroz morreu a 16 de Agosto de 1900, perto de Paris. Foi sepultado em Lisboa e, oitenta e nove anos depois, os seus restos mortais foram trasladados para Santa Cruz do Douro. A 8 de Janeiro de 2025, Eça de Queiroz recebe honras de Panteão Nacional.

Findada a contenda judicial, os restos mortais de Eça de Queiroz serão trasladados da aldeia de Santa Cruz do Douro para o Panteão Nacional, em Lisboa. Quatro anos depois de ter sido aprovada pelo Parlamento, a trasladação concretiza-se, finalmente, a 8 de Janeiro de 2025.

A capital portuguesa está presente em obras como O Primo Basílio, A Capital!, Os Maias, O Crime do Padre Amaro, O Mandarim ou A Relíquia. Nas suas páginas encontramos “marcas de uma renovação arquitectónica e urbanística", explica o professor da Universidade de Coimbra e especialista em estudos queirosianos Carlos Reis. Como escritor da cidade, Eça de Queiroz descreve um espaço em mudança – “uma mudança que se projecta sobre as personagens”.

A presença de Lisboa na obra de Eça está intimamente ligada ao “projecto literário de reforma de mentalidades e de crítica de costumes” que o escritor procurou levar a cabo. “A capital deveria ser, sob todos os pontos de vista, o alvo por excelência dessa reforma, com os seus lugares de circulação e de sociabilidade, tanto pública como privada”, justifica Carlos Reis.

Estátua A Verdade, Largo Barão Quintela

"E como guiados pelas duas linhas de pontos de gás que desciam a rua do Alecrim, o seu pensamento, o seu desejo foram logo para o Hotel Central."

O Primo Basílio, 1878

Antigo Grand Hotel Central, Praça Duque da Terceira 24

O Grand Hotel Central, na praça Duque da Terceira, no Cais do Sodré, foi um dos melhores hotéis em Lisboa no seu tempo. Fechou em 1919, mas nos livros de Eça de Queiroz continua a hospedar o primo Basílio e a ser palco do jantar em que Carlos da Maia viu Maria Eduarda pela primeira vez.

“Ela passou, com um passo soberano de deusa, maravilhosamente bem-feita, deixando atrás de si como uma claridade, um reflexo de cabelos de oiro, e um aroma no ar...”

Os Maias, 1888

Em 2019, o quarteirão onde paira a memória do Grand Hotel Central foi comprado por um investidor alemão, Patrizia Immobilien. São 6200 metros quadrados com mais de 100 quartos dentro. O edifício, agora chamado Tagus Square, vestiu-se de andaimes que só despirá depois de se transformar no “novo hotel de luxo de 4 a 5 estrelas” anunciado pelo investidor.

Largo Luís de Camões

No Largo de Camões, cabem os finais de dois romances de Eça: O Crime do Padre Amaro e Os Maias.

Casa Havaneza, Largo do Chiado 25

Fundada em 1864, a Casa Havaneza abriu portas no Largo do Chiado há quase 160 anos – se não antes, pois existem anúncios de 1861 e até de 1855. Declara-se como “uma das lojas de charutos mais antiga do mundo” e deu lume ao microcosmo da “intelligentsia lisboeta (e portuguesa) no último quartel do século XIX”.

Eça de Queiroz faz parte da história desta casa. O seu rosto e a sua pena foram dos mais conhecidos que ali passaram. As suas obras orbitam não raras vezes a Casa Havaneza, fazendo dela um dos recantos queirosianos de Lisboa.

“A uma esquina, vadios em farrapos fumavam, e na esquina defronte, na Havanesa, fumavam também outros vadios, de sobrecasaca, politicando.”

Os Maias, 1888

Além de Os Maias, são exemplos da presença da Havaneza na obra de Eça A Correspondência de Fradique Mendes, onde é apontada como o lugar indicado para conhecer "um homem genial", e O Crime do Padre Amaro, onde é descrita como palco de alvoroço.

“Nos fins de Março de 1871 havia grande alvoroço na Casa Havanesa, ao Chiado, em Lisboa. Pessoas esbaforidas chegavam, rompiam pelos grupos que atulhavam a porta… Mas ninguém se mostrava mais exaltado que um guarda-livros do hotel, que do alto do degrau da Casa Havanesa brandia a bengala, aconselhando à França a restauração dos Bourbons".

O Crime do Padre Amaro, 1889

Teatro Nacional de São Carlos, Largo de São Carlos

O Teatro Nacional de São Carlos, fundado no final do século XVIII, era o teatro lírico da cidade. Serviu de local de encontro a várias personagens queirosianas, nomeadamente, em A Capital!, Os Maias e O Primo Basílio, obra na qual Eça descreve a ópera Faust, de Gounod, que subiu ao palco do Teatro Nacional de São Carlos. O escritor já tinha tecido algumas palavras sobre o mesmo espetáculo na crónica Mefistófeles, de 1867.

Grémio Literário, Rua Ivens 37

D. Maria II assinou a carta régia que deu origem ao Grémio Literário em 1846. Fundado por Alexandre Herculano e Almeida Garrett, o Grémio fixou-se no palacete do número 37 da Rua Ivens em 1875 e é lá que ainda hoje se mantém. Serviu como ponto de encontro e lugar de convívio de vários intelectuais e Eça de Queiroz era habitué. Lia o jornal na secretária que ainda hoje está na chamada “Sala Verde” e, na biblioteca, lia jornais e revistas francesas com os companheiros do Cenáculo. Ao jardim do Grémio, o escritor chamava-lhe a sua “quinta com porta para o Chiado”.

Na ficção, o Grémio é palco de diversos episódios de Os Maias, não fosse este lugar a poucas portas da casa de Maria Eduarda.

Praça Dom Pedro IV, Rossio

Na Lisboa queirosiana, o Rossio era, como hoje, central. A casa dos pais de Eça de Queiroz ficava no quarto andar do número 26 da Praça Dom Pedro IV, sobre o café Nicola. Na fachada, está fixada uma placa que não deixa esquecer a passagem de Eça por ali.

Também no Rossio, ficava o consultório de Carlos da Maia.

"Do Rossio, o ruído das carroças, os gritos errantes de pregões, o rolar dos americanos, subiam, numa vibração mais clara, por aquele ar fino de Novembro: uma luz macia, escorregando docemente do azul-ferrete, vinha dourar as fachadas enxovalhadas, as copas mesquinhas das árvores do município, a gente vadiando pelos bancos: e essa sussurração lenta de cidade preguiçosa, esse ar aveludado de clima rico, pareciam ir penetrando pouco a pouco naquele abafado gabinete e resvalando pelos veludos pesados, pelo verniz dos móveis, envolver Carlos numa indolência e numa dormência..."

Os Maias, 1888

Praça dos Restauradores

As pessoas conviviam sob e entre as árvores do Passeio Público, o jardim que se estendia entre a Praça dos Restauradores e a Praça da Alegria e esverdeava o coração de Lisboa.

"Entre os dois longos renques paralelos de árvores mesquinhas, entremeadas de candeeiros de gás, apertava-se num empoeiramento de macadame, uma multidão compacta e escura."

O Primo Basílio, 1878

Juliana, a empregada de Luísa em O Primo Basílio, passeia por lá. Já Carlos da Maia ainda não conhecia os Restauradores quando regressou a Lisboa, mas, quando visitou a praça, viu sobre ela bolas de sabão.

“Num claro espaço rasgado, onde Carlos deixara o Passeio Público pacato e frondoso - um obelisco, com borrões de bronze no pedestal, erguia um traço cor de açúcar na vibração fina da luz de inverno: e os largos globos dos candeeiros que o cercavam, batidos do sol, brilhavam, transparentes e rutilantes, como grandes bolas de sabão suspensas no ar.”

Os Maias, 1888

Miradouro de São Pedro de Alcântara

“Tinham entrado em S. Pedro de Alcântara; um ar doce circulava entre as árvores mais verdes; o chão compacto, sem pó, tinha ainda uma ligeira humidade; e apesar do sol vivo, o céu azul parecia leve e muito remoto”

O Primo Basílio, 1878

Também o Miradouro de São Pedro de Alcântara se tornou queirosiano com as várias personagens de Eça que ali circulam e dali observam e comentam Lisboa, como Luísa e o conselheiro Acácio na obra O Primo Basílio.

"Convidou-a mesmo a dar uma volta em baixo no jardim. (...) Cobardemente, por inércia, enervada pela voz pomposa do conselheiro, Luísa foi descendo, contrariada, as escadinhas para o jardim.

O Primo Basílio, 1878

“- Grande panorama! - disse o conselheiro com ênfase. E encetou logo o elogio da cidade. Era uma das mais belas da Europa, decerto, e como entrada, só Constantinopla!”

O Primo Basílio, 1878

Teatro da Trindade, Rua Nova da Trindade 9

Conta Carlos Reis que se o Teatro Nacional de São Carlos era o “teatro da ópera”, o Teatro da Trindade era o da “opereta”.

Foi no Teatro da Trindade que teve lugar “um dos episódios mais importantes de Os Maias, o famoso Sarau da Trindade”, logo após o qual se revelou que a relação de Carlos da Maia e Maria Eduarda era incestuosa.

No Sarau, Ega foi apresentado a Guimarães, que lhe disse ter uma caixa de documentos de Maria Monforte. Depois do Sarau, Guimarães pediu a João da Ega que entregasse os documentos a Carlos da Maia ou à sua irmã. Foi assim, quase por acidente, que Ega descobriu que Carlos da Maia e Maria Eduarda eram irmãos.

Também A Trágédia da Rua das Flores vai ao Teatro da Trindade:

“Era no Teatro da Trindade, representava-se o Barba Azul (…) O segundo ato terminava: o regente aos pulinhos, brandia a batuta; os arcos das rabecas subiam, desciam, com um movimento de serras apressadas: agudezas de flautins sibilavam; e o bombo, de pé, de óculos, com o lenço tabaqueiro deitado sobre o ombro, atirava baquetadas na pele do tambor, com uma mansidão sonolenta.”

A Tragédia da Rua das Flores, 1980

Restaurante O Tavares, Rua da Misericórdia 37

O Tavares abriu em 1784 e Eça foi presença assídua, tanto que mereceu um salão em sua homenagem no piso superior do restaurante. O Tavares foi berço e casa do grupo Vencidos da Vida, disse-o António Cândido, em 1922, à revista ABC. “Oh! Os Vencidos da Vida! Como isso vai distante. (…) A ideia da formação do grupo surgiu um dia, espontânea, imprevista, entre uma colherada de doce e uma gargalhada de champanhe no restaurante Tavares, na rua Larga de S. Roque. Oliveira Martins lembrara o título Vencidos da Vida, que todos aplaudiram e, pouco depois, o Conde Sabugosa compunha uns versos que, com música da Rosa Tirana constituíam o hino do nosso grupo.”

O “grupo jantante” de intelectuais reuniu-se ali entre 1887 e 1894.

Eça de Queiroz soube emprestar o Tavares a personagens das suas obras. O professor Carlos Reis lembra-nos que é neste restaurante que o conselheiro Acácio redige o “rebuscado” elogio fúnebre de Luísa, no final de O Primo Basílio, que começa assim: “Mais um anjo que subiu ao céu! Mais uma flor pendida na tenra haste que o vendável da morte, em sua inclemente fúria, arremessou mal desabrochada para as trevas do túmulo”.

Para rematar, o conselheiro Acácio brinda o leitor com uma breve explicação da vida, "uma passagem sobre o orbe, e um vão sonho de que acordamos no seio do Deus dos Exércitos, de que todos somos indignos vassalos".

Quatro anos depois de aprovada a concessão de honras de Panteão Nacional a Eça de Queiroz, seis dos vinte e dois bisnetos do escritor tentaram impedir a trasladação. Em nove meses, a justiça rejeitou quatro pedidos dos familiares descontentes.


Eça de Queiroz morreu a 16 de Agosto de 1900, perto de Paris. Foi sepultado em Lisboa e, oitenta e nove anos depois, os seus restos mortais foram trasladados para Santa Cruz do Douro. A 8 de Janeiro de 2025, Eça de Queiroz recebe honras de Panteão Nacional.

FOTOGRAFIAS
1. A Relíquia. QUEIROS, Eça de, 1845-1900
A relíquia: sobre a nudez forte da verdade - o manto diaphano da phantasia / Eça de Queirós
2. Grand Hotel Central - entre o 3º e o último quartel do séc. XIX
Praça dos Romulares
Henrique Nunes, 1877
Principais Monumentos, Edifícios Públicos e Particulares da Cidade de Lisboa, Lisboa 1877
3. Estátua de Camões - 1868
Praça e monumento de Luiz de Camões
Moreira, 1868
4. O Crime do Padre Amaro. QUEIROS, Eça de, 1845-1900
O crime do padre Amaro : scenas da vida devota / Eça de Queirós
Livr. Internacional de Ernesto Chardron, Lugan & Genelioux, Successores, 1889
5. Antiga Casa Havanesa - princípio do séc. XX
[Hotel Aliance e Casa Havanesa]
Joshua Benoliel, 1913 / Arquivo Municipal de Lisboa
6. Teatro da Trindade - 3º quartel do séc. XIX
Theatro da Trindade
Pedrozo, 1867 / Arquivo Pitoresco
7. Obelisco dos Restauradores
A acclamação de S. M. El-Rei o sr. D. Carlos I: a revista - o desfilar das tropas pela Avenida da LiberdadeA. desc., 1890
A Ilustração, Paris
8. Lago superior do jardim de S. Pedro de Alcântara - último quartel do séc. XIX
Passeios publicos de Lisboa. O passeio de S. Pedro de Alcantara
Gravura seg. fotografia, Hildibrand
9. Jardim inferior de S. Pedro de Alcântara - final do séc. XIXe começo do séc. XX
Passeio de S. pedro de Alcantara
Barbosa Lima, 1862 / Arquivo Pitoresco
10. Vista panorâmica a partir do jardim de S. Pedro de Alcântara - 1ª metade do séc. XIX
Vista do lado oriental da cidade de Lisboa, tirada do jardim de S. Pedro de Alcantara
Sousa e Barreto, 1844
11. Teatro da Trindade - 3º quartel do séc. XIX
Theatro da Trindade
Pedrozo, 1867 / Arquivo Pitoresco
12. Restaurante Tavares - Fim do séc. XIX
Alberto Carlos Lima, 1900 / Arquivo Municipal de Lisboa