Iúri Leitão
Ciclismo
de pista

Diogo Cardoso Oliveira (texto), Joana Bourgard (imagem), José Carvalheiro (motion design)
25 de Julho de 2024

É em bicicletas de 15 mil euros, e sem travões, que está parte da esperança portuguesa de medalha nos Jogos. Iúri diz-se um pessimista e aceitaria um oitavo lugar. Modéstia a mais do campeão do mundo? 

Um português, um francês e um espanhol entram num bar. Como numa boa anedota popular, digladiam-se com os melhores trunfos dos seus países – neste caso, para os Jogos Olímpicos 2024. 

O português sabe que tem maior escassez de atletas para medalhas, mas um argumento decisivo para vencer esse duelo tem duas rodas, um guiador, vira sempre para a esquerda e não tem travões: caro português, apresente-lhes o nome de Iúri Leitão. 

Se Portugal tiver um trio de “ases” para Paris 2024 – com algum optimismo, talvez até tenha mais do que isso –, então o ciclista de Viana do Castelo poderá bem ser o ás de trunfo nos Jogos. 

Não existe outra competição acima dos Jogos Olímpicos

Iúri Leitão

Quando se fala de Portugal e Jogos Olímpicos, o ciclismo de pista não será, para boa parte dos portugueses, a modalidade que mais surgirá em conversas de café. Mas, em 2024, já se justifica que seja. E os portugueses não precisam de recorrer apenas ao atletismo – e muito menos aos heróis “futeboleiros”, que nem lá vão estar. 

Iúri Leitão, campeão do mundo de Omnium, vai estar em Paris nessa prova particular do ciclismo de pista, mas também na de Madison, que fará em dupla com Rui Oliveira.  

Iúri foi campeão europeu de scratch em 2020, 2022 e 2024. Foi campeão do mundo em Omnium em 2023

Na imagem, o seleccionador nacional Gabriel Mendes entrega a bandeira de Portugal a Iúri. O ciclista português foi campeão do mundo em Omnium em 2023 e vice-campeão do mundo em 2021.

A talhe de foice, importa dizer que Iúri e Rui só foram anunciados nos Jogos cinco semanas antes da competição, mas, pelo menos no caso de Iúri, era evidente que assim seria – seria uma bizarria Portugal deixar de fora o seu campeão do mundo. 

Será a estreia de Portugal na vertente masculina do ciclismo de pista e não é improvável que seja uma entrada “a matar”, com subida ao pódio, mesmo que Iúri Leitão, um pessimista por natureza, diga ao PÚBLICO que não é esse o objectivo – já ficará contente com um oitavo lugar.  

Pouca ambição, mera habilidade na gestão de expectativas ou noção real da dificuldade da medalha? Já lá vamos. 

Costumo dizer que
sou um bom pessimista

Iúri Leitão

Uma corrida para o estrelato 

Antes, importa perceber o que é que Portugal tem aqui. Primeiro, tem uma “fábrica de medalhas”, em Sangalhos, complexo de ciclismo que, no âmbito da modalidade, não é muito menos do que uma silicon valley “à portuguesa”.  

Com tecnologia de ponta e instalações e recursos de primeira água, o velódromo não tem ar de ser um projecto de 2009.

Tudo parece novo, bem cuidado, bem aproveitado e já houve tempo, durante 15 anos, para preparar o terreno, plantar as sementes, fazer crescer as plantas e colher os frutos. 

Um desses frutos é Iúri Leitão. De sorriso permanente, o atleta português, de 26 anos, apresenta-se ao PÚBLICO com a leveza de quem sabe que é bom, mas de quem também tem noção de que será a estreia de Portugal nesta modalidade olímpica.   

É curiosa a naturalidade com que passa alguns minutos com a imprensa, apesar de não ser um atleta de fama internacional e, por isso, habituado aos holofotes. 

Sempre afável, disponível e divertido, Iúri Leitão é o tipo de atleta que facilmente captaria a simpatia do público – mas precisa, para aí chegar, de um resultado de grande nível em Paris. 

Por enquanto, é um ciclista de tarimba secundária no ciclismo de estrada e de nível mundial na pista, vertente que é bastante menos renomada. 

“O ciclismo de estrada será sempre rei. O público nunca vai aderir tanto às provas de pista, porque, na pista, não há aquela coisa de uma família ir para o Alpe d'Huez com a marmita, para conviver”, chegou a apontar ao PÚBLICO o presidente da Federação Portuguesa de Ciclismo, Delmino Pereira. 

É mais complicado do que parece 

Vamos ao ciclismo. Aquilo que Iúri Leitão fará em Paris não é de explicação simples. Os menos entusiastas da modalidade dirão que são um grupo de homens a pedalarem rapidamente numa pista oval, numa espécie de Nascar sem motor. E não estão errados. Mas é um pouco mais do que isso.  

A primeira coisa que Iúri fará, e que fez perante o olhar do PÚBLICO em Sangalhos, no dia da confirmação da convocatória para os Jogos, é preparar bem a bicicleta – no ciclismo de pista, ao contrário do de estrada, não há mudanças para alterar as configurações de andamentos durante a corrida.  

No fundo, o ciclista tem de decidir, antes da prova, a combinação de prato e pinhão que vai usar – e essa escolha, a ser mal feita, pode hipotecar logo ali o resultado.  

Preparada a “máquina”, a parte seguinte é um empurrão. Esse não é, de todo, um momento decisivo, já que é apenas uma ajuda à partida, mas é curioso ver que algumas provas do ciclismo de pista arrancam com um empurrão do treinador ao seu ciclista. 

Depois, acção. Numa bicicleta que custa 15 mil euros, palavra de Iúri, o ciclista vai pedalar o máximo que conseguir, sem travar – em rigor, não iria travar mesmo que quisesse, porque as bicicletas não o permitem. 

E há regras. Não pode, por exemplo, fazer o que fez neste vídeo em baixo – sim, fê-lo a nosso pedido para efeitos de exemplo e os portugueses esperam que não o faça em Paris. 

Mas há mais. “Temos de cumprir algumas regras para não sermos penalizados ou expulsos. Por exemplo, não podemos ir abaixo da linha preta, não podemos subir na pista e descer empurrando um sprinter, não podemos sprintar fora da faixa dos sprints. Existem regras para tornar o ciclismo justo e limpo”, aponta Leitão, lembrando que na vertente de estrada há mais liberdade para encostos e duelos corpo a corpo. 

Por falar em sprint, o ciclista português estima que a velocidade máxima que alcançou numa prova da pista foi 78 kms/h.  

Imaginemos, então, que Iúri Leitão faz tudo isto direitinho. Vai ter, a seguir, de ser melhor do que os rivais. Para isso, como explica o treinador Gabriel Mendes, convém ter uma boa mistura de resistência e velocidade. 

Muitas vezes, as pessoas pensam que a pista é uma vertente menos exigente, mas não é bem assim

Gabriel Mendes

O terror da eliminação 

Se Iúri confirmar tudo o que o treinador disse, então há boas probabilidades de ter sucesso em Paris. Mas ainda faltam outras coisas. Uma é boa leitura de corrida e, para isso, pode usar o que a pista lhe dá.  

Nesta modalidade, o declive da pista tem várias vantagens: permite ganhar velocidade, manter o ângulo em curva relativamente à pista e permite também ler a corrida, com uma visão superior. 

Suponhamos que Iúri também faz isto. Aí, faltará apenas uma coisa: a parte mental de lidar com as provas que mais o assustam. 

O ciclista português assume mesmo um certo terror com uma das provas que compõem o omnium, vertente que soma as pontuações dos ciclistas nas provas de scratch, tempo race, eliminação e pontos. Serão todas no mesmo dia, 8 de Agosto, em qualquer coisa como três horas e meia. 

Na eliminação, o último ciclista a passar a meta, de duas em duas voltas, é eliminado. A prova testa quem tem “nervos de aço” e quem consegue escapar à eliminação sem gastar muita energia.  

No fundo, mais do que quem passa em primeiro, importa quem não passa em último – lógica oposta à maioria das corridas. 

É divertido? É. Mas também é intenso.  

Costumo ter um pouco de aversão à [prova] de eliminação pelo nervosismo associado

Iúri Leitão

Top 8 para o campeão do mundo 

Suponhamos, então, que Iúri faz todas estas coisas. Escolhe o prato e pinhão certos. Arranca bem para a prova. Cumpre as regras todas a preceito. Exibe a endurance e a velocidade necessárias. Responde bem no plano psicológico. Faz uma boa leitura de corrida. Ultrapassa a prova de eliminação, que é a que lhe causa mais ansiedade. Ele faz tudo isto.  

Será medalha de ouro em Paris, certo? Errado.  

Para Iúri Leitão e Gabriel Mendes, o nível dos rivais sugere prudência e o objectivo é “apenas” um lugar nos oito primeiros.  

Se eu conseguir trazer um top 8, para mim é excelente

Iúri Leitão

O atleta português crê que um diploma olímpico já será compensação suficiente para o seu trabalho e, questionado sobre se isso não sabe a pouco para um campeão do mundo de omnium, opta por discordar: “Não, muito pelo contrário. Já estou realizado só por representar o país na maior competição desportiva do mundo. E se conseguir trazer um top 8...”. 

Gabriel Mendes, o treinador, não estava tão interessado em comprometer-se com uma meta concreta, preferindo escudar-se na promessa de empenho e dedicação pelo melhor resultado possível. Mas lá acabou por também falar do top 8, quando questionado sobre se Iúri chegaria a casa satisfeito se ficasse em décimo lugar. 

Para os portugueses, o que interessa, por agora, é perceber que, no dia 8 de Agosto, é aceitável esperar – mas não exigir – um resultado de alto nível por parte de Iúri Leitão. 

Se não esperarmos isso do campeão do mundo, de quem podemos esperar? 

Créditos

Reportagem
Diogo Cardoso Oliveira
Joana Bourgard

Motion design
José Carvalheiro

Desenvolvimento web
Francisco Lopes

Direcção de arte
Sónia Matos

Agradecimento
Hugo Gomes