Futuro sustentável?
Só com dieta
de emissões.
Aposta em estratégias de economia circular, redução de resíduos ou embalagens sustentáveis é parte da solução. Contudo, diminuir o consumo de recursos é essencial para a descarbonização do sector do retalho.
Comprar tempo
O tempo não pára de correr e a meta intermédia da descarbonização da União Europeia (UE) está já ao virar da esquina: até 2030, os Estados-membros devem ajudar a alcançar uma redução de 55% das emissões de CO2. O caminho é sinuoso, repleto de desafios, mas guarda também oportunidades de transformação em vários sectores.
No retalho, é imperativo alterar as formas de consumo e apostar na redução de resíduos para levar a actividade para mais perto da neutralidade carbónica.
A tarefa não é fácil, até porque o sector controla, de forma directa, apenas 2% do total de emissões de carbono. Quem o diz é a consultora Oliver Wyman, que publicou um estudo que conclui que “98% das emissões europeias de carbono do retalho” são de âmbito 3. Ou seja, apenas uma pequena parte “resulta de operações directas ou de energia consumida pelo sector”, lê-se nas conclusões do documento.
Reduzir é apenas o início
Se todas as pessoas no mundo vivessem com os mesmos hábitos de um português, seriam necessários 2,9 planetas Terra para garantir os recursos necessários a este ritmo de consumo. A produção de alimentos é, aponta a associação Zero, uma das actividades que mais pesa na pegada dos portugueses (30%) e parte desse impacto poderia ser diminuído com menos desperdício alimentar.
Dados de 2020 mostram que Portugal é o quarto Estado-membro da UE onde mais comida vai parar ao lixo: 1,8 milhões de toneladas ou 184 quilos por cada habitante.
Na comunidade europeia, são desperdiçadas mais de 88 milhões de toneladas de alimentos.
A fast fashion é mais um sintoma do excesso de consumo que teima em não abrandar com consequências danosas para o ambiente. Estima-se que as emissões de CO2 da indústria da moda represente 2% a 8% do total global, mas os impactos incluem a utilização de recursos hídricos – a indústria têxtil gasta, em média, 93 mil milhões de metros cúbicos de água por ano.
Mas para lá do aumento do fabrico e da compra de vestuário em todo o mundo, um dos dados que engrossa a preocupação ambiental prende-se com a utilização de cada peça: 36% menos no número de vezes que cada artigo foi usado entre 2000 e 2015, segundo a Fundação Ellen MacArthur. Isto significa que a economia circular ainda não é uma realidade.
Portugal é o quarto
Estado-membro da UE
com maior desperdício alimentar.
1,8 milhões
de toneladas anuais
184 kg
por habitante
Consumidor em transformação
Não será possível alcançar a neutralidade sem o contributo de consumidores mais responsáveis e atentos à pegada ambiental dos produtos que escolhem comprar.
Z versus X
A última edição do Future Consumer Index, da consultora EY, aponta que há cada vez mais pessoas disponíveis a pagar mais por produtos, serviços ou embalagens sustentáveis, com especial destaque para a geração Z (37%), seguida das gerações X (31%) e Baby Boomer (29%).
Mudam-se os hábitos, muda-se o sistema
A transformação dos hábitos de consumo reflete-se no tipo de produtos adquiridos, na crescente preocupação com a origem e os métodos de produção que, em última instância, sinalizam às empresas a importância que devem dar à sustentabilidade na sua atividade. Aliás, os temas da sustentabilidade e dos critérios ESG (sigla para environmental, social, and governance) estão entre os principais riscos identificados pelos líderes de empresas de consumo.
Como o retalho pode responder ao desafio
Com o retalho a representar cerca de 12% da economia nacional, a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) tem em execução, desde 2021, o Roteiro para a Descarbonização do sector que junta os principais players portugueses.
O objectivo é cumprir um conjunto de compromissos e medidas a implementar para atingir metas até 2025, 2030 e 2040, ano em que deverá ser atingida a neutralidade carbónica.
As medidas sugeridas pela associação estão em linha com as boas práticas apontadas para implementação no sector do retalho, nomeadamente a redução de resíduos das operações que pode ser alcançada com a diminuição de plásticos de utilização única, simplificação das embalagens e adopção de embalagens sustentáveis. Estas últimas podem incorporar maior percentagem de materiais reciclados, serem biodegradáveis ou desenhadas de forma a facilitar a sua reciclagem após utilização.
Players como a Ikea estão a acelerar o caminho rumo à descarbonização com estratégias que implementam diferentes medidas com o mesmo objectivo: diminuir a pegada ambiental. A marca sueca quer reduzir as emissões de CO2 para metade até 2030 e ser neutra em carbono até 2050, apostando, para lá chegar, na incorporação de materiais renováveis e reciclados, na produção de energia para autoconsumo e na aposta na economia circular. No campo da economia circular, a empresa tem programas de compra e reciclagem de móveis usados que promove junto dos clientes.
O gigante norte-americano Walmart definiu 2040 como prazo para atingir a neutralidade carbónica nas suas operações globais, assente numa estratégia de redução de resíduos que quer eliminar o desperdício a 100% até 2025, mas também com o aumento do transporte sustentável de mercadorias. Este continua, aliás, a ser um grande desafio para o sector do retalho e da logística.
20%
da poluição industrial da água tem origem no tingimento e tratamento têxtil da produção de vestuário, segundo estimativas do Banco Mundial
200.000
Toneladas de roupa que, segundo a Agência Portuguesa do Ambiente, os portugueses deitam ao lixo todos os anos
42%
dos consumidores ouvidos pela consultora EY admitem alterar o tipo de alimentos que consomem porque as alterações climáticas aumentaram os preços ou limitaram a disponibilidade
71%
Percentagem dos compromissos mínimos cumpridos, em 2022, pelas empresas signatárias do Roteiro para a Descarbonização da APED
7%
Da economia mundial que conta com circularidade de materiais, segundo dados da Deloitte. Em 2022, o valor era de 9%. Há uma regressão no consumo de materiais circulares, aponta a consultora
Tecnologia
pode ajudar
Segundo a McKinsey, é possível reduzir, até 2030, as emissões de âmbito 3 dos retalhistas em 15% com as tecnologias hoje existentes, mas, assegura a consultora, a inovação nesta área pode ajudar a alcançar uma redução de 40% ou 50% adicionais. A utilização de blockchain para garantir a rastreabilidade de produtos é já uma realidade para muitos retalhistas e que permite ajudar no maior desafio: diminuir as emissões de âmbito 3, que representam 98% do total de emissões no sector.
O boom do e-commerce que surgiu com a pandemia é outro dos caminhos que tem sido seguido pelo retalho, à boleia da crescente preferência entre os consumidores. Porém, o e-commerce pode ser um aliado na redução de emissões, se bem estruturado, ou um inimigo.
Há, contudo, muitas vantagens no comércio electrónico. Desde logo, a redução do número de lojas físicas que permite diminuir o consumo energético e o impacto das deslocações dos consumidores. Por outro lado, a utilização de tecnologias baseadas em inteligência artificial ajuda o e-commerce a ser mais eficiente com um melhor planeamento das rotas de entrega, dos stocks e até na utilização de embalagens sustentáveis. Ainda assim, as entregas rápidas podem ser menos amigas do ambiente devido a uma menor optimização da capacidade de carga dos veículos de transporte.
Futuro nas mãos de todos
Descarbonizar o sector do retalho implica superar desafios de grandes dimensões, mas a urgência climática mostra que é importante agir e contribuir para garantir um planeta com futuro. Contudo, a responsabilidade é também dos consumidores que, com recurso à sua carteira e o poder das suas escolhas, podem influenciar o rumo da economia para assegurar que, coletivamente, a sociedade caminha para um mundo mais responsável e consciente.
Do lado das empresas, a colaboração entre parceiros ao longo de toda a cadeia de valor, o investimento na inovação tecnológica e a adopção de medidas concretas com foco na redução de emissões são passos cruciais. As organizações que escolherem liderar o movimento da sustentabilidade estarão não só a proteger o ambiente e a mitigar os efeitos das alterações climáticas, como estarão também a assegurar a competitividade do seu negócio a longo prazo.
Este conteúdo está inserido no projecto "Descarbonização: que caminho para Portugal?", que inclui ainda case studies de empresas nacionais e uma conferência dedicada ao tema da descarbonização em Portugal.
Esta iniciativa é da responsabilidade do Estúdio P do jornal PÚBLICO e tem como parceiros: Associação Portuguesa de Energia; Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição;
E-REDES; GALP; SONAE; VEOLIA; HYCHEM.