Como tornar as cidades mais sustentáveis

Como diminuir a pegada ambiental das cidades e da mobilidade urbana?
Dos carros eléctricos aos materiais sustentáveis na construção, passando pela inteligência artificial e outras tecnologias. Que soluções existem rumo às cidades sustentáveis?

Filas e filas de automóveis parados no “pára-arranca” em hora de ponta. Este é um cenário familiar para quem se desloca de casa para o trabalho em cidades médias e grandes, um pouco por todo o mundo. Mas é também um sinal de outro problema: a poluição e o impacto ambiental associados à mobilidade urbana.

Na base desta pegada carbónica não estão apenas os transportes ligeiros individuais. Camiões de mercadorias, táxis e TVDE, autocarros, entre outros. Todos os transportes que dependem de combustíveis fósseis para “alimentar” as necessidades dos centros urbanos, dos seus habitantes e dos seus negócios.

Descarbonizar as cidades implica novas soluções para gerir a mobilidade, diminuir o seu impacto ambiental, mas também aproveitar o contributo das novas tecnologias.

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O peso ambiental da mobilidade urbana

A mobilidade urbana é um dos principais desafios ambientais das cidades, tanto em países desenvolvidos, como nos países em desenvolvimento.

De forma global, cerca de um quarto das emissões de dióxido de carbono têm origem no sector dos transportes. A par da indústria, este é o sector com um crescimento anual maior de emissões: em média, 1,7%, entre 1990 e 2022, segundo a Agência Internacional de Energia.

95% da energia usada nos transportes ainda provém de combustíveis fósseis, a nível mundial.

Fonte: UNEP – Programa das Nações Unidas para o Ambiente

Na Europa, os transportes também representam cerca 25% das emissões totais. Em média, existem 560 veículos de passageiros na Europa por cada mil habitantes, de acordo com o relatório “Key figures on European transport – 2023 edition”, publicado em Janeiro de 2024.

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Maior procura por transporte na Europa

+20%

em viagens de passageiros

Fonte: Agência Europeia do Ambiente,
dados entre 2000 e 2019

+86%

em viagens aéreas

Fonte: Agência Europeia do Ambiente,
dados entre 2000 e 2019

+18%

em transporte automóvel

Fonte: Agência Europeia do Ambiente,
dados entre 2000 e 2019

+22%

em transporte de mercadorias

Fonte: Agência Europeia do Ambiente,
dados entre 2000 e 2019

Perante os dados, a descarbonização dos transportes surge como essencial. As áreas urbanas continuam em expansão e mais de metade da população mundial vive em cidade. As necessidades de mobilidade urbana vão continuar – e, previsivelmente, agravar-se.

Como conseguir, então, mitigar ou até resolver este impacto ambiental dos transportes?

Reduzir o impacto da mobilidade urbana precisa de um esforço conjunto entre decisores urbanos, municípios e governos, investigadores, empresas, fabricantes de veículos, prestadores tecnológicos e os próprios cidadãos.

As respostas exigem atenção em múltiplas frentes:

Redução da procura pelo transporte motorizado (com oferta de outras soluções e de um planeamento urbano apropriado).

Cidades com melhor planeamento urbano.

Promoção de modos de transporte de baixas emissões (transporte público, bicicletas, trotinetes e mesmo andar) e condições para o seu uso.

Inovação em termos de tecnologias, combustíveis e materiais de forma a ter frotas de veículos cada vez mais eficientes e sustentáveis.

Que iniciativas podem ser implementadas as cidades para reduzir o impacto dos transportes?

Definição de zonas de velocidade reduzida e zonas sem carros.

Esquemas de incentivo e partilha de bicicletas e outros modos suaves de transporte.

Construção de ciclovias e vias pedonais.

Incentivos (ou preços reduzidos) para transportes públicos e para a compra de bicicletas.

Incentivos para frotas de entregas (“last mile”) sustentáveis, como bicicletas ou veículos eléctricos.

Promoção de “dias sem carros”, que possam incentivar a uma mobilidade mais sustentável.

white windmills on green grass field under white clouds and blue sky

O que “alimenta” a mobilidade sustentável?

A partir de 2035, qualquer novo carro na União Europeia deve ter zero emissões de dióxido de carbono – numa meta alinhada com o objectivo europeu de atingir a neutralidade carbónica em 2050.
Esta exigência nos carros novos implica que os novos carros sejam 100% eléctricos, ou que os seus motores sejam alimentados por combustíveis sintéticos ou neutros em carbono.

A electrificação do sector dos transportes é uma mudança fundamental para cortar a dependência dos combustíveis fósseis na mobilidade. Os carros eléctricos estão cada vez mais visíveis nas ruas das cidades e, tal como refere a UNEP - Programa das Nações Unidas para o Ambiente, “nos últimos 20 anos, os veículos eléctricos demonstraram desenvolvimentos tecnológicos significativos que reduziram custos, reduziram a pegada ambiental e aumentaram a sua utilidade”.

Há, no entanto, vários desafios pela frente. Os veículos eléctricos continuam a ser mais caros, a infra-estrutura de carregamento ainda é insuficiente e as próprias baterias têm autonomias limitadas.

Adopção de veículos eléctricos

Na Europa, existem 4,5 milhões de carros 100% eléctricos, de acordo com os dados mais recentes do Eurostat, relativos a 2023. A Dinamarca assume a liderança europeia, com os veículos eléctricos a representarem cerca de 7% da frota. Em Portugal, a percentagem não chega aos 2%.

Enquanto os desafios do mundo eléctrico não avançam, os novos combustíveis podem ser uma alternativa para reduzir as emissões nas cidades, a curto e médio prazo. Combustíveis sintéticos, como o hidrogénio verde (produzido a partir de electricidade de fontes renováveis), e os biocombustíveis são algumas das soluções possíveis.

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E os aviões?

De acordo com a União Europeia, as emissões dos aviões e dos navios estão a aumentar, apesar de contabilizarem apenas 8% das emissões totais do bloco europeu. Este aumento – e as metas europeias de neutralidade carbónica – pedem medidas eficazes de descarbonização destes sectores.

Tal como na mobilidade urbana, também os combustíveis alternativos (mais sustentáveis) representam uma oportunidade importante de reduzir as emissões no sector: biocombustíveis avançados, hidrogénio verde e outros combustíveis renováveis de fonte não-naturais, como o amoníaco verde (feito de hidrogénio e azoto).

A utilização de combustíveis de aviação sustentáveis (SAF) “permitem uma redução significativa do impacto ambiental da aviação a curto e médio prazo, utilizando a frota global existente”, refere a Agência da União Europeia para a Segurança na Aviação (EASA).

O SAF é produzido a partir de recursos sustentáveis e não-fósseis, como o óleo alimentar usado. Permite reduzir entre 70% a 90% de emissões quando comparado com o combustível tradicional usado na aviação.

Smart cities: a tecnologia ao serviço da mobilidade urbana

Na cidade de Columbus, no Ohio (Estados Unidos), uma única app permite que qualquer pessoa possa planear e reservar viagens multimodais ao longo de serviços públicos e privados. Em Nova Iorque, faixas inteligentes para transportes públicos detectam veículos pessoais que lá estão indevidamente, melhoram o trânsito e melhoram a eficiência.

Barcelona vai implementar inteligência artificial para melhorar a rede de autocarros, permitindo identificar veículos mal parados que prejudicam a circulação de autocarros e, com isso, melhorar a circulação e optimizar a velocidade das rotas. Em Braga, um novo projecto piloto vai permitir detectar também carros parados de forma ilegal na cidade, numa tecnologia que já está em uso também em Gdansk (Polónia) e Washington (Estados Unidos).

Estes são só alguns exemplos de cidades que estão a abraçar a tecnologia como acelerador de estratégias de mobilidade urbana.

Inovações e tendências como inteligência artificial, computação em nuvem, sensores, Internet of Things (IoT) e big data estão a mudar o panorama das cidades para sistemas mais eficientes e sustentáveis – ainda que, em muitos casos, apenas visíveis em áreas piloto das cidades.

man riding on bicycle

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Tendências tecnológicas ao serviço da mobilidade nas cidades

Sistemas inteligentes de transporte

São sistemas em que as tecnologias são aplicadas na gestão de transporte rodoviário e incluem componentes como sensores, câmaras, semáforos inteligentes, software de planeamento urbano, gestão de tráfego, comunicações entre veículos e análise de dados.

Através destas tecnologias, as cidades conseguem reduzir as necessidades de combustível – e, com isso, o impacto ambiental da mobilidade urbana –, mas também melhorar pontos de congestionamento, optimizar a eficiência e melhorar o planeamento urbano e de transportes.

Plataformas de MaaS (mobilidade como serviço, ou em inglês, Mobility-as-a-Service)

Refere-se à mudança de paradigma da propriedade individual dos veículos para um sistema de utilização como um serviço, com plataformas que combinam serviços de partilha, infra-estruturas de estacionamento e transporte público, por exemplo.

A tecnologia facilita todo este sistema, através de análise de dados, planeamento integrado, reservas e pagamentos – de forma que os passageiros possam planear, comprar bilhetes ou reservar serviços através uma app.

Veículos autónomos

Trata-se, provavelmente, do elemento mais representativo de uma cidade inteligente: o carro autónomo. Actualmente, os veículos autónomos não existem apenas na ficção científica e já circulam em condições reais – ainda que com bastantes limitações tecnológicas e longe de uma adopção universal. Fabricantes como a Waymo ou a Tesla têm-se afirmado no desenvolvimento destes complexos sistemas tecnológicos que recorrem a sensores, algoritmos, comunicação entre veículos e comunicação entre veículos e infra-estrutura (estradas, sinais, semáforos, entre outros).

Além de serem eléctricos, na maioria dos casos, os veículos autónomos contribuem ainda para a redução de engarrafamentos e para a adopção de rotas mais eficientes (em tempo real), o que permite reduzir o impacto ambiental dos transportes.

Planeamento, arquitectura e materiais de cidades mais sustentáveis

Além da electrificação, de combustíveis alternativos, da gestão dos transportes e das tecnologias de ponta, há outras vertentes de acção para tornar as cidades mais sustentáveis: do planeamento aos próprios edifícios.

high-rise buildings

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Planeamento estratégico

O planeamento e desenho urbano permite tornar as cidades mais funcionais e “amigas” de maior circulação pedonal, de bicicletas e outros modos suaves, de transporte público, de plataformas MaaS e do transporte eléctrico. Uma cidade bem planeada é aquela onde os seus habitantes (e qualquer pessoa que nela se desloque) têm ao seu dispor uma rede variada de alternativas de transporte e que a circulação seja possível de forma segura, fluída e eficiente.

Novos materiais

No sector da construção, a introdução de novos materiais sustentáveis e de baixo carbono contribui para diminuir o impacto ambiental das cidades. Mosaicos de cerâmica reciclada, I-mesh (têxtil sustentável para construção) e materiais impressos em 3D (que requerem menos emissões no seu processo de criação) são algumas alternativas já usadas.

Edifícios inteligentes

É o domínio dos sensores, da inteligência artificial e da IoT, mas desta feita aplicada aos edifícios. Um edifício inteligente permite gerir recursos – como iluminação, calor/frio e outros equipamentos – de acordo com as necessidades dos seus ocupantes, em tempo real (e também de forma preditiva), evitando o desperdício de energia.

Este conteúdo está inserido no projecto "Descarbonização: que caminho para Portugal?", que inclui ainda case studies de empresas nacionais e uma conferência dedicada ao tema da descarbonização em Portugal.

Esta iniciativa é da responsabilidade do Estúdio P do jornal PÚBLICO e tem como parceiros: Associação Portuguesa de Energia; Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição; CIMPOR; ChargeGuru; E-REDES; GALP; SONAE; VEOLIA; HYCHEM.