Apoios governamentais essenciais na descarbonização

Regulação, incentivos ou políticas governamentais são classificados como instrumentos essenciais para assegurar uma transição energética célere e eficaz, isto porque auferem segurança aos investidores e permitem o desenvolvimento do mercado até este atingir a maturidade e criar economias de escala.

O termo sustentabilidade está na ordem do dia. Mas quando se fala de descarbonizar a economia, isso implica quase um esforço hercúleo. As directrizes da Comissão Europeia ajudam a direccionar os esforços de empresas e governos, e os vários apoios definidos possibilitam que as políticas pretendidas sigam em frente.

Esta é a noção geral. Mas será mesmo assim?

Políticas robustas para objectivos climáticos

Ana Rodrigues, directora executiva do Nova SBE Environmental Economics Knowledge Center, afirma que os quadros políticos e regulamentares são essenciais para criar as condições necessárias à descarbonização da economia, garantindo clareza, previsibilidade e orientação para os diferentes actores envolvidos. A executiva considera mesmo que a descarbonização requer políticas robustas e integradas que, além de traçarem objectivos climáticos, criem mecanismos de apoio ao sector privado para alinhar os interesses económicos com as metas ambientais. 

Na mesma linha, Filipa Pantaleão, secretária-geral do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável Portugal (BCSD), aponta a necessidade de se ter quadros políticos e regulamentares sólidos. Quadros que são “essenciais para criar um ambiente favorável à descarbonização, fornecendo direcção, metas, incentivos e coordenação necessários para mobilizar os investimentos e as acções que levarão a uma economia mais sustentável e resiliente”.

A descarbonização é um dos grandes desafios actuais, aponta João Pinto, dean da Católica Porto Business School. Acrescenta que se trata de um desafio que requer “compromissos globais e quadros políticos e regulamentares robustos que acelerem a transição para uma economia de baixo carbono”. Sendo que estes quadros terão de alinhar interesses públicos e privados, “um quadro político claro, com metas como a neutralidade carbónica até 2050, dá confiança aos investidores. Uma regulação forte sobre emissões e eficiência energética cria novas oportunidades e garante uma transição justa, equitativa, inclusiva e coordenada”.

No fundo, é um esforço conjunto.

Este é um ponto muito importante e consensual. Só assim se conseguirá atingir as metas – ambiciosas – definidas para a descarbonização. A isto, Carlos Jesus, VP Global Service Delivery e Country Manager da Colt Technology Services em Portugal, acrescenta a necessidade de os “objectivos serem science based e com uma total transparência nas acções que são levadas a cabo e nos objectivos alcançados”.

A opinião é também partilhada por Francisco Ferreira, presidente da Zero, que considera ser “absolutamente fundamental haver uma base científica sobre as necessidades de mitigação, ou redução de emissões”, pelo que “todas as decisões à escala global, por parte da Convenção das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, têm tido por base aquilo que é a informação consensualizada no Quadro do Painel Intergovernamental às Alterações Climáticas”. Esse é, segundo o ambientalista, o primeiro passo: ter informação técnica e científica que diga qual o caminho a seguir. Caminho esse que tem de ser traçado “sem qualquer dúvida” do ponto de vista político, “quer à escala internacional, europeia ou nacional”.

A Europa comprometeu-se
a reduzir 55% das emissões entre 1990 e 2030 e a atingir a neutralidade climática em 2050.

Esta redução que não está, assinala Francisco Ferreira, “em linha com o Acordo de Paris”. Para isso seria necessária uma “redução de 65% entre 1990 e 2030 e atingir a neutralidade climática em 2040”. 

Portugal
no quadro europeu

Numa Europa a 27, Portugal destaca-se por assumir “um papel de liderança na luta contra as alterações climáticas”. Esta é a opinião de Filipa Pantaleão, que aponta que o país não só colabora activamente em iniciativas internacionais, defendendo políticas climáticas ambiciosas, como investe em inovação e desenvolvimento de tecnologias limpas. Um exemplo claro é a boa prestação ao nível da produção de energia renovável, nomeadamente eólica e solar.

De acordo com dados divulgados pela REN, entre Janeiro e Agosto de 2024, 75% da energia eléctrica consumida em Portugal veio de fontes renováveis:

Em paralelo, o país foi pioneiro, na Europa, ao encerrar todas as suas centrais a carvão até ao final de 2021, antecipando o plano inicial e acelerando a descarbonização do sector energético.

A par da implementação de políticas, através do Plano Nacional Energia e Clima 2021-2030, o país “também se destaca pela sua abordagem inovadora ao hidrogénio verde, onde se posiciona como um futuro exportador, em parceria com outros países europeus”, lembra Ana Rodrigues.

"Se Portugal quer manter a liderança no sector das energias renováveis, tem de continuar a promover políticas ambiciosas e a reforçar os mecanismos financeiros e de governança”.
Ana Rodrigues, directora executiva do Nova SBE Environmental Economics Knowledge Center

E aqui, acrescenta Filipa Pantaleão, “a colaboração internacional é crucial para alcançar os objectivos climáticos a longo prazo, como, por exemplo, a modernização da rede eléctrica, a descarbonização da indústria, ou a transição energética justa”.

O compromisso assumido por Portugal coloca-o “como referência na transição energética, que impulsionará o crescimento económico, criará novos empregos verdes e qualificados, e exigirá (nova) formação especializada”, aponta João Pinto. E as universidades, como a que representa, assumem um papel relevante. Na mesma linha, o presidente da Zero lembra a transição que Portugal fez, no início do século, para a energia eólica, “onde nasceram fábricas de aerogeradores e construção de pás eólicas” no país.

Apesar das vantagens, João Pinto aponta que há desafios que não podem ser ignorados, nomeadamente a falta de mão de obra qualificada, os riscos geopolíticos e o elevado investimento inicial que estes projectos exigem. Estes desafios, explica, têm “implicações relevantes no financiamento da transição climática”.

Dean da Católica Porto Business School

Dean da Católica Porto Business School

A experiência corporativa de Carlos Jesus dá-lhe uma visão mais assertiva do que se passa no terreno. O Country Manager da Colt Technology Services em Portugal aponta como bons exemplos do trabalho levado a cabo os esforços de digitalização e das próprias redes de comunicações nos centros de dados e no núcleo tecnológico construído em torno destes e das estações de amarração dos cabos submarinos, que, por serem projectos de última geração, recorrerem a energias renováveis.

Carlos Jesus, VP Global Service Delivery e Country Manager da Colt Technology Services em Portugal

Carlos Jesus, VP Global Service Delivery e Country Manager da Colt Technology Services em Portugal

E, se por um lado, a posição geográfica do país, associada a “excelentes bases de conhecimento”, permite impulsionar a posição portuguesa, a verdade é que “há ainda muito para fazer, nomeadamente a nível da indústria onde é preciso reforçar a aposta na transformação digital para aumentarmos a descarbonização”.

Um dos pontos essenciais apontados por Carlos Jesus prende-se precisamente com o papel da banca, nomeadamente no que concerne a “estar mais preparada e aumentar o seu know-how e especialização nos apoios à transição energética sustentável – uma área em que ainda estamos a dar os primeiros passos”.

Vantagens da existência de quadros políticos e regulatórios

Definição de metas claras

Estabelecer objectivos de médio e longo prazo – como, por exemplo, a neutralidade de carbono em 2050 – para orientar políticas e investimentos.

Fonte: Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável Portugal (BCSD)

Incentivos e mecanismos de mercado

Implementar impostos – a título de exemplo, os imposto sobre o carbono –, e subsídios para promover tecnologias limpas.

Fonte: Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável Portugal (BCSD)

Regulamentação de padrões

Definir normas de eficiência energética e desempenho ambiental para sectores-chave.

Fonte: Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável Portugal (BCSD)

Fomento à inovação

Apoiar a pesquisa e o desenvolvimento (I&D) em tecnologias limpas e facilitar a transferência de tecnologia para países em desenvolvimento.

Fonte: Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável Portugal (BCSD)

Justiça climática

Garantir uma transição justa para trabalhadores e comunidades vulneráveis, com políticas inclusivas.

Fonte: Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável Portugal (BCSD)

Cooperação internacional

Harmonizar políticas globais e promover acordos multilaterais, como o Acordo de Paris.

Fonte: Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável Portugal (BCSD)

Redução de barreiras

Criar oportunidades de mercado e adaptar regulamentações para permitir inovações tecnológicas.

Fonte: Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável Portugal (BCSD)

Subsídios e incentivos: são importantes?

A transição energética é um processo longo e complexo. Por isso mesmo, os incentivos e subsídios governamentais são cruciais para acelerar o processo e para que este decorra de forma eficaz. “Os combustíveis fósseis estão amplamente disponíveis, têm infraestruturas já estabelecidas e, muitas vezes, são mais baratos. As alternativas mais limpas, como energia solar ou eólica, por sua vez, podem exigir investimentos iniciais maiores, e isso cria uma barreira clara para a transição para as energias renováveis ou isentas de emissões”, constata Filipa Pantaleão. A secretária-geral do BCSD Portugal aponta ainda que os subsídios podem ser importantes ao atribuir créditos fiscais para o investimento em investigação de tecnologias de energia limpa, tornando estas opções mais competitivas no mercado.

Para se ter noção dos valores envolvidos basta considerar a estimativa feita pela Agência Internacional da Energia:

Para alcançar emissões líquidas nulas até 2050, 90% da electricidade mundial terá de vir de fontes renováveis.

Acontece, lembra João Pinto, que “existe um défice de 18 biliões de dólares entre os compromissos de transição energética até 2030 e o investimento necessário”.

Os incentivos e os subsídios servem, então, como “impulsionadores e aceleradores do movimento que as empresas já estão a fazer por elas próprias, porque acelerar a transição para a descarbonização tem um impacto real e concreto nas contas das empresas”, reconhece Carlos Jesus, esclarecendo que “se elas tiverem de continuar este processo sozinhas, fá-lo-ão, mas será mais lento”.

A opinião é também partilhada por Ana Rodrigues, que aponta a importância destes instrumentos, principalmente “nas fases iniciais de desenvolvimento de novas tecnologias, quando o custo de entrada é elevado e o risco significativo”.  A diretora executiva do Nova SBE Environmental Economics Knowledge Center explica que “ao oferecer subsídios directos e outros apoios, os governos ajudam a reduzir o custo das inovações, permitindo que estas se tornem competitivas com as tecnologias convencionais”. Um exemplo? O aumento do investimento em infraestruturas de armazenamento de energia, que tem sido impulsionado por políticas de incentivo ao uso de fontes renováveis.

A par da ciência e da técnica, aponta Francisco Ferreira, “se não tivermos a legislação e todo um conjunto de opções que incluam estratégias, prioridades, e financiamentos, não conseguimos atingir os objectivos necessários de descarbonização”.  Pelo que os incentivos “são absolutamente decisivos”. Mas, mais do que isso, o ambientalista considera que é primordial que não existam incentivos, subsídios governamentais e apoios em investimentos que vão contra a sustentabilidade e a descarbonização. Depois sim, “criar incentivos, sobretudo para criar economias de escala”. O ambientalista dá o exemplo do fotovoltaico que, numa primeira fase, teve apoios para a instalação de energias renováveis. A partir de determinada altura estes deixaram de fazer sentido, com o mercado a conseguir assegurar o rendimento dos projectos.

Este conteúdo está inserido no projecto "Descarbonização: que caminho para Portugal?", que inclui ainda case studies de empresas nacionais e uma conferência dedicada ao tema da descarbonização em Portugal.

Esta iniciativa é da responsabilidade do Estúdio P do jornal PÚBLICO e tem como parceiros: Associação Portuguesa de Energia; Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição; CIMPOR; Charge Guru; E-REDES; GALP; SAP; SONAE; VEOLIA; HYCHEM.