Angélica André
Natação de águas abertas

Leonor Alhinho (texto), Tiago Bernardo Lopes (imagem), José Carvalheiro (motion design)
29 de Julho de 2024

Apesar de competir nos 10km de águas abertas, Angélica André treina 98% do tempo em piscina. Mas nem por isso é pior. Já foi bronze nos Mundias de natação, prata na Taça da Europa. Para os Jogos Olímpicos, promete, nada mais, nada menos, que o seu melhor.

Aos três anos, no infantário, levaram-na à piscina pela primeira vez. Ia uma vez por semana e “foi aí que tudo começou”, explicou Angélica André, 29 anos, hoje uma das melhores nadadoras do mundo.

Por isso, quando os pais lhe perguntaram que desporto queria fazer “para não estar sempre enfiada no ambiente de bairro”, a escolha foi fácil. “Eles queriam que saíssemos dali, que eu e os meus irmãos tivéssemos mais disciplina e hábitos. Escolhi logo a natação”, contou a atleta de Matosinhos. Passou 13 anos no Leixões Sport Club, oito no Clube Fluvial Portuense. Há três anos, juntou-se ao Futebol Clube do Porto.

Todos os nadadores de águas abertas começam pela natação "pura"

Angélica André

A opção por águas abertas não surgiu por “nada em particular”. Como todos os nadadores desta prova, começou pela natação pura. No entanto, as chamadas cada vez mais frequentes à selecção nacional, consequência de excelentes resultados, fizeram-na tomar uma decisão. Desde então já estabeleceu 24 recordes nacionais individuais.

A sua primeira internacionalização em águas abertas foi em 2012, num Europeu de Juniores, disputado na Turquia e conseguiu o 12º lugar. Em Fevereiro deste ano, precisava de terminar entre as 16 primeiras, no Mundial em Doha. Ficou em terceiro lugar, a 1.40 segundos da atleta neerlandesa Sharon Van Rouwendaal. O feito carimbou-lhe o passaporte para os Jogos Olímpicos de Paris 2024.

A grande característica de um nadador de águas abertas é a sua capacidade de se adaptar a tudo

José Borges

Sobre o objectivo para a grande competição é determinada. “Conseguir um lugar acima do 17º”, posição que ocupou nos Jogos Olímpicos de Tóquio de 2020, jogados em 2021. Mostra-se confiante com esse objectivo. Afinal, sente ter uma nova preparação física e mental e promete uma só coisa: o seu melhor.

24h de esforço, 115 quilómetros de resultado

Ao nível da preparação física não restam dúvidas. Aliás, o seu horário cansa só de pensar. Do momento em que acorda, às 5h40 da manhã, até adormecer, treina duas vezes na piscina, uma vez no ginásio, faz uma sessão de fisioterapia (outras vezes, criogenia ou acupuntura) e ainda arranja tempo para se dedicar às aulas do Mestrado em Condição Física. São 15 treinos semanais, 10 dos quais na água. No final de uma semana, nadou entre 90 e 115 quilómetros.

Dos treinos às competições é fielmente acompanhada pelo seu treinador José Borges, que acumula quase 40 anos de experiência, mas só três deles com a Angélica. O percurso em conjunto começou a pedido da atleta.

Aos 29 anos de idade ter motivação para esta rotina, que é muito dura, é notável

José Borges

Sobre treinar a Angélica, confessa ser um assunto paradoxal. Por um lado, admite que é fácil, porque a exigência de ambos é semelhante. Por outro, assume que treinar uma atleta que está constantemente no top 10 mundial exige uma enormíssima carga de trabalho. “É altamente desafiante, mas muito recompensador”, rematou.

Paira, naturalmente, uma questão no ar: Por que é que uma nadadora de águas abertas treina a grande maioria das vezes na piscina? A resposta assenta numa palavra-chave: a experiência.

Partida dos 10 km numa etapa
da Taça da Europa 2024, em Barcelona

Angélica André ultrapassa três atletas pela esquerda
e conquista a medalha de prata

Nas provas de águas abertas, em rio, mar ou lago, as condições variam, maioritariamente, na temperatura e ondulação. No entanto, esse aspecto não incomoda José Borges: “Na prática, ela já tem essa experiência toda, não vai encontrar situações que não conhece”. E se a possibilidade de encontrar condições agrestes não incomoda o treinador, muito menos a atleta.

Quanto pior, melhor

Angélica André destaca-se, sobretudo, por gostar de condições complicadas. Sabe que é contraditório, mas admite que gosta de “mais ondas e mais frio”. A principal razão para a preferência é o facto de considerar que, em condições semelhantes à da piscina “todas se conseguem adaptar” e, por isso, reconhece a sua vantagem no ambiente menos favorável.

José Borges acredita que a qualidade de um nadador de águas abertas está na sua capacidade de adaptação. Afinal, nos Jogos Olímpicos estarão algumas das melhores nadadoras do mundo e “ganhará aquela que se adaptar mais rápido às condições”.

Em condições mais adversas nem todas as nadadoras se conseguem adaptar. São as condições que eu gosto mais

Angélica André

Os treinos em piscina passam pela resistência aeróbica (a capacidade de fazer esforço de intensidade média num grande período de tempo), a resistência anaeróbica (esforço intenso em períodos de tempo curtos), mas também pela velocidade. O maior desafio, no entanto, foi “fazer com que a Angélica interiorizasse que treinava tanto como as outras, que estava ao nível das outras e que podia competir por medalhas”, admitiu José Borges.

Apesar de confiar na capacidade de Angélica para lutar pelo pódio, o técnico do FC Porto prefere não falar em metas concretas para os Jogos Olímpicos. Quer, de facto, uma melhor posição do que a conseguida em Tóquio, mas ficará feliz “se a vir a sorrir quando chegar à meta” porque sabe o grau de exigência que Angélica coloca em si mesma.

Antes da meta, há um longo percurso para percorrer. Dentro deste, a preferência da atleta recai nos últimos dois quilómetros. A parte inicial exige “mais concentração, paciência e controlo de emoções”. “Tenho de ir concentrada em todos os aspetos, seguir o que está planeado, tentar ir à frente, mas não a liderar a prova e focar-me em contornar as nadadoras”, disse Angélica sobre o início da dos dez quilómetros.

Opta por não liderar a prova por isso implicar um maior desgaste físico. “Assim como no ciclismo falam em cortar o vento, se eu for a primeira vou a cortar a água”, exemplificou.

Depois de oito quilómetros consistente e certeira, no final tudo muda. A atleta aguerrida esquece todos os aspetos técnicos e táticos. A prova já ganhou o ritmo que tinha a ganhar e, nos últimos momentos, já só resta “trabalhar com o coração”.

Se ela sair da água com um sorriso, para mim atingiu o objectivo

José Borges

No dia 8 de Agosto, às 6:30h nacionais, Angélica André estará a saltar da Ponte Alexandre III para o Sena e competirá na prova olímpica de 10 quilómetros de natação de águas abertas. Por cá, resta-nos desejar condições agrestes e aguardar com o coração.

Créditos

Reportagem
Leonor Alhinho
Tiago Bernardo Lopes

Motion design
José Carvalheiro

Desenvolvimento web
Francisco Lopes

Direcção de arte
Sónia Matos

Agradecimento
Hugo Gomes