A indústria na rota da transição
O sector industrial representa um dos maiores consumidores de energia, com um potencial gigante de eficiência. Mas porque tarda a descarbonização da indústria? E que tecnologias e inovação podem acelerar este processo?
Pesados motores eléctricos, linhas de montagem, produção de calor e frio, consumo elevado de combustível, grandes naves industriais com centenas de lâmpadas… Nas suas várias vertentes, a indústria é um peso-pesado no consumo de energia. E, ao todo, representa um quarto de todo o consumo de energia final na União Europeia.
A descarbonização e transição energética do sector são fundamentais para cumprir as metas europeias de neutralidade carbónica em 2050, os objectivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas e, de forma geral, acelerar o rumo para um planeta mais sustentável.
Por outro lado, optimizar o consumo de energia é também uma questão de poupança. Com equipamentos mais eficientes, reduzem-se os custos para as empresas – que assim aumentam em competitividade e diferenciação.
Objectivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU
Até 2030, as Nações Unidas estabeleceram como objectivo: modernizar as infra-estruturas e reequipar as indústrias para as tornar sustentáveis, com uma maior eficiência na utilização dos recursos e uma maior adopção de tecnologias e processos industriais limpos e ecológicos.
Todos os países devem tomar medidas de acordo com as respectivas capacidades.
Este é, no entanto, um tema complexo. A indústria é uma consumidora intensiva de energia e, por isso mesmo, a sua descarbonização assume desafios que não existem, por exemplo, na transição energética das casas. São necessárias soluções fiáveis, inteligentes e inovadoras que apoiem este caminho.
Mas em que fase estamos nesta rota de descarbonização?
Menos consumos, com predomínio dos combustíveis fósseis
A indústria é o terceiro maior consumidor de energia final na União Europeia (25%), segundo os dados mais recentes do Eurostat, apenas ultrapassada pelos transportes (31%) e pelo sector residencial (27%).
Consumo de energia final na União Europeia
Fonte: Eurostat, dados de 2022
Entre 2007 e 2022, o consumo de energia pela indústria europeia diminuiu 17,5%, mas os dados mostram que ainda há um longo caminho para diminuir a dependência da indústria dos combustíveis fósseis.
Os combustíveis fósseis representaram ligeiramente mais de metade do consumo de energia final na indústria europeia, em 2022: 50,4%, somando gás natural, produtos petrolíferos, combustíveis sólidos fósseis e resíduos não-renováveis. No entanto, esta dependência vai ainda mais longe, tendo em conta que a electricidade e o calor usados têm também uma componente fóssil na sua produção.
Consumo de energia final na indústria europeia por produto energético
Fonte: Eurostat, dados de 2022
Entre os vários sectores industriais, a indústria química e petroquímica é a consumidora mais intensa de energia.
Que indústrias europeias consomem mais energia?
1.º lugar
Indústria química e petroquímica
2.º lugar
Indústria de minerais não-metálicos
3.º lugar
Indústria do papel, polpa de papel e impressão
E em Portugal?
Segundo dados da Direcção-Geral de Energia e Geologia, a indústria nacional continua a ser o segundo maior consumidor de energia final, a seguir ao sector dos transportes, uma tendência registada nos últimos anos.
O consumo energético tem vindo a declinar gradualmente: em 10 anos (entre 2012 e 2022), o consumo de energia final por parte da indústria diminuiu 3,5%.
Acelerar a descarbonização
A pesada pegada energética da indústria torna-a num dos sectores mais desafiantes em termos de descarbonização e eficiência energética. As alternativas sustentáveis, de baixo carbono, para processos e equipamentos industriais continuam a ser, em muitos casos, ainda pouco competitivos, dispendiosos ou ainda em fase de desenvolvimento tecnológico, reforça a Agência Internacional de Energia.
Além disso, os equipamentos industriais têm habitualmente um ciclo de vida longo, com menor necessidade de substituição/renovação.
Os principais desafios passam por dar respostas tecnológicas a processos de elevada intensidade energética, como os que envolvem reacções químicas e a produção de calor a elevadas temperaturas.
Uma indústria a renováveis?
Apesar de representarem uma menor fatia dos produtos energéticos usados pela indústria – e de algumas das limitações que ainda existem em termos de custos, eficiência e fiabilidade em algumas tecnologias –, as fontes de energia renováveis tem um papel importante na descarbonização do sector.
Algumas tecnologias renováveis a ser adoptadas na indústria podem ser: a electricidade renovável; a biomassa e biogás (com origem em matérias/resíduos de origem renovável); o solar térmico; a energio geotérmica; o hidrogénio verde (produzido a partir de electricidade de fontes renováveis); e a tecnologia electromagnética.
A par da tecnologia de produção energética, a adopção de renováveis na indústria implica também o desenvolvimento e adopção de soluções eficazes de armazenamento (incluindo baterias) e soluções avançadas de controlo e gestão da procura energética.
Oportunidades de inovação
O aceleramento da inovação e a criação de alternativas de transição para melhorias de curto e médio prazo são aspectos cruciais de uma nova era da indústria.
Conheça algumas das oportunidades de inovação que estão a ser exploradas.
Novos combustíveis:
hidrogénio verde e HVO
Pequenos passos para uma meta maior? Este parece ser um papel potencial dos novos combustíveis de transição que estão a ser desenvolvidos como alternativa aos combustíveis fósseis tradicionais e que podem ser um passo intermédio na redução das emissões enquanto a electrificação e outros projectos mais complexos não amadurecem tecnologicamente para abraçar as desafiantes necessidades industriais.
Que tipo de combustíveis são estes? Projectos de combustíveis sintéticos…
…como é o caso do hidrogénio verde (que pode ser uma alternativa ao hidrogénio produzido com origem fóssil e que é hoje muito usado como fonte de energia para os processos industriais)…
… e do biocombustível HVO (Hydrotreated Vegetable Oil), 100% renovável e à base de resíduos de óleos alimentares, gorduras e outras matérias de base sustentável.
Capturar o carbono emitido
Além de investir na transição de processos e equipamentos, descarbonizar a indústria também pode passar pela captura e sequestro do dióxido de carbono (CCS) produzido – antes que este seja libertado na atmosfera.
As tecnologias de captura e sequestro do dióxido de carbono (CCS) permitem capturar o dióxido de carbono no momento da emissão, transformá-lo e armazená-lo em profundidade.
Actualmente, e de acordo com o relatório 2024 do Global CCS Institute, a capacidade global de captura e armazenamento é de 49 milhões de tonelada por ano (Mtpa) em projectos em operação – ou 361 Mtpa se juntarmos os projectos nas várias fases de desenvolvimento, construção e operação.
Existem 41 unidades de captura e sequestro do dióxido de carbono (CCS) em funcionamento no mundo, sendo que, por país, os Estados Unidos da América assumem a posição dianteira.
CCS isolado ou em rede?
Historicamente, os projectos de captura e sequestro de carbono eram desenvolvidos de forma isolada: uma única unidade de captura, com os respectivos sistemas de armazenamento.
No entanto, os projectos isolados estão a dar lugar, cada vez mais, a CCS em rede. Num desenho em rede, as unidades de captura partilham entre si infra-estruturas de transporte e armazenamento.
41 unidades de CCS
(captura e sequestro do dióxido de carbono)
em operação, a nível mundial, em 2023.
Fonte: Global CCS Institute, 2024 Report
26 unidades de CCS
em construção por todo o mundo.
Fonte: Global CCS Institute, 2024 Report
121 unidades de CCS
em desenvolvimento avançado um pouco por todo o mundo.
Fonte: Global CCS Institute, 2024 Report
204 unidades de CCS
em desenvolvimento inicial, a nível global.
Fonte: Global CCS Institute, 2024 Report
Medidas de eficiência energética
Outra das rotas de transição energética da indústria passa pela redução dos consumos, tirando partido de tecnologias mais eficientes.
Esta adopção de medidas de eficiência já está a ser abraçada por um vasto leque de empresas, em menor ou maior escala. Da conversão de motores à substituição da luminária, passando pela introdução de inteligência artificial para a gestão eficiente dos consumos, a indústria está, a pouco e pouco, a adoptar novos comportamentos e sistemas rumo à sustentabilidade,
Um relatório de 2024 da ABB, no âmbito do seu Energy Efficiency Movement, demonstrou que 99% das empresas já estão a investir ou a planear investir em formas de tornar o seu consumo de energia mais eficiente. Além disso, o número de empresas que estão activamente a investir nesta dimensão aumentou em 7%, nos últimos dois anos.
Algumas medidas de eficiência energética transversais para a indústria podem ser:
* Adopção de iluminação LED
* Redes inteligentes
* Sistemas de controlo inteligente para gestão de consumos
* Combustíveis alternativos
* Optimização e substituição de motores
* Variadores Electrónicos de Velocidade (VEV)
* Tecnologias de combustão com ar a temperaturas elevadas (HiTAC)
* Fornalhas e fornos com maior eficiência
* Recuperação de calor
* Sistemas eficientes de refrigeração (acumulação térmica ou utilização de novos fluídos criogénicos, por exemplo)
Uma indústria que quer fazer melhor
Nos vários sectores, as empresas nacionais dão provas de que os compromissos com a descarbonização e eficiência energética são para levar a sério.
Objectivos e planos ambiciosos estão a ser desenvolvidos, com resultados que contribuem também para as próprias metas nacionais no consumo de energia e redução de emissões. Explore alguns exemplos.
Produzir cerâmica com o apoio das renováveis
A Dominó Cerâmicas, uma empresa de Condeixa-a-Nova, implementou uma central de autoconsumo solar e um projecto de isolamentos térmicos no processo de secagem. O resultado deste último?
95%
a menos de perdas térmicas.
Uma das indústrias mais poluentes ambiciona corte de mais de 30% nas emissões
As cimenteiras são das indústrias nacionais mais poluentes. Para enfrentar esta realidade e mitigar o impacto das operações, a Cimpor tem em curso um Plano de Descarbonização para reduzir as emissões em cerca de 37% até 2030, com um investimento de 150 milhões de euros. O projecto implica o recurso a medidas de eficiência energética, combustíveis alternativos e biomassas, mas também outras tecnologias emergentes, como a captura e sequestro de dióxido de carbono.
2050
O ano em que se pretende atingir a neutralidade carbónica.
Sines: da refinaria para pólo de energia verde
A Galp Energia está a investir na reconversão da refinaria de Sines para a produção de biocombustíveis e hidrogénio verde, com entrada prevista de operações até ao final de 2025. Este é um dos pilares centrais da estratégia de descarbonização da empresa. O objectivo global da Galp Energia pretende reduzir emissões em 40% até 2030, com a meta da neutralidade carbónica para 2050.
Preparar o futuro
A ritmos diferentes, os principais blocos económicos apontam diferentes metas de descarbonização e transição energética da economia.
Os Estados Unidos, na presidência Biden, assumiram um compromisso de electricidade 100% limpa em 2035 e uma transição para a neutralidade carbónica até 2050. A China exibe um roadmap mais dilatado: assume um pico de emissões antes de 2030 e, a partir daí, um plano de neutralidade carbónica até 2060.
Já a União Europeia mantém as ambições de ser pioneiro no combate climático, englobando a indústria nos seus objectivos claros: até 2030, é necessário reduzir 11,7% do consumo de energia final (em comparação com as projecções para esse ano). Entre 2024 e 2030, os Estados-Membros precisam de assegurar uma poupança energética anual a um ritmo de 1,49%, indústria incluída. Tudo isto como preparativo para o objectivo maior de que, em 2050, a União Europeia possa ser uma economia neutra em carbono.
Em paralelo, a revisão da Directiva Energias Renováveis prevê medidas específicas para o sector industrial.
Até 2030, é obrigatório que o sector chegue a uma integração de 42% de hidrogénio renovável no consumo total de hidrogénio. Em 2035, esse contributo renovável terá de ser de 60%. Além disso, existe também a meta indicativa de um aumento médio anual de 1,6 pontos percentuais nas fontes renováveis.
Metas europeias
42%
de incorporação de hidrogénio renovável na indústria
até 2030
11,7%
de redução no consumo de energia final
até 2030
Neutralidade carbónica
até 2050
Que importância podem ter estas metas e políticas governamentais?
Trata-se, sobretudo, de um impulsionador à descarbonização, num contexto em que há ainda um caminho exigente para o desenvolvimento e amadurecimento de tecnologias competitivas de produção de baixo carbono, renováveis e de eficiência energética.
Essa é também a perspectiva da Agência Internacional de Energia, que defende “políticas governamentais mais fortes”, sobretudo em termos de redução de emissões.
A par da regulação e das metas, os incentivos também podem representar um papel importante neste puzzle de aceleração da descarbonização. De destacar, a esse propósito, que o Plano de Recuperação e Resiliência para a Transição Climática estabeleceu como pilar o apoio à descarbonização da indústria, com uma verba acima dos 800 milhões de euros.
Este conteúdo está inserido no projecto "Descarbonização: que caminho para Portugal?", que inclui ainda case studies de empresas nacionais e uma conferência dedicada ao tema da descarbonização em Portugal.
Esta iniciativa é da responsabilidade do Estúdio P do jornal PÚBLICO e tem como parceiros: Associação Portuguesa de Energia; Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição;
E-REDES; GALP; SONAE; VEOLIA; HYCHEM.