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PROVEDOR DO LEITOR DO PÚBLICO
 
Rui Araújo é o actual Provedor do Leitor
Tomou posse a 1 de Janeiro de 2006
 

O OVO DA SERPENTE
Por Rui Araújo

A secção Blogues em Papel, do P2, intitulada “Vandalização de cemitério judaico” (9/10/2007) motivou uma reclamação.

“Venho apresentar o meu mais veemente protesto pelo facto de o PÚBLICO divulgar blogues racistas de extrema-direita que procuram confundir criminosos com pretos. O PÚBLICO reproduz o texto do blogue Lusitânea (http://cobracascavel007.blogspot.com): ‘Mais valor do que um morto português’.

É um artigo pouco dignificante que ultrapassa, decididamente, os limites do aceitável, mas... Agora, ao consultar o referido blogue, deparo-me com um artigo de teor racista, onde se lê explicitamente: ‘Enquanto que o estado, com os meus impostos subsidia uma longa lista de organizações que visam acolher, defender e integrar os descamisados do mundo, quase com ameaças a quem disso discordar, entre os quais vêm como a experiência demonstra, muitos criminosos e assassinos.’

Só posso concluir uma de duas coisas: ou o PÚBLICO alberga nos seus quadros indivíduos que incitam ao racismo, ou tem consigo incompetentes e desleixados. Como não acredito nesta segunda hipótese, sugiro que vejam bem quem têm a trabalhar convosco.

Deixo um pedido: por favor, leia o artigo intitulado ‘Portugal a cloaca do mundo’, que tenta dar a entender (implicitamente) que não deveríamos ter pretos entre nós, como se entre os brancos não houvesse criminosos. Verá que não há exagero da minha parte”, escreve N., um leitor de Santarém que solicitou o anonimato.

O Lusitânea contém essencialmente textos (repletos de erros de português e de gralhas) sobre política, criminalidade, propaganda do Partido Nacional Renovador (PNR) e fotografias de mulheres nuas.

Eis os objectivos do referido blogue
: “Bota-abaixo para tudo o que seja escumalha e abandalhador da NAÇÃO. Sem interesses particulares a defender. Apesar de tudo obscuro, não invejoso, defensor das hierarquias meritórias, sem loja, partido e até religião embora estatisticamente católico. Implacável para inimigos e cumpridor de promessas. De certa maneira adepto do olho por olho...

O perfil do autor anónimo do Lusitânea é esclarecedor:Adepto do portuguesismo baseado ÚNICAMENTE em laços sanguíneos. Portanto visceralmente contra o multiculturalismo baco originador do maior dos males da nossa história futura.

Solicitei, portanto, um esclarecimento a José Manuel Fernandes.

“Vale a pela, antes do mais, recordar a filosofia da secção Blogues em Papel. Ela não se destina a ‘divulgar blogues’, antes a seleccionar de entre os milhares de blogues que existem passagens reveladoras de todo o tipo de formas de pensar e de intervir nesse espaço de todos que é a blogosfera. Para o melhor e para o pior.

Por isso, todos os dias se escolhe um tema de actualidade e procura-se, nos blogues, o que foi escrito sobre ele.

No dia em questão o tema escolhido foi o da cerimónia que decorreu no cemitério israelita de Lisboa, cerimónia de repúdio pela sua profanação por grupos neonazis. O PÚBLICO deu a tal cerimónia grande relevo (que passou por lhe dedicar a foto de primeira página) e eu próprio, que estava encarregue do fecho daquela edição, desloquei-me ao local e, depois, escrevi um editorial sobre cujo sentido julgo ser difícil ter dúvidas.

Entre os diferentes extractos de posts editados no dia 9 de Outubro, encontrava-se o seguinte: ‘Tanto governante e político a desagravar uma indignidade criminosa que, contudo, temos que comparar com aqueles mortos excombatentes abandonados nos sertões africanos onde tudo é possível e onde ninguém se queixa. Portanto os nossos mortos são uma merda comparados com mortos judeus. Somos inferiores e quem o diz são os representantes e governantes eleitos pelos portugueses. Ao desvalorizarem, pelo abandono, os nossos mortos e se encarneiram neste tipo de desagravos só podemos concluir que deviam andar a governar noutras paragens...

O post fora retirado do blogue http://cobracascavel007.blogspot.com, e não seria necessário ler muitos outros textos desse blogue para se perceber que o seu autor, apesar da muita confusão que lhe deve ir na cabeça, ao revelar, no seu perfil, que os seus livros preferidos são os de Sun Tzu, Maquiavel, Clausewitz e António Sérgio (uf!), é seguramente um personagem de extrema-direita, ‘nacionalista’ como se apresenta, racista e anti-semita, como se deduz do que escreve.

Contudo, pessoas que pensam assim existem. Tanto existem que o cemitério judaico foi profanado. Ora, existindo, é necessário que se saiba isso mesmo: que existem, não são invenções. E que utilizam espaços como a blogosfera, para espalhar as suas ideias. Pessoalmente, acho-as detestáveis, mas isso nunca justificaria omiti-las. Como director do jornal, entendo que existe a obrigação de, ao revelar que existem, permitir que os leitores ajuízem. Isso é informar, não é propagandear. O jornal dá conta do que se escreveu, naquele dia, naquele blogue: informa. O mesmo jornal reflecte sobre o fenómeno em editorial: ajuda o leitor a pensar.

É assim que entendo o jornalismo e a liberdade de expressão: não se omite o que existe, mesmo que não apreciemos o que vemos, ouvimos ou lemos; não se omite o que se pensa, mesmo que não se pretenda endoutrinar ninguém, antes suscitar o debate, a reflexão e também a atenção relativamente a fenómenos extremistas. Mais: se fosse explorar até aos limites o que se escreve em cada um dos blogues citados naquele dia, encontraria facilmente muitas outras barbaridades, algumas de sinal oposto (dei-me a esse trabalho, para responder ao provedor). Mas, no PÚBLICO, se não publica uns e omite outros em função daquilo que pensamos: permite-se ao leitor ajuizar. Foi o que fez este leitor. Bem, a meu ver. Mais: e ainda bem que tomou conhecimento da existência daquele blogue, sobretudo se entende que as ideias nele defendidas são perigosas. Tem uma oportunidade de as combater, não impedindo-as de se exprimir, mas explicando como são terrivelmente erradas.

É assim que actuam os que acreditam na democracia e na liberdade: lutam pelas suas ideias em terreno aberto, não tentam amordaçar as ideias diferentes. Até porque isso é perigoso, como o passado sobejamente prova. É melhor saber onde está o ovo da serpente do que fingir que ele não existe...”, respondeu o director do PÚBLICO.

O Lusitânea confunde ideias e géneros. É, decididamente, um blogue anti-social. Os comentários apresentados não deixam margem para dúvidas:

Eu acho sinceramente que Portugal precisa urgentemente duma nova PIDE face à desagregação nacional e ao abandalhamento das instituições, o que a não ser feito vai mais tarde ser muito mais doloroso...

A malta do antigamente só está à espera do momento fatal do total desmoronamento desta bandalheira democrática... gays, lésbicas, aborto, anticlericalismo militante, desemprego, imigração descontrolada, nacionalização de qualquer bicho careta que aqui apareça.

É importante situar a divulgação do blogue Lusitânea no seu contexto: trata-se de uma secção específica (cuja existência é, talvez, questionável) do PÚBLICO onde são publicadas, prioritariamente, ideias contraditórias e, por vezes, antagónicas.

O Lusitânea é revelador do mal-estar profundo sentido por parte do tecido social português: espelha os temores dos que se sentem desprotegidos, marginalizados, excluídos, ou até, por vezes, defraudados, os cidadãos mais permeáveis às ideologias da frustração.
É possível que o leitor possa ter razão quanto à forma, mas quanto ao fundo um “outro valor mais elevado
se levanta”: o da liberdade de expressão, um dos pilares fundamentais das sociedades democráticas. E esse valor prevalece. Mesmo quando dá voz aos adversários da democracia, está a respeitar a essência dessa mesma democracia.
Assim sendo, os argumentos de José Manuel Fernandes são aqueles com os quais o provedor se identifica.

 
ACTUAL PROVEDOR DOS LEITORES DO PÚBLICO
- Rui Araújo
Provedor do Leitor desde 1 de Janeiro de 2006
 
ANTERIORES PROVEDORES DOS LEITORES DO PÚBLICO

- Joaquim Furtado
Provedor do Leitor de 1 de Janeiro de 2004 a 1 de Dezembro de 2004

- Joaquim Fidalgo
Provedor do Leitor de 3 de Outubro de 1999 a 30 de Setembro de 2001

- Jorge Wemans
Provedor do Leitor de 23 de Fevereiro de 1997 a 1 de Março de 1998

 
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