RALAÇÕES PÚBLICAS
Por Rui Araújo
“O PÚBLICO noticiou no passado sábado (10/03/2007) os planos para o futuro da Universidade de Évora.
Confesso ter ficado boquiaberto pelo facto da notícia ser assinada por uma jornalista que, pelo menos uma semana antes, ainda estava a fazer assessoria para a mesma Universidade de Évora.
Nada me move contra a senhora.
Mas face a este caso, que conheço, que garantias posso ter, leitor assíduo do jornal desde a sua fundação, que por exemplo uma notícia sobre o ministro X não é feita por alguém que dois dias antes o estava a assessorar?
Não seria de ponderar um período temporal de algum afastamento entre a assessoria e a prática do jornalismo?”, escreve José António Oliveira, um leitor de Évora.
Maria Antónia Zacarias escreveu um texto sobre a Universidade de Évora (onde prestara serviços de assessoria no Gabinete de Relações Públicas).
Os reparos e as perguntas do leitor são, portanto, pertinentes.
Solicitei esclarecimentos à correspondente do PÚBLICO.
“Respondendo às suas questões, quero esclarecer que fui eu quem propôs o trabalho ao editor Carlos Filipe. No que concerne ao facto do editor saber ou não que eu estava no Gabinete de Relações Públicas da Universidade de Évora, esclareço que o meu primeiro contacto foi com o jornalista Tiago Luz, até então editor do local, a quem enviei o meu curriculum em Junho ou Julho de 2006. Quando o jornalista Carlos Filipe assumiu o lugar de editor do local, o jornalista Tiago Luz disse-me que tinha passado o meu processo para o jornalista Carlos Filipe. No meu curriculum, mais precisamente no item Desempenho de Funções, está escrito o meu percurso profissional, no qual faço referência ao gabinete onde desempenhava funções. Gostaria ainda de recordar que a lei é omissa no que concerne à existência de um período de tempo em que um assessor, deixando de o ser, e voltando ao jornalismo, deve ou não estar sem escrever sobre a instituição que estava a assessorar”, respondeu.
O provedor considera que Maria Antónia Zacarias não devia ter proposto o artigo – para evitar quaisquer dúvidas e ambiguidades.
Maria Antónia Zacarias refugia-se na ausência de legislação quando o problema, aqui, é de ordem ética.
O jornalista Tiago Luz devia, por outro lado, ter comunicado o percurso da correspondente ao novo editor.
Pedi explicações ao editor Carlos Filipe.
Como explica o facto de uma ex-assessora de Relações Públicas escrever notícias sobre a instituição onde colaborara?
“Pelo simples facto de se ter procedido a uma reestruturação nas chefias das editorais do PÚBLICO quando estava em curso um processo de ‘contratação’ da correspondente. Na passagem de testemunho não foi acautelada a situação – o facto de a correspondente ter colaborado com a instituição, ainda que já tivesse terminado esse vínculo há já algum tempo. Se essa coordenação tivesse sido feita de outra forma, a correspondente não teria sido escalada para esse serviço. Lamento, porém, o sucedido, se tenha dado a entender a utilização de métodos pouco claros no PÚBLICO. Todavia, não foi detectado o mais pequeno indício de falta de lisura por parte da jornalista. Foram cumpridos os critérios que norteiam a profissão. De outra forma, o texto não teria sido editado”, respondeu.
As explicações do editor do PÚBLICO não são aceitáveis.
Carlos Filipe reconhece que “não foi acautelada a situação – o facto de a correspondente ter colaborado com a instituição, ainda que já tivesse terminado esse vínculo há já algum tempo”.
A formulação “há já algum tempo” significa dez dias.
Maria Antónia Zacarias não foi, por outro lado, “escalada” para esse “serviço”. Foi ela quem tomou a iniciativa de propor o “serviço”. É diferente.
O editor afirma ainda que “não foi detectado o mais pequeno indício de falta de lisura por parte da jornalista. Foram cumpridos os critérios que norteiam a profissão. De outra forma, o texto não teria sido editado.”
O editor Carlos Filipe não contesta, portanto, o facto de uma ex-relações públicas escrever notícias sobre a instituição onde colaborava dez dias antes.
O provedor discorda mais uma vez da argumentação.
A correspondente só reproduz no texto (“Évora vira-se para o Sul e para cursos da terceira geração – Universidade cria a Academia do Sul, novos cursos e fomenta pioneirismo nas parcerias com o mundo empresarial”) declarações do reitor da universidade onde foi assessora e não questiona nada nem ninguém.
É uma opção que contraria os “os critérios que norteiam a profissão”, a começar pelos princípios definidos no próprio Livro de Estilo do PÚBLICO (páginas 22 e 23): “princípio do contraditório” e eventualmente “independência a poderes particulares”.
Perguntei ao editor Carlos Filipe qual a prática adoptada pelo PÚBLICO relativamente a ex-assessores de imprensa e a ex-relações públicas.
“É assunto que (se não estou em erro) não consta de forma clara e inequívoca no Livro de Estilo. E só tenho uma palavra para descrever o comportamento jornalístico da correspondente: irrepreensível!”
O Livro de Estilo apenas refere (pág. 31, artigo 58) que “o jornalista do PÚBLICO não deve tratar de temas sobre os quais tenha interesses particulares. Um envolvimento pessoal (partidário, clubístico, artístico, cultural ou qualquer outro) nos assuntos e matérias tratados contra-indicam a atribuição de um serviço sobre esses mesmos temas.”
O provedor considera que o Livro de Estilo do PÚBLICO não é suficientemente esclarecedor nesta matéria.
O Código Deontológico do semanário francês Le Point (de que o provedor é colaborador, nota do provedor), por exemplo, estipula que “quando (o jornalista) cessou de pertencer à empresa ou à instituição, continua a estar proibido de tratar temas relacionados com a sua ex-actividade”. É uma formulação clara, simples e precisa.
Solicitei esclarecimentos a José Manuel Fernandes.
PROVEDOR: Há ex-assessores de gabinetes de Relações Públicas a escrever notícias sobre as instituições onde trabalharam. Qual é a política editorial do PÚBLICO?
DIRECTOR: A política do PÚBLICO é clara: não podem fazê-lo. Não podem fazê-lo nunca? Não podem pelo menos durante um período suficientemente largo de tempo para que deixe de haver qualquer potencial conflito de interesses, o que pode significar vários anos. Por princípio o jornal não aceita conceder licenças sem vencimento a jornalistas para irem desempenhar cargos de assessoria: quem opta por aceitar um convite desse tipo tem de pedir a rescisão do seu contrato de trabalho. A única vez em que um jornalista do quadro do jornal, depois de ter sido assessor num partido político, pode regressar ao jornal foi colocado numa secção sem qualquer relação com a secção de Política. Mesmo assim a experiência não foi boa e não tencionamos repeti-la.
Das duas uma: Maria Antónia Zacarias ignora as regras ou considerou (à semelhança do editor) que dez dias é um “período suficiente largo de tempo”.
PROVEDOR: Como explica o facto de Maria Antónia Zacarias escrever sobre a instituição onde era assessora menos de duas semanas antes?
DIRECTOR: O que apurei sobre o caso em concreto foi o seguinte: Maria Antónia Zacarias é correspondente do jornal em Évora em regime de colaboração à peça. É, portanto, uma colaboradora ocasional. Tinha começado a escrever para o PÚBLICO pouco tempo antes da saída do texto referido sendo que, entretanto, o editor da secção Local Lisboa, Carlos Filipe, onde o texto foi publicado, acabara de entrar em funções. O acordo de colaboração tinha sido iniciado pelo anterior editor, Tiago Luz Pedro. Na “passagem de testemunho”, que coincidiu com a reformulação do jornal, o anterior editor não informou o novo editor das funções de assessoria que a jornalista tinha desempenhado. A peça em causa, uma pequena notícia factual e neutra, não levantou ao editor qualquer dúvida. Quando fomos alertados para a situação por via do Provedor e da queixa que lhe chegou, foi considerado que tínhamos cometido um erro. Verificámos que Maria Antónia Zacarias não actuara de má fé, não só por ter considerado que a notícia era inócua e neutra relativamente à Universidade de Évora, quer por desconhecer as regras do jornal, onde acabara de começar a colaborar. Ficou estabelecido que não voltaria a escrever qualquer notícia que envolvesse a instituição onde havia sido assessora, podendo alertar a redacção para matérias noticiosas eventualmente relevantes as quais seriam, depois, tratadas por outro jornalista se a avaliação do editor fosse a de que mereciam mesmo ser tratadas no jornal.
As explicações de José Manuel Fernandes são claras, apesar de o provedor considerar que as notícias não são “inócuas” e muito menos “neutras”.
A melhor forma de lidar com casos como este é a transparência.
Em última análise o PÚBLICO devia ter indicado aos leitores que a correspondente tinha exercido funções de assessora na instituição sobre a qual escrevia.
Um dos princípios do jornalismo (e não só) é a transparência, definitivamente. |