UMA FORMA DE PLÁGIO (EPÍLOGO)
Por Rui Araújo
Clara Barata enviou ao provedor duas mensagens (“com cópia para o director”).
“Acabei de ler o seu artigo. Vejo que queria chegar à Wikipedia. Muito bem, posso ter usado a informação de lá, mas não me lembro minimamente disso, como já lhe disse. E não me costumo ficar pela Wikipedia para verificar os dados básicos – mas como também já disse, não vou citar todos os sítios que consultei, porque isso faz parte do trabalho do jornalista ou de quem está a procurar apurar os factos. A não ser que passemos a publicar uma bibliografia no final dos artigos.
Agora o que me irrita muito, e considero ser um trabalho preguiçoso e faltoso à verdade, é comparar-me com o Jayson Blair, que inventou reportagens, e dizer que copiei parágrafos da New Scientist sem citar as fontes.
Como lhe disse, naquela pequena peça, citava três fontes: a New Scientist, a Wired e a Nature. Desde que não esteja a tentar forçar um tema para escrever a sua crónica e arranjar um exemplo forçado, qualquer pessoa normal depreende que eu li os artigos publicados por aqueles meios, e que os cito e que usei o seu conteúdo para os escrever.
Não preciso é de dizer o sítio de onde retirei cada palavra a cada passo, o que seria não só estúpido como atrapalharia a comunicação. E também não preciso de falar em todas as fontes que consultei, que foram mais que as mencionadas – como os comunicados de imprensa e o artigo científico publicado na Nature. No decorrer de um trabalho podem-se falar e consultar inúmeras fontes que não serão citadas a não ser que seja relevante para o trabalho final.
Se o conteúdo da caixa está demasiado próximo da Wikipedia e isso não foi mencionado, lamento, mas, ao contrário da imagem que faz passar de mim, não ando a copiar o conteúdo de outros sítios e assumi-lo como meu. Até porque seria bastante estúpido, no caso de informação que pouca gente terá de cor na sua memória. Isso posso reconhecer que foi um erro que aconteceu e não devia ter acontecido. Mas se mo tivesse dito em vez de me massacrar com as citações em inglês, certamente poderia ter tido uma resposta mais adequada.
Agora quanto ao tom e ao usar-me como exemplo de plágio e desleixo, só posso dizer-lhe que o mau trabalho é seu, porque só me enviou as duas frases que cita depois de uma troca de várias mensagens, à noite, quando me disse que estava a acabar o artigo. Nunca teve a hombridade de me falar nisso antes. E ainda por cima escreve como se eu nunca citasse a New Scientist – ou qualquer outra fonte, já agora – durante todo o artigo.
Trabalho incompetente e deliberadamente enganoso é o seu, lamento dizer-lhe. E espero que na próxima crónica se corrija, nem que seja numa nota de rodapé”, escreve Clara Barata.
Eis a outra mensagem da jornalista: “O que o provedor do PÚBLICO faz nesta última crónica é um exemplo de excepção do que um jornalista nunca deve fazer: não confrontar as fontes com a informação necessária para poder dar uma resposta adequada à solicitação, e manipular a informação que detém, doseá-la, para escrever a história que tem na cabeça, sem a preocupação de a fazer corresponder aos factos/vivência de cada uma das fontes. Isto é péssimo jornalismo, aquele tipo de jornalismo que faz com que os consumidores de informação desconfiam da comunicação social. E sendo o provedor jornalista, além do rosto de ligação do jornal aos leitores, é especialmente grave”.
RESPOSTA DO PROVEDOR
Clara Barata optou por continuar a debater o acessório quando o cerne da questão é o plágio.
1 – A jornalista reconhece que pode ter usado a informação da Wikipedia, mas não se recorda “minimamente disso”. É pena (na medida em que a sua “caixa” reproduz (à excepção de oito palavras) o texto da Wikipedia.
2 – A jornalista escreve: “Considero ser um trabalho preguiçoso e faltoso à verdade é comparar-me com o Jayson Blair, que inventou reportagens, e dizer que copiei parágrafos da New Scientist sem citar as fontes .”
Foi Clara Barata quem se socorreu inicialmente do New York Times. O que o provedor escreveu é que “Jayson Blair foi obrigado a demitir-se (designadamente) por causa do plágio”. É um facto inquestionável.
A jornalista reproduziu textos da Wikipedia e da New Scientist sem mencionar a fonte e sem inserir quaisquer aspas. É outro facto inquestionável.
3 – Clara Barata escreve: “Como lhe disse, naquela pequena peça, citava rês fontes: a New Scientist, a Wired e a Nature.”
A Wikipedia não é citada uma única vez.
E a New Scientist só é mencionada no último parágrafo do artigo a propósito de uma declaração de John D’Orazio (depois de a jornalista ter reproduzido vários parágrafos sem indicar a fonte e sem colocar aspas na prosa alheia). O provedor considera que a fonte devia ter sido indicada em todos os parágrafos (anteriores) copiados (à semelhança do que devia ser feito com a Wikipedia, obviamente).
4 – A jornalista escreve: “(...) qualquer pessoa normal depreende que eu li os artigos publicados por aqueles meios, e que os cito e que usei o seu conteúdo para os escrever.”
Os leitores e o provedor não são, portanto, pessoas normais porque não depreenderam, nem no caso da “caixa” (copiada na íntegra) nem no resto do texto, que a autoria devia ser atribuída a fontes que a jornalista não menciona. É mais um argumento inaceitável.
5 – A afirmação “No decorrer de um trabalho podem-se falar e consultar inúmeras fontes que não serão citadas a não ser que seja relevante para o trabalho final” é controversa. Consultar é uma coisa (legítima). Plagiar é um erro. O artigo contém parágrafos copiados na íntegra de apenas duas fontes (não são “inúmeras”!, como pretende Clara Barata): Wikipedia e New Scientist...
6 – A jornalista escreve, por outro lado: “se o conteúdo da caixa está demasiado próximo da Wikipedia e isso não foi mencionado, lamento, mas, ao contrário da imagem que faz passar de mim, não ando a copiar o conteúdo de outros sítios e assumi-lo como meu.”
O conteúdo da caixa não está “demasiado próximo”: é a reprodução fiel e na ordem exacta do original.
7 – Clara Barata afirma: “Agora quanto ao tom e ao usar-me como exemplo de plágio e desleixo, só posso dizer-lhe que o mau trabalho é seu, porque só me enviou as duas frases que cita depois de uma troca de várias mensagens, à noite, quando me disse que estava a acabar o artigo. Nunca teve a hombridade de me falar nisso antes.”
É grave uma jornalista recorrer à mentira e à ofensa para defender o indefensável.
O provedor não enviou à jornalista duas frases, mas 13 (a quase totalidade do texto em causa). E não o fez depois de ter dito “que estava a acabar o artigo”, é outro argumento falso. Foi antes. E mais: o provedor propôs à jornalista a reformulação da sua resposta inicial e comunicou-lhe que o podia fazer até às 16h30 do dia seguinte. Não era obrigado a fazer nem uma coisa nem outra...
CRONOLOGIA
O provedor contactou a jornalista no dia 4 (10h56): “Tomo a liberdade de lhe comunicar que os elementos de que disponho apontam para a reprodução de frases e parágrafos sem indicação das fontes e sem aspas. Permita-me formular a seguinte sugestão: não quer reformular a sua resposta?”
Nessa mesma noite (20h51) o provedor contactou novamente a jornalista: “Como não respondeu à mensagem que lhe enviei esta tarde, tomo a liberdade de lhe dizer que – caso pretenda – pode enviar-me as respostas reformuladas (proposta minha) sobre os artigos "Em busca do autobronzeador ideal" + "Os efeitos de UVA e UVB" até amanhã, sexta-feira – posso esperar até às 16h30 [do dia seguinte, nota do provedor]”.
Caso opte por não o fazer, as respostas iniciais que teve a amabilidade de me enviar serão publicadas na próxima crónica do provedor do leitor do PÚBLICO”.
Clara Barata respondeu pouco depois (21h12): “Tudo o que disse antes se mantém; quando se procura informação básica consultam-se várias fontes e comparam-se para fazer a aferição dos dados. É informação repetida de sítio para sítio, o que se procuram são os factos. Não me lembro dos sites que consultei para fazer essa caixinha mas acho completamente louco que alguém possa considerar isso plágio, como a Dulce Neto me disse que lhe falou. Não é propriamente preciso comparar citações de vários canhenhos para explicar uma escala ou uma fórmula química, que são matérias assentes em termos científicos.”
PROVEDOR – (21h15): “Publicarei então as respostas iniciais, já que tudo o que disse antes ‘se mantém’.
Permita-me formular então mais um pedido de comentário seu: quais as fontes do artigo (Em busca do autobronzeador ideal) e a razão que a levou a não as explicitar na totalidade e a não colocar as aspas nos textos alheios?”
PROVEDOR – (21h18): “Por uma questão de honestidade, permita-me comunicar-lhe o seguinte: Os dois textos seus já referidos nas anteriores mensagens contêm inúmeras frases de fontes não mencionadas.
Essas mesmas frases também não estão entre aspas. Caso pretenda complementar as suas respostas iniciais, eu aceito.”
CLARA BARATA – 21h23: “Sinceramente, não faço a menor ideia daquilo a que se refere.”
PROVEDOR – 21h29: “Eis alguns exemplos de frases polémicas:
‘Faz com que os melanócitos libertem melanina que já está produzida.’
causes release of preexisting melanin from the melanocytes (…).
[NOTA: o provedor cita 13 frases e não duas como pretende erradamente a jornalista]
Acho que dá para entender. Estas frases assinadas por si não contêm a indicação da autoria e não estão colocadas entre aspas... Não posso ajudar mais.”
PROVEDOR – 21h33: “Enviei-lhe apenas algumas frases. Há mais texto nessas condições... Caso pretenda reformular a sua resposta em relação aos dois textos, repito, aceito.
Diga-me só o que pretende fazer pf para eu dar por finda a escrita da próxima crónica do provedor com as suas respostas iniciais ou as suas respostas reformuladas.”
CLARA BARATA – 21h38: “E porque raio haviam de estar colocadas entre aspas, pergunto-lhe eu? Não me lembro minimamente de onde tirei os dados da caixa, podem ter vindo em grande parte de um sítio, não faço a mais pequena ideia, mas duvido que seja de algum autor que se sinta espoliado (porque são dados factuais, como já disse várias vezes). E as últimas frases devem estar repetidas em todas as notícias escritas sobre o assunto, mais ou menos da mesma
forma, porque são provenientes de um comunicado de imprensa. Quem quiser procurar frases e expressões iguais ou semelhantes a outras em inglês ou português encontrá-las há muito no PÚBLICO ou até no New York Times.”
PROVEDOR – 21h41: “Respeito a sua opinião, mas discordo. Esta última resposta que me facultou é o complemento da sua resposta inicial ou não prefere que não seja publicada na crónica do provedor? Caso seja o complemento de resposta, não prefere reformulá-lo? Diga-me só pf o que pretende.”
CLARA BARATA – 21h45: “E o facto de citar três fontes diferentes no texto, já agora...”
CLARA BARATA – 21h46: “Já lhe enviei o complemento reformulado, sem o ‘raio’ e uns advérbios.”
PROVEDOR – 21h47: “Se bem percebi, damos por concluídas as respostas. As respostas (incluindo este complemento) serão publicadas na próxima crónica do provedor do leitor.”
PROVEDOR – 21h49: “O problema não está nas fontes que cita, mas nas que omite.”
Na segunda mensagem a jornalista acusa o provedor de manipulador, de praticar “péssimo jornalismo”, etc. – depois de o ter tratado de “incompetente.”
Todos nós cometemos erros. É pena Clara Barata não ter reconhecido os seus, porque não tenhamos dúvidas: a honestidade e a humildade só nos enobrecem.
PS – Clara Barata indicou-me, entretanto, que as suas mensagens reproduzidas no início desta crónica “são para ignorar” por terem sido escritas “a quente” e enviou-me um documento com mais de 30.000 caracteres (praticamente o triplo do espaço desta página). Considero que a jornalista não pode invocar, por um lado, ter sido pressionada pelo provedor para responder e logo a seguir dar o dito por não dito por causa da sua alegada precipitação. O referido documento foi publicado no blogue do provedor pela direcção.
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