A FRASE A MAIS (PARTE II)
Por Rui Araújo
O leitor Miguel Sousa Tavares escreveu ao provedor por causa de um artigo publicado na edição de 25 de Outubro passado.
O provedor solicitou esclarecimentos às jornalistas Joana Gorjão Henriques e Bárbara Reis.
Eis a continuação da análise do caso.
PROVEDOR: As jornalistas que assinam o texto sobre MST não correm risco de estar a ‘amplificar e difundir uma calúnia’?
RESPOSTA DAS JORNALISTAS: Não. Isso poderia acontecer se tivéssemos publicado uma notícia apenas sobre a acusação no blogue.
COMENTÁRIO DO PROVEDOR: O problema é justamente o “apenas”. A acusação do blogue merecia no mínimo ser confirmada (designadamente através da comparação entre os dois textos). E as jornalistas não recortaram a “informação”. Aceitaram como verídicas as acusações anónimas. É uma atitude que o provedor define como pouco rigorosa e nada isenta.
PROVEDOR: Como justificam as jornalistas do PÚBLICO a afirmação: ‘Há muitas ideias parecidas e frases praticamente iguais’?
RESPOSTA: Retirada do contexto como o fez MST na sua crónica no ‘Expresso’, esta frase pode ser usada para o que se quiser. Acontece que ela aparece no contexto da descrição do blogue, não se referindo aos livros, mas ao conteúdo do blogue.
Essa frase é a última de um parágrafo de 12 linhas que descrevem, sucintamente, o conteúdo do blogue. O parágrafo é o seguinte: O blogue, que diz ser não de um único autor mas de vários, abre com a frase: “Nem todos estamos na disposição para ser enganados. Quando compramos um livro, devemos exigir que ele seja autêntico.” E a seguir, faz oito transcrições de excertos de Equador seguidas de oito traduções de ‘Freedom at Midnight’, todos com indicação de páginas mas com muitos parêntesis que indicam que alguma coisa foi cortada, não se sabendo se muitas ou poucas palavras. Há muitas ideias parecidas e frases praticamente iguais.
Ou seja, o PÚBLICO descreve o blogue e destaca dois factos:
A. A tese do blogue é a de plágio e, para defender essa tese, há no blogue “ideias parecidas e frases praticamente iguais”,
B. E há também “muitos parêntesis que indicam que alguma coisa foi cortada” pelos autores do blogue, escrevemos nós. Para sublinhar a importância do que estes parêntesis podem ter, acrescentamos ainda que não se sabe se os cortes foram de muitas ou de poucas palavras. “(...) todos com indicação de páginas mas com muitos parêntesis que indicam que alguma coisa foi cortada, não se sabendo se muitas ou poucas palavras.”
COMENTÁRIO DO PROVEDOR: As palavras são sempre passíveis de múltiplas interpretações, mas no jornalismo os factos continuam a ser sagrados. Bárbara Reis e Joana Gorjão Henriques defendem que a frase “aparece no contexto da descrição do blogue, não se referindo aos livros, mas ao conteúdo do blogue”. Teriam publicitado, portanto, a tese caluniosa do blogue sem confirmar a veracidade das acusações. Seria grave do ponto de vista ético, mas a realidade é mais preocupante porquanto a frase (Há muitas ideias parecidas e frases praticamente iguais) não é apresentada como uma citação — não está colocada entre aspas e nem sequer é referido de que se trata de uma afirmação produzida pelo(s) autor(es) do blogue. Antes transparece como um julgamento das jornalistas, o que é inaceitável.
O provedor questiona, por outro lado, o facto de o PÚBLICO ter publicado acusações formuladas num blogue anónimo (sic) sem ter previamente confrontado as mesmas com a realidade dos factos. É uma opção incorrecta do ponto de vista ético e deontológico.
PROVEDOR: Quais são as “muitas ideias parecidas”?
RESPOSTA: As descrições históricas. O que aliás fica dito no nosso texto pelo próprio Sousa Tavares: “Sousa Tavares diz que há coincidências entre as obras, que são três ou quatro personagens históricas e factos históricos, ‘o que é absolutamente banal’ já que ‘Equador’ é um romance histórico e portanto as fontes também o são”.
COMENTÁRIO DO PROVEDOR: A explicação parece — mais uma vez — inaceitável: “descrições históricas” não são “ideias”, são factos, ponto final. O Rei D. Carlos I gostava do mar, de pintar e de caçar perdizes e foi assassinado em Lisboa no dia 1 de Fevereiro de 1908...
PROVEDOR: Quais são as “frases praticamente iguais”?
RESPOSTA: A. — “Todos os dias, despachava vinte quilos de comida, incluindo três frangos com o chá das cinco”.
“His appetite was such that he could consume twenty pounds of food in the course of a strenuous day or a couple of chickens as a tea-time snack”.
B. — “Sua Exaltada Excelência haveria de morrer, prostrado à mais incurável das doenças: o tédio»
(...).“His was a malady that plagued not a few of his surfeited fellow rulers. It was boredom. He died of it» (…).
C. — “Sir Buphinder Sing, O Magnífico, sétimo marajá de Patiala, não era o mais rico, mas era seguramente o mais imponente dos príncipes indianos, com o seu metro e noventa de altura e os seus cento e quarenta quilos de peso.
“Sir Bhupinder Singh, the Magnificent, the seventh Maharaja of Patiala (...). With his six-foot-four-inch frame, his 300 pounds (…).
D. — «(...) matou o seu primeiro tigre aos 8 anos e nunca mais parou – aos 40 tinha morto mil e quatrocentos tigres, cujas peles revestiam por inteiro todas as divisões do seu palácio. (...)»
«(...) bagged his first tiger at eight. By the time he was 35, the skins of the tigers he’d killed, stitched together, provided the reception rooms of his palace with what amounted to wall to wall carpeting. (…) The Maharaja of Gwalior killed over 1400 tigers in his lifetime… (…)».
COMENTÁRIO DO PROVEDOR: Na medida em que as jornalistas reconhecem que não leram o livro de Lapierre e Collins a fonte das citações só pode provir — mais uma vez — do blogue anónimo (entretanto desaparecido). Bárbara Reis e Joana Gorjão Henriques reconhecem, portanto, que o ex-blogue é uma fonte credível apesar de não terem confirmado a veracidade dos excertos. O provedor exclui peremptoriamente a hipótese de as duas jornalistas partilharem a opinião anónima do(s) autor(es) do blogue sem qualquer base factual que fundamente a mesma.
PROVEDOR: Joana Gorjão Henriques confirma os contactos com MST descritos pelo escritor? E o teor dos mesmos?
RESPOSTA: Não. Miguel Sousa Tavares, quando contactado por nós, não impôs qualquer condição para falar sobre o assunto, nem mesmo quando soube que não tínhamos lido “Freedom at Midnight” por estar fora do mercado. Quando perguntou se tínhamos lido “Freedom...” e lhe dissemos que não, MST emitiu uma opinião e disse que “os jornalistas deviam ler os dois livros e comparar”. Isso não é impor condições.
No fim da conversa telefónica, Miguel Sousa Tavares pediu aliás para ler a notícia antes de ser publicada. Dissemos que tal não era aceitável, mas propusemos voltar a falar mais tarde para lhe ler as citações que viessem a ser usadas no texto, o que foi aceite por MST.
E assim, como combinado, ligámos várias vezes a MST e, durante mais de uma hora, não conseguimos. MST não atendia. Mas esperámos. Passava das 21h quando MST nos telefonou e confirmou, connosco, as declarações que iríamos usar no texto a sair no dia seguinte.
E já agora, neste segundo contacto, o escritor foi informado de que tínhamos Equador à nossa frente.
Conclusão:
A tese de plágio é a tese do blogue, não a do PÚBLICO. A notícia do PÚBLICO não tem tese alguma.
Mas, não tendo a notícia do PÚBLICO tese alguma, faz duas coisas em relação ao conteúdo do blogue:
1. Chama a atenção para os parêntesis introduzidos nas citações reproduzidas no blogue – não se sabendo portanto se foram retiradas duas palavras ou 15 páginas entre uma determinada frase.
2. E coloca o editor de MST a alertar para a ambiguidade do início do blogue (os 2 parágrafos que resumem o início dos dois livros). MST refere-se extensamente – na carta a si enviada e no artigo do “Expresso”, ao facto de o blogue dizer que os dois livros “começam da mesma forma” e que basta ler “Equador” para ver que o seu livro “não começa assim”. É verdade.
Uma frase desse início do blogue vem na primeira pagina de “Equador” e a segunda parte da frase vem na pag. 15. Mas isso não é citação. Esse resumo é da autoria dos bloguistas.
E essa estratégia está desmacarada no nosso texto: “Embora estas frases iniciais do blogue não estejam entre aspas (como citação directa), António Lobato Faria, editor da Oficina do Livro (que publica Equador), diz que a intenção é que o leitor as leia como tal. Mais à frente, o(s) autor(es) põe(m) as citações de um e de outro livro, sendo que no segundo estão em inglês. “Só apresenta as 'provas’ quando as pessoas já foram manipuladas”, diz o editor”.
E por último, e repetindo-nos, a nossa notícia é sobre a acção judicial de MST, assunto que justificou um comunicado de imprensa da própria editora no dia 31.
A notícia é sobre um escritor que vendeu 270 mil exemplares ter decidido processar um anónimo que o acusa de plágio – editorialmente, é incontestável que isto é notícia.
COMENTÁRIO DO PROVEDOR: A jornalista Joana Gorjão Henriques agiu correctamente ao recusar facultar a Miguel Sousa Tavares o artigo antes da sua publicação.
A notícia — ao contrário do que afirmam as jornalistas do PÚBLICO —não se resume de forma alguma a um escritor que decidiu processar um anónimo que o acusa de plágio. A notícia contém afirmações não fundamentadas. Ao reproduzirem, por outro lado, as acusações de um anónimo (sem as confirmar!) escamotearam a calúnia e, do mesmo passo, importantizaram-na.
As jornalistas afirmam que “a tese de plágio é a tese do blogue, não a do PÚBLICO. A notícia do PÚBLICO não tem tese alguma”. Pode não ter, mas parece.
O PÚBLICO errou.
PS- Apesar de o site do PÚBLICO não permitir contactos electrónicos com o provedor (provedor@publico.pt) há mais de uma semana o tema do “plágio” suscitou alguns comentários, entre os quais 3 favoráveis à posição do provedor e 5 desfavoráveis.
A análise deste caso continua na próxima semana (já que as jornalistas em causa enviaram um protesto ao provedor).
|