Não há almoços grátis, mas... - Parte I
Por Rui Araújo
Israel e o Líbano suscitaram inúmeros comentários.
“Li num blogue que o director do PÚBLICO foi a Israel pago pelo Ministério israelita dos Negócios Estrangeiros. Nas várias notícias que li do Sr. José Manuel Fernandes não vi nenhuma nota no artigo sobre esta situação que a ser verdadeira me parece grave. O mínimo que se exige, é que em TODOS os artigos do director do PÚ- BLICO, durante essa viagem, houvesse uma nota a alertar os leitores.
Não está em causa a honestidade pessoal do Sr. Fernandes que, na minha opinião, escreveria propaganda a Israel mesmo gratuitamente, está em causa o jornal identificar quem lhe paga as viagens quando isso colide com o conteúdo das reportagens. Era o mesmo que eu não saber que um jornalista que escreve, por exemplo, sobre Mercedes é pago pela Mercedes”, considera Nuno Ramos de Almeida (que me escreve “como leitor” apesar de trabalhar “neste momento como director do jornal do Bloco de Esquerda” e de ser “editor do Portal do BE - www.esquerda.net - http:// spectrum.weblog.com.pt/arquivo/ 2006/07/made_in_mossad.html”).
José Manuel Fernandes escreveu (no seguimento da sua viagem a Israel) duas notícias e uma análise. As mesmas foram publicadas nos dias 14 (página 4), 15 (pág. 4) e 17 de Julho (pág. 5). E o PÚBLICO assinalou (por três vezes) que o seu director “viajou a convite do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel”. A 17 de Julho o director também escreveu um editorial sobre o assunto onde não repetiu a indicação de que tinha estado em Israel. Era redundante.
O leitor não tem razão.
“Fiquei verdadeiramente atónita perante o facto de o director do ‘PÚ- BLICO’, José Manuel Fernandes, ter aceitado deslocar-se a Israel num momento destes, a convite e a expensas do governo israelita. Pode um jornal como o ‘PÚBLICO’, que preza a sua independência, ter um jornalista a relatar a guerra POR CONTA de uma das partes beligerantes?! Aceitaria o ‘PÚBLICO’ enviar ao sul do Líbano um outro dos seus jornalistas, mesmo em posição menos responsável e comprometedora que o director, para lá andar POR CONTA do Hezzbollah? Creio que andaria bem em não aceitar. Mas a própria confiança na provável recusa do ‘PÚBLICO’ a essa outra dependência suscita uma pergunta incómoda: então porquê a assimetria? Porque admite o ‘PÚBLICO’ que as suas facturas sejam pagas por uma das partes beligerantes e não pela outra?
A posição correcta seria apenas uma: se o ‘PÚBLICO’ quer informar os seus leitores sobre a guerra, e penso que deve fazê-lo, envie para o terreno jornalistas sem qualquer enfeudamento a nenhuma das forças em presença e paguelhes, ele, jornal, os almoços e o mais que houver a pagar. Não há almoços grátis – e sobre o produto jornalístico deste agenciamento da viagem de JMF muito haveria a dizer.
Não quero ir agora por aí: limito-me a admitir que os jornalistas se vejam obrigados a tal ou qual acordo com a força que controla o cenário da reportagem. Há, entre esses, acordos mais questionáveis e outros menos, jornalistas ‘embedded’ até à obscenidade, e outros mais prudentes e recatados.
O que não é admissível é a aceitação de um financiamento que deixa os leitores do ‘PÚBLICO’ a consumirem, como informação independente, aquilo que obviamente conveio à propaganda do Tsahal”, escreve Elsa Silva.
A leitora questiona problemas importantes. E decididamente actuais, independentemente das acusações graves e não fundamentadas que formula (“– e sobre o produto jornalístico deste agenciamento da viagem de JMF muito haveria a dizer”; “envie para o terreno jornalistas sem qualquer enfeudamento a nenhuma das forças”).
Não comento a expressão andar “POR CONTA” por a mesma ser ofensiva.
Nem sempre é possível efectuar a cobertura jornalística de um conflito junto de todas as forças em presença. E, por outro lado, o facto de um jornalista viajar a convite (ou com meios) de um dos lados não o impede de ser rigoroso, honesto e independente. O provedor realizou, por exemplo, uma “Grande Reportagem” (RTP) em Timor (1982) com recurso a jipes e a helicópteros fornecidos pelo governo de Jacarta. O apoio facultado pelas autoridades ocupantes não anulou o meu espírito crítico (que me proporcionou nove anos de lista negra indonésia).
Pedi esclarecimentos ao director do PÚBLICO.
Provedor — Até que ponto os jornalistas (incluindo o director do PÚBLICO) não foram utilizados por Israel (antes do início da operação militar de longa duração)?
José Manuel Fernandes (JMF) — O convite foi concretizado sexta-feira, dia 7 de Julho. Na altura não havia qualquer conflito com o Hezbollah, nem era previsível que houvesse. Se o Exército não tivesse sido apanhado de surpresa, não teria deixado capturar dois soldados e matar oito. Quanto a ser utilizado, só é utilizado quem se deixa utilizar.
Comentário do provedor: Só resta saber se a captura dos dois soldados foi, efectivamente, uma surpresa para o Exército.
Israel raptou dias antes (24 de Junho) dois civis na Faixa de Gaza. E um dia depois, o Hamas capturou um soldado israelita. O conflito com o Hezbollah, por outro lado, dura há anos...
Provedor — É normal o PÚBLICO aceitar viagens pagas pelo MNE de Israel?
JMF — Sim. Por Israel ou por muitos outros países. A diferença do PÚBLICO é que assinala isso, por questões de transparência, o que poucos ou nenhuns fazem noutros órgãos de informação. A delegação integrava, entre outros, responsáveis do El País, The Times, Süddeutsche Zeitung, Le Figaro e do principal jornal de referência turco. E é normal porque estes programas são muito intensos e permitem acesso aos mais altos responsáveis, sendo que no caso de Israel incluíam o governo e a oposição.
Comentário do provedor: É verdade que nem todos os jornais convidados referiram que viajaram a custas do governo israelita, mas acredito que seria preferível o PÚBLICO pagar as deslocações dos seus jornalistas.
Aquilo que está aqui em causa é o eventual aproveitamento (manipulação) dos media.
Considero que os convites são legítimos, mas raramente inocentes. Só deviam ser aceites quando não existe outra forma de efectuar a cobertura de um acontecimento.
Provedor — É possível manter uma posição de independência editorial quando os governos pagam as deslocações e proporcionam as entrevistas?
JMF — É. Nas entrevistas não houve qualquer limite para as perguntas, os jornalistas puderam perguntar tudo o que queriam. E o facto de a deslocação ser paga não nos coloca numa posição de menor independência do que aquela que temos quando, por exemplo, acompanhamos o Presidente da República ou o primeiro-ministro numa viagem oficial num avião por eles fretado.
Comentário do provedor: A explicação do director é aceitável. Mas creio que é importante questionar (neste caso preciso) a real motivação das autoridades israelitas. Independentemente do profissionalismo e da boa fé dos jornalistas convidados.
Provedor — Qual é a posição do PÚBLICO (caso exista uma) relativamente à questão Israel/Palestina?
JMF — Não existe posição do PÚ- BLICO. Basta ler tudo o que foi publicado ao longo dos anos. Nesta crise à altura tinham sido escritos dois editoriais que o leitor pode consultar (um sexta-feira, outro segunda-feira) e uma análise do redactor principal.
Comentário do provedor: Apesar das opiniões (consideradas controversas por alguns leitores, mas legítimas) do director nos editoriais, o provedor reconhece que o PÚBLICO tem efectuado uma cobertura jornalística decente do Médio Oriente (incluindo o excelente tratamento da realidade palestiniana).
Provedor — Qual é a posição do director?
JMF — A posição do director é de extrema preocupação porque aquele conflito está a ser instrumentalizado por países como o Irão (o próprio Mubaraq disse que tinha quase negociada a libertação do soldado raptado pelo Hamas e que ela só não se concretizou por que o Irão interveio para a bloquear), porque enquanto todos não aceitarem o princípio dos dois Estados será sempre muito difícil encontrar uma situação estável, porque a comunidade internacional está dividida e parece impotente. Mesmo a proposta de Blair de enviar uma força de interposição para o sul do Líbano me parece difícil de concretizar sobretudo porque essa força teria de desalojar o Hezbollah e sofreria muitas baixas. Estarão as nossas opiniões públicas preparadas para isso?
Comentário do provedor: É uma visão do problema. É legítimo perguntar se os EUA (à semelhança do Irão, etc.) também não estão a instrumentalizar o conflito. E se, no fim de contas, aquilo que está em causa não é a liquidação da nação palestiniana…
As reacções das opiniões públicas são em grande parte condicionadas pela comunicação social. O debate sobre Israel e o Líbano continua na próxima semana…