Autoria, Segunda Parte
Por Rui Araújo
"Ontem, 6 de Maio, o PÚBLICO publicou no caderno Local de Lisboa (admito que noutros) uma notícia da jornalista Ana Fragoso com o título "Erro do ICN viabilizou parque eólico em Espanha".
A minha primeira perplexidade é a assinatura da notícia: é que a notícia transcreve um texto da agência noticiosa Lusa, disponível no PÚBLICO on-line desde sexta-feira às 9h47. Tenho no meu mail o texto original da Lusa e a diferença é apenas de organização dos parágrafos. É normal o PÚBLICO copiar textos de terceiros, não os referir e assinar como se fossem notícias suas?
A segunda perplexidade é o facto do público reproduzir um facto objectivamente falso sem contactar as pessoas envolvidas. Como do texto da notícia é evidente, foi o início das obras que motivou o alerta do Parque Natural de Montezinho. Tal significa que nesse momento o parque eólico estava já licenciado em Espanha. Logicamente não é o atraso no tratamento dessa informação de Montesinho que viabiliza o parque eólico. Há, portanto, um erro factual no título da notícia e em toda a sua construção. Esse erro é da Lusa, portanto, enquanto leitor do PÚBLICO, não é sobre esse erro que questiono o seu provedor, mas sobre os procedimentos adoptados no jornal para produzir notícias: é normal que o jornal transcreva notícias de terceiros sem a mínima verificação da sua correcção e autenticidade?", escreve Henrique Pereira dos Santos.
Solicitei uma explicação à jornalista Ana Fragoso sobre a omissão da fonte na assinatura, já que a autoria de uma parte significativa do texto é da agência Lusa.
"Começo por justificar que o título da notícia se baseou num texto da agência Lusa, que citava um dos responsáveis do ICN.
Efectivamente, não é prática dos jornalistas do PÚBLICO escreverem os seus textos sem contactar directamente as fontes e eu, por regra, também não o faço.
Neste caso concreto, tive conhecimento da situação pela agência Lusa, tentei localmente (Bragança) reunir as informações necessárias para compreender a questão e conseguir esclarecer os leitores. Por apertar o tempo para o fecho da edição, acabei por utilizar as informações da Lusa, na boa fé, e por considerar que se trata de uma agência de informação creditada, que trabalha com verdade e honestidade.
No texto que eu escrevi, as declarações transcritas da Lusa estão devidamente identificadas. Exemplo:"O erro foi da minha divisão. O erro foi meu!", declarou à agência Lusa Henrique Pereira dos Santos, chefe da divisão de apoio à gestão das áreas protegidas no ICN.
O texto foi assinado por mim com agência Lusa. Por razões que desconheço, acabou por ser publicado unicamente com a minha assinatura. Também não é norma cortar o nome da Lusa ou de outros jornalistas do próprio jornal, quando há textos escritos em conjunto", respondeu a jornalista.
O provedor considera que a jornalista agiu correctamente ao assinar o texto com o seu nome e o da agência Lusa.
Se as assinaturas tivessem sido mencionadas tudo estaria dito. Ora, só o nome da jornalista foi publicado. Para o leitor que teve acesso à Lusa e leu a notícia no PÚBLICO, a usurpação da autoria parece evidente. Eis, por exemplo, os leads (primeiros parágrafos):
PÚBLICO: O arquivamento indevido de uma informação no Instituto de Conservação da Natureza (ICN) permitiu a instalação, sem avaliação ambiental, de um extenso parque eólico espanhol junto a uma área protegida de Bragança.
LUSA: O arquivamento indevido de uma informação no Instituto da Conservação da Natureza (ICN) permitiu a instalação de um extenso parque eólico espanhol junto a uma área protegida de Bragança sem avaliação ambiental, disse à Lusa fonte do ICN.
A única diferença entre os dois textos é "disse à Lusa fonte do ICN", ou seja, a opção da jornalista (que consistiu em identificar a fonte no final da notícia) acabou por ser escamoteada no PÚBLICO. Para o leitor, o que conta é o que é publicado no jornal e não os quês e os porquês labirínticos que conduziram ao texto apresentado.
Pedi uma explicação a Nuno Sousa, o editor que retirou o nome da Lusa da assinatura.
"1 - A ausência de uma referência à agência Lusa na assinatura do texto é um mero lapso, que muitas vezes deriva dos constrangimentos de fecho do jornal. Sempre que as peças jornalísticas são elaboradas por um jornalista do PÚBLICO com recurso a informações de agência, é regra assinar-se "com Lusa" (no caso) no final do texto, logo a seguir ao trinco. Acontece que, por vezes e inadvertidamente, essa última referência desaparece na etapa de fecho das páginas quando é necessário ajustar o tamanho do texto ao espaço disponível.
Lamentavelmente, o trabalho em causa, que para além dos esforços de investigação próprios se socorreu de informações prestadas pela agência Lusa, foi publicado somente com o nome da jornalista. Será relevante, porém, notar que as declarações extraídas do telex da Lusa estão perfeita e devidamente identificadas no texto - a expressão utilizada é "declarou à agência Lusa" Henrique Pereira dos Santos -, pelo que me parece não haver margem para dúvidas relativamente ao veículo dessa informação em particular.
2 - Como acontece com todos os trabalhos do Local Porto, o texto em causa foi atenta e integralmente revisto, tendo sido inclusive pedidas à jornalista algumas informações adicionais, por forma a clarificar os mecanismos de actuação dos estados-membros da União Europeia em matérias desta sensibilidade e a localizar com maior precisão o parque eólico em apreço. É prática corrente dos jornalistas do PÚBLICO confirmarem previamente todas as informações a publicar, mas o volume de trabalho diário e o cumprimento de horários de fecho levam a que, ocasionalmente, sejamos obrigados a confiar no serviço prestado pelas agências noticiosas. Embora seja esta a excepção e não a regra, não pode, contudo, ser ignorado o facto de, no momento em que escrevo e a avaliar pelos telexes colocados em linha, o ICN não ter desmentido as referidas declarações em sede própria, no caso a agência Lusa", disse o editor.
O editor reconhece que se trata de um lapso. Errou, reconhece o erro, mas socorre-se da Lusa. É um exercício meritório no plano da dialéctica, mas no mínimo controverso a nível do jornalismo.
O provedor considera que o PÚBLICO não pode querer, por um lado, reivindicar para si uma notícia com o mérito que isso acarreta e, por outro, quando se verifica que os factos relatados são questionados sacudir a água do capote imputando a responsabilidade à Lusa ou a terceiros que se esqueceu de referir.
A jornalista (ao dizer "por apertar o tempo para o fecho da edição acabei por utilizar as informações da Lusa") refugia-se na escassez de tempo e o editor (ao referir "o volume de trabalho diário e o cumprimento de horários de fecho " e "é necessário ajustar o tamanho do texto ao espaço disponível) nas condições de trabalho e em circunstancialismos (o tempo e o espaço) que sempre marcaram esta profissão.
Como certamente se compreende, não é missão do provedor pronunciar-se sobre isso, mas apenas sobre o resultado final da sua actividade. O provedor é, primeiramente, uma ponte entre os jornalistas e os leitores. |