Uma no cravo, outra na rotina...
Por Rui Araújo
Alguns leitores questionaram a ausência de referências à Revolução dos Cravos na primeira página do jornal de 25 de Abril.
Na minha simples ignorância de quem já nasceu em liberdade, sugeria apenas que num feriado nacional como o 25 de Abril, o PÚBLICO efectivamente o mencionasse na capa. Assim se começa a perder a importância das memórias. Fiquei extremamente desiludida com o meu jornal de referência, escreve Mariana Cardoso.
Crítica, desabafo, desagrado, desencanto, ou o que se queira. Cá em casa fomos vários a procurar na primeira página do PÚBLICO (ainda é com caixa alta?) de 25 de Abril qualquer referência à comemoração do dia, mas o que se descobriu de mais aproximado foi a “orelha” de publicidade aos “cêdês” do Mário Viegas. De resto era preciso “dar ao dedo” pelo jornal adiante (editorial incluído!), para, finalmente, encontrar alguma coisa sobre o que se procurava.
O que mais lamento é que um jornal que me entra em casa todos os dias desde que existe e onde os meus filhos aprenderam a ler muito daquilo que ia e vai para além da escola não tenha querido partilhar com eles, que são novos e precisados, um momento da nossa História recente que foi sobretudo um desejo de haver futuro, lamenta-se o leitor António Santos de Espinho.
Ao comprar PÚBLICO abri o jornal, rebusquei toda a 1.ª página, procurei nos títulos mais pequeninos, e nem quis acreditar: não continha uma única referência ao 25 de Abril de 1974! Só lá para o meio, enésima página, se falava do 25 de Abril e a propósito das eleições! Daqui a uns anitos, o PÚBLICO noticia o 25 de Abril na antepenúltima página, com os aniversários dos colunáveis e “socialites” todos. Uma VERGONHA!
A ausência de qualquer referência ao 25 de Abril (na 1.ª página) é tanto mais incompreensível quanto puxam para a mesma, com máximo destaque, um aniversário que só aconteceria no dia seguinte. Como sabe, Tchernobil deu-se na madrugada de 26 de Abril, efeméride que, de resto, muitos outros jornais referem na 1.ª página de 26 de Abril. Eu também comprei a edição de 24 de Abril e não vi comemorar nela o 25 de Abril, acrescenta Fernando Oliveira, outro leitor da Senhora da Hora.
Pedi um esclarecimento a José Manuel Fernandes, director do PÚBLICO.
“A opção de dar este ano mais destaque a Tchernobil do que temos dado nos últimos anos derivou de ser um aniversário ‘redondo’ (20 anos) e de o debate em torno da energia nuclear ter regressado à actualidade. Antecipámos um dia a data exacta do aniversário por duas razões: primeiro, porque sendo um trabalho longo, achámos que se adequava bem a um dia feriado, em que os leitores têm mais disponibilidade para ler; depois porque entendemos que no dia 26 de Abril o destaque do jornal tinha obrigatoriamente de ser o primeiro discurso nessa data do novo Presidente, o qual estava a suscitar muita expectativa.
“Quando ao 25 de Abril, sei que preparámos sempre edições especiais nos anos em que o aniversário era ‘redondo’ (20, 25 e 30 anos) e, nos outros, assinalámos a data de outras formas, procurando por regra fugir à rotina.
“Este ano tivemos a ideia de realizar os trabalhos que preenchem quatro páginas, que são interessantes mas nem sequer se centram no 25 de Abril de 1974, mas em eventos que ocorreram depois (primeiras eleições legislativas e julgamento dos pides). São informativos, mas não tinham o impacte dos trabalhos que fizemos nos aniversários ‘redondos’ ou mesmo do trabalho sobre Tchernobil.
“Esta opção editorial permitiu-nos dar grande destaque a ambos os assuntos em duas primeiras páginas consecutivas, não tendo sido obrigados a ‘dividir’ a primeira página de dia 26 pelos dois temas, como sucedeu com o DN e o JN.
“Um diário combina actualidade com reflexão e aprofundamento das notícias (investigações, dossiers, reportagens especiais) e julgo que o equilíbrio entre as duas edições está correcto.
“Não aprecio o termo ‘ignorar’, pois não julgo correcto quando falamos das escolhas para uma primeira página: implica que dando ela destaque a seis, dez temas de uma edição, ‘ignora’ todos os restantes 100 a 120 (números médios). Para a primeira página fazem-se escolhas a partir de uma lista vasta de propostas dos editores (que também eles realizam escolhas antes). Todos os dias há temas que deviam, ou poderiam, estar na primeira página e ficam de fora. Por isso a escolha da primeira página de dia 25 decorre da escolha de conjunto feita para os dias 25 e 26 relativas à forma como devíamos, este ano, tratar dois aniversários que quase coincidem.
“Colocar uma chamada sobre o 25 de Abril apenas ‘porque é suposto ter sempre uma chamada sobre o 25 de Abril’ implicava deixar outras de fora. Pode-se discutir se alguma das outras (todas notícias do dia, mais uma efeméride ‘redonda’) era menos importante, como se pode discutir todos os dias e por regra fazemos muitas vezes nas reuniões de editores. Mas não se deve discutir se o jornal tem de fazer sempre uma espécie de ‘declaração política’ na primeira página cada vez que passa mais um aniversário do 25 de Abril”, responde o director.
É a explicação de José Manuel Fernandes.
O provedor considera que o critério editorial de “fugir à rotina” é... inovador. Mas ficamos sem saber se devemos ou não felicitar-nos pelo facto de os capitães de Abril terem, também eles, fugido “à rotina”.
A TV, a rádio e os jornais nacionais regem-se cada vez mais por critérios de proximidade (é o polémico mandamento do “quilómetro sentimental” – um morto, cá, é notícia; mil mortos, na China, também é notícia e – parafraseando um jornalista nova-iorquino – “no Chile não acontece nada, nunca”).
O PÚBLICO, ao escolher dar honras de primeira página a Tchernobil no 25 de Abril, optou, decididamente, por fazer jus à vocação universal de Portugal e dos portugueses.
É uma opção legítima e perfeitamente compreensível nos dias que correm...
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