INFORMAÇÃO OU SENSACIONALISMO?
Por Rui Araújo
O texto intitulado “Vice-presidente do Supremo Administrativo nomeia sobrinho para seu assessor” (publicado na passada quinta-feira) suscitou dois comentários.
O PÚBLICO está a virar blogue? De há algum tempo a esta parte, tenho vindo a constatar, com algum pesar pois considero o PÚBLICO um dos melhores diários do mercado, que o ‘meu’ jornal, na sua natural evolução, se transmuta, de tempos a tempos, numa espécie de blogue.
A edição de quinta-feira, 30 de Março, constitui, parece-me, exemplo paradigmático, tanto que me senti impelido a escrever estas linhas. É que de vez em quando, em vez de notícias, sou, enquanto leitor, brindado com verdadeiros posts, só aceitáveis na blogosfera onde os critérios – quando os há! – são outros que não o jornalístico. Permito- me apresentar o exemplo de quinta-feira, por exemplificativo.
Na primeira página da edição que tenho nas mãos há uma chamada onde se pode ler que o ‘Vice do Supremo Administrativo nomeia sobrinho para assessor’. Acresce que o fez ‘sem concurso público’ e que ‘o Supremo Tribunal acha normal’. Ora, uma nomeação familiar, ainda por cima sem concurso público e menosprezada pelo Supremo Tribunal, é algo que chama à atenção. Daí que folheei o jornal até à página 12, como indicado na capa, para ler a continuação da estória.
Depois de um romanceado primeiro parágrafo, adocicado, confesso, pela nomeação ilegal do sobrinho pelo tio juiz conselheiro, fiquei surpreendido quando verifiquei que a primeira coisa que a jornalista Tânia Laranjo me disse foi que, afinal, a nomeação não fora efectuada pelo tio mas sim por Santos Serra, presidente do Supremo Tribunal Administrativo – o que, manifestamente, não era o que constava na capa da edição.
Por outro lado, terminava aquela mesma frase vincando que a nomeação, feita pelo Presidente e não pelo tio, fora efectuada ‘sem passar por qualquer concurso público’. É preciso avançar dois parágrafos para perceber que esta formalidade – extremamente gravosa, naturalmente – afinal, não era necessária pois ‘não é sujeito a concurso público, precisamente por ser um cargo que implica confiança pessoal’. Ou seja, a preterição do concurso público, ao contrário do que parece apontar a chamada da capa, não traduz nenhuma ilegalidade, pelo contrário.
Convenhamos que é praticamente impensável aceitar que o PÚBLICO, numa chamada de primeira página, seja sensacionalista ao ponto de distorcer de forma tão grosseira dois factos essenciais na mensagem que pretendia passar (não só não foi o tio que nomeou o sobrinho, como não houve concurso público, não porque devesse haver mas porque não era exigível naquela nomeação), pelo que só pode tratar-se de um lapso. Daí este meu alerta.
Ainda por cima, esta falta de rigor, talvez aceitável num blogue mas dificilmente compreensível num diário de referência, parece continuar ao longo do artigo. É que logo de seguida é dito que Tiago Brandão Pinho ‘alegadamente’ possui uma licenciatura em Direito quando o parágrafo seguinte termina com uma referência ao ‘licenciado’: em que ficamos então? O sobrinho é ou não licenciado?
A jornalista discorre ainda sobre a situação dos outros dois vice-presidentes do tribunal mas, logo depois, afirma que a instância é constituída por presidente e vice-presidente: então dos três enumerados na notícia só um pertence àquele tribunal? Então porque foram referidos?
Mas bastante mais séria, na minha opinião, foi a atitude da jornalista, especialista em matérias de justiça, que desconhece seguramente o que se passou em 1789, o que trouxe a Revolução Francesa e o que é a separação de poderes, pedra basilar de um Estado de Direito Democrático (como o nosso, embora às vezes não pareça). Cuidando de uma nomeação familiar (que afinal não foi), sem concurso público (não porque preterido, mas porque a ele não havia lugar), no quadro próprio de um tribunal superior, o PÚBLICO contactou o Ministério da Justiça???
Não tenho qualquer dúvida que uma nomeação em que seja preterida a formalidade legal tenha interesse jornalístico. Concedo até que uma nomeação familiar o possa ter, ainda que reduzidamente num caso de confiança pessoal justificado? Mas o que me custa mesmo ver e aceitar é a apresentação dos factos desta forma, conduta habitual noutro tipo de publicações.
É este o caminho que o PÚBLICO leva? Vender, não pela qualidade da informação mas pelas “gordas”? Esta notícia parece ter sido ‘pescada à linha’. Umas afirmações do chefe de gabinete do presidente do tribunal, um contacto com o ministério da justiça (aparentemente porque se tratava de um tribunal, logo uma notícia relacionada com a justiça), tudo recebido de forma mecânica, transposta para a notícia e com o título, que não corresponde à estória, a servir de isco… Por favor, não caiam na tentação de serem um blogue com posts!, escreve Diogo Madeira.
As questões colocadas pelo leitor são pertinentes.
Eis a chamada de Primeira Página em questão: “TRIBUNAIS SUPERIORES - Vice do Supremo Administrativo nomeia sobrinho para assessor O juiz-conselheiro Domingos Brandão de Pinho, vice-presidente do Supremo Administrativo, nomeou o sobrinho, Tiago Filipe Brandão de Pinho, para seu assessor, sem concurso público. O Supremo Tribunal acha normal.”
O provedor perguntou a José Manuel Fernandes, director do PÚBLICO, qual a explicação para o desfasamento entre o título e a chamada de Primeira Página, por um lado e, pelo outro, o corpo da notícia?
“Não me parece que haja contradição entre a chamada e a notícia. Os títulos das páginas 1 e 12 são idênticos, havendo grande coincidência entre o conteúdo do texto da chamada e a entrada da notícia.
Há uma imprecisão no título (a nomeação foi formalmente feito pelo presidente, contudo presume-se que a escolha foi feita pelo vice, pelo que o sentido do acto administrativo não foi deturpado). Também não me parece ser errado sublinhar que não houve concurso público (e não houve) só porque ele não era necessário. Tratando- se da nomeação de um sobrinho para um lugar importante, o facto de este ser um lugar de confiança não afasta a suspeita de nepotismo precisamente porque tal nomeação não resultou de um concurso, mas de uma escolha pessoal. Pode não ser nepotismo, mas parece-me que, a um juiz de um tribunal superior, se deve aplicar a mesma máxima que se aplicava à mulher de César: não basta ser honesta, deve parecer honesta.
O erro que envolve a separação de poderes não vem na primeira página.
Esclareço ainda que, no caso desta notícia, confiei na editora e na jornalista e não a li antes de ser publicada. Apenas li a chamada que foi enviada para a capa, a qual viu o título reduzido, mas o texto saiu tal e qual, assim como reparei que os dois títulos eram idênticos. Não procedi à rotina de ler todos os textos que têm chamada de primeira por absoluta falta de tempo no fecho do jornal.
Continuo a pensar que a notícia tem interesse e que a carta publicada sexta-feira assinada pelo Chefe de Gabinete do Supremo Tribunal Administrativo é preocupante pelo que revela sobre a mentalidade do Presidente desse tribunal superior, onde restarão muitas teias de aranha vindas do tempo da outra senhora”, respondeu o director do PÚBLICO.
Há, portanto, imprecisões. E não deixa de ser surpreendente que o responsável pelo título e a chamada da primeira página do jornal tenha optado por uma presunção de culpa. Trata-se no mínimo de uma subversão de princípios, inclusive éticos e de deontologia.
O provedor considera que se pode criticar quando muito a lei, mas não a honorabilidade de quem se limitou a cumpri-la.
Quanto aos trâmites de que o texto foi objecto no jornal ficamos sem saber quem é o primeiro e único responsável pelo título e a chamada de primeira página – ambos questionáveis, de resto. Mas ficaram mais coisas por esclarecer.
Independentemente de não ser requerida uma licenciatura para o exercício do cargo - o que torna o detalhe descrito no texto supérfluo – o provedor perguntou a Tânia Laranjo com que fundamento contactou o Ministério da Justiça, à luz da separação de poderes.
A jornalista respondeu: “Contactei o Ministério da Justiça porque se trata de uma nomeação de um cargo que depende organicamente do Ministério da Justiça. O Ministério da Justiça explicou que havia um orçamento próprio e que não lhe cabia vetar ou aprovar a nomeação e foi isso que foi escrito”.
Se não cabia ao Ministério da Justiça vetar ou aprovar a nomeação em que é que é que ela pode depender organicamente do Ministério da Justiça?
A explicação de Tânia Laranjo deixa margem para dúvidas. E o texto em vez de esclarecer, confunde.
Um outro leitor questiona a fonte do mesmo texto.
Tânia Laranjo escreveu na edição de ontem (30- 03-06) a peça: ‘Vice-presidente do Supremo Administrativo nomeia sobrinho para seu assessor’ a qual tem como fonte estes dois links:
1.http://ablasfemia.blogspot.com/
2.http://ovilacondense.blogspot.com/
Ficava bem, e era mais correcto citar a fonte. Ou não?, pergunta o leitor Gabriel Silva.
Os dois blogues citados anunciaram de facto o despacho da nomeação 10 e 13 dias antes respectivamente de a notícia ser publicada no PÚBLICO, mas de acordo com Tânia Laranjo a sua fonte foi o Diário da República.
O texto contém, pelo menos, uma imprecisão e levanta inúmeras dúvidas. Se é notícia e merecia um destaque de primeira página é algo que não compete ao provedor decidir. |