Descuidos e Obscenidades
Por Rui Araújo
CAVACO SILVA
“Escrevo-lhe para chamar a atenção para dois delitos que, na minha opinião, o Público cometeu na sua edição de 19 de Janeiro, ambos respeitantes à cobertura da campanha eleitoral para as eleições presidenciais.
Em primeiro lugar, gostaria de registar uma contradição entre dois títulos concebidos para a mesma notícia: na capa diz-se que ‘INCIDENTES COM A JSD ESTRAGAM CAMPANHA DE CAVACO EM COIMBRA’, ao passo que na página 3 se refere que ‘INCIDENTE NÃO ESTRAGA DIA CHEIO DE CAVACO EM COIMBRA’.
Parece-me que se diz uma coisa na chamada de Primeira página e o seu contrário no título do texto. Parece-me que a lógica de escolha do título para a capa da edição centro encerra alguma perversidade, já que contraria aquilo que se diz no interior do jornal.
Parece óbvio que o propósito foi o de criar um título com impacto para atrair leitores, expediente que é aceitável desde que se cumpram as regras da honestidade e rigor. Talvez não tenha sido o caso...”, escreve Manuel Martins, um leitor de Aveiro.
De facto, o título da Primeira página (Edição Porto) está em total contradição com o da reportagem, publicada na página 3 da mesma edição.
Os títulos, “elementos centrais da peça jornalística” (segundo o Livro de Estilo do PÚBLICO), acabam por confundir o leitor em vez de o esclarecer.
O Provedor pediu explicações à editora da secção de Nacional do PÚBLICO.
“Quando se deu (em Lisboa) pelo erro na chamada da Primeira Página e se efectuou a correcção, o material já tinha seguido para o Porto e ninguém deu por isso. Foi um erro de descuido na informação que devia ter sido facultada ao Porto: aquela chamada foi alterada por estar incorrecta”, respondeu São José Almeida. A justificação da editora é perfeitamente plausível, mas o PÚBLICO errou.
O segundo “delito” (sic) apontado pelo leitor Manuel Martins parece mais controverso.
“Justamente nesse texto, o jornalista Nuno Sá Lourenço optou por ser talvez excessivamente descritivo, ao contar que tipo de insultos foram proferidos durante os tumultos registados com a caravana de Cavaco Silva em Coimbra. É verdade que uma reportagem deve ter cor e vivacidade e deve ser descritiva, mas talvez tenha sido de algum mau gosto o recurso às citações ‘vai para o caralho’ ou ‘porco capitalista é o teu pai’. Julgo que os leitores teriam sido bem informados se o jornalista se tivesse limitado a dizer que houve insultos e que foram trocados palavrões”, escreve o leitor.
O Livro de Estilo do PÚBLICO estipula que “não são admissíveis as obscenidades, blasfémias, insultos ou qualquer tipo de calão, excepto quando são essenciais à fidelidade da notícia ou da reportagem − e após consulta do editor.”
Era pois necessário apurar se a reprodução dos insultos era essencial à fidelidade da reportagem.
O Provedor interpelou o jornalista autor da reportagem e a editora da secção Nacional.
“Os insultos foram reproduzidos tal como foram proferidos precisamente porque aqueles que os proferiram não eram só ‘um grupo de jovens apoiantes locais’. Eram dirigentes da JSD local, de Coimbra, e directamente comprometidos com a candidatura de Cavaco Silva. Candidatura essa que passou as duas semanas anteriores a agradecer e elogiar os jovens que o acompanhavam, dizendo mesmo serem os jovens aqueles que iriam ‘tirar do buraco’ o país. Achei pertinente que os leitores do PÚBLICO ficassem a saber que tipo de linguagem usavam os jovens apoiantes de Cavaco Silva. Até porque o próprio tentou marcar a diferença em relação aos outros candidatos por aí. Ouviu-o discursar inúmeras vezes dizendo o seguinte: ‘Já todos conhecem os diferentes carácteres, as personalidades de cada um até mesmo a sua linguagem’. Uma candidatura também se define por aqueles que a apoiam...”, explica o jornalista.
A editora São José Almeida partilha a opinião do repórter: “Os palavrões foram mantidos no texto porque retratam a realidade. Não foram proferidos por irresponsáveis do ponto de vista político, foram proferidos por responsáveis da JSD, estrutura de juventude do PSD, e apoiantes de Cavaco. Daí o facto de termos privilegiado os incidentes. Não foi um incidente menor. Foi um incidente politico de agressão a pessoas que se manifestavam. Mais, considero que o jornalismo deve retratar a realidade e não deve omitir nada nem censurar expressões. Se foram ditos palavrões o jornalista deve relatá-los na integra.”
De acordo com o Livro de Estilo “se se considera devida a transcrição de tais termos, então não se usam rodeios hipócritas e de gosto duvidoso, como ‘filho da p…’. Escrevem-se com todas as letras.”
Existia, portanto, justificação editorial para a transcrição dos insultos (e na íntegra).
Este caso, aliás, não é inédito. O PÚBLICO transcreveu, por exemplo, no domingo 5 de Junho de 2005, declarações do mesmo teor proferidas por Alberto João Jardim, presidente do governo regional da Madeira.
“Eu vou receber aquilo a que tenho direito e não vou fazer de bode expiatório, nem ser diferente dos outros por uma questão de demagogia. Há aqui uns bastardos da comunicação social do Continente, digo bastardos para não dizer filhos da puta, que aproveitaram este ensejo para desbar o ódio sobre a minha pessoa”, afirmou o líder madeirense. Tais declarações foram publicadas pela mesma razão.
O Provedor considera que os jornalistas não devem chocar gratuitamente os leitores, mas a reprodução das obscenidades é aceitável quando as mesmas têm repercussões, designadamente, a nível político. E foi o caso.
MÁRIO SOARES
A nota relativa a Mário Soares no chamado “Quadro de Honra” do suplemento DiaD, de 2 de Janeiro de 2006, foi contestada por um leitor de Lisboa.
Segundo a referida nota “apesar de se queixar do contrário, é o candidato presidencial que tem desfrutado de mais espaço noticioso nas televisões. Os eleitores podem não estar convencidos, mas os editores não resistem ao ex-presidente”.
“Não questiono, evidentemente, a legitimidade dos nossos políticos serem submetidos a este tipo de avaliações (embora a sua pertinência me pareça mais duvidosa, na medida em que tende a reduzir a política a uma espécie de competição semanal para ver quem produz o melhor sound-byte), mas, francamente, num suplemento de economia com as características do DiaD isto soa a chicana política da mais rasteira possível – o que talvez não seja de espantar dado o anti-soarismo feroz que o seu director, João Cândido da Silva, destila nas crónicas que ao Sábado publica no caderno principal do PÚBLICO,” escreve o leitor Pedro Aires Oliveira no seu e-mail.
O Provedor pediu explicações ao director da DiaD, João Cândido da Silva.
“É uma opinião, tão respeitável como qualquer outra. O ‘Quadro de Honra’ limitou-se a registar algumas das ocasiões em que o candidato em causa inspirou o nosso sarcasmo. O facto de Mário Soares ter surgido com mais frequência nesta secção satírica da DiaD, deve-se, exclusivamente, ao seu desempenho. De facto, como até se verificou pelo desfecho das eleições, Mário Soares foi irrelevante para os eleitores e, por este facto, acabou por obter um “score” patético. Não vale a pena ensaiar qualquer teoria da conspiração: foi só isto, não houve mais nada”, responde João Cândido da Silva.
O sarcasmo é, portanto, justificado pelo desempenho de Mário Soares e a constatação (a priori) que “foi irrelevante para os eleitores”. Pode não haver “teoria da conspiração”, mas que parece haver, lá isso parece. É a opinião do Provedor.
O director do PÚBLICO complementa a argumentação do director da DiaD.
“Na referida rubrica da DiaD, tal como noutros espaços do jornal (designadamente na coluna ‘sobe e desce’ do Nacional, mas há mais espaços semelhantes no Desporto, na Cultura, na Economia, etc.), as opiniões expressas são da responsabilidade de quem as assina. A política da direcção é dar liberdade de expressão às diferentes sensibilidades de editores e jornalistas, pois este não é um jornal de tendência. Às vezes vão num sentido, outras vezes noutro e nem sempre coincidem com as do director ou da direcção, mas esse pluralismo é saudável e estimulante.
A responsabilidade do PÚBLICO pela DiaD é integral, tal como pelo Inimigo Público. Essa responsabilidade implica coordenação e debate sobre as opções tomadas, mas não censura prévia. As equipas que as realizam, quando têm dúvidas sobre algum detalhe das suas escolhas, colocam-nas à direcção do jornal, tal como fazem os responsáveis das diferentes editorias e dos suplementos produzidos, por assim dizer, “dentro” da redacção.
Assim, da mesma forma que por vezes opções editoriais tomadas na voragem de cada dia são questionadas na reunião diária da direcção com as chefias, o mesmo sucede com as opções das revistas e suplementos que são do PÚBLICO, como esses dois.
No caso concreto citado pelo leitor, o tema foi objecto de debate numa dessas reunião, tendo esse debate sido transmitido ao responsável pela DiaD, João Cândido da Silva.
Todos esses produtos têm de obedecer às regras do Livro de Estilo do PÚBLICO, o que nesse caso não deixou de ocorrer, pois trata-se de espaços onde a opinião é livre. Mesmo no Inimigo Público, sendo um jornal humorístico de notícias ‘que não aconteceram mas podiam ter acontecido’ o limite é o bom senso e o bom gosto, algo que julgamos ter alcançado de uma forma geral.
Esses produtos são opção editorial do Público, sem qualquer hesitação ou vergonha”, diz José Manuel Fernandes.
JERÓNIMO DE SOUSA
“Leio o PÚBLICO todos os dias e agora estou mais atenta às páginas dedicadas às eleições presidenciais. Não pertenço a nenhuma candidatura, nem sou nenhuma porta-voz. Simplesmente reparo que o tratamento que é dado à candidatura de Jerónimo de Sousa tem sido manipulador. Nunca foi feita nenhuma abertura nas páginas da campanha com Jerónimo de Sousa, ao contrário dos outros candidatos. Nem mesmo no dia em que estiveram 20 mil pessoas no Pavilhão Atlântico... gostaria de ter lido mais, porque, afinal, foi o primeiro politico a encher a maior sala de espectáculos que existe em Portugal. A isto, como leitora do PÚBLICO, terei que chamar mau profissionalismo. O porquê não sei, sendo o PÚBLICO o jornal de referência em Portugal”, denuncia a leitora Ana Teixeira.
O Provedor solicitou esclarecimentos a São José Almeida.
“Quanto ao alinhamento das peças de cobertura do dia de campanha, este alinhamento foi rotativo. O PCP abriu esse alinhamento três vezes, a 6, a 9 e a 19 de Janeiro. Soares abriu três vezes, Alegre e Louçã duas, Garcia Pereira nenhuma. Cavaco abriu quatro porque beneficiou do facto de no último dia o alinhamento ter sido determinado pela tendência expressa na sondagem que o PÚBLICO publicou”, respondeu a editora.
Conclusão: a leitora não tem razão.
Mesmo se Jerónimo de Sousa tivesse tido menos destaques, isso não significaria, necessariamente, que houve manipulação. Os jornalistas regem-se por critérios editoriais. E um destaque é sempre uma opção editorial. Legítima ou não é algo que não me compete decidir. |