Tiragem de 100 mil exemplares
"As Ondas", de Virginia Woolf
Por Alexandra Lucas Coelho
Poucos romances, em todo o século XX,
nos mostraram tão intensamente como a literatura podia
ser ainda uma coisa nova e viva
Podemos começar pelo que este livro
não é, para arrepiar caminho. E para isso, tomemos
de empréstimo o que dele disse Jorge Luis Borges: "Não
há argumento, não há conversa, não
há acção." Era um cumprimento. E
Virginia Woolf estaria de acordo. Assim, solto da ganga romanesca
e dentro da cabeça que pulsa, o quis ela, desde o princípio.
Em Novembro de 1928 - tinha ela 44 anos, e
era já a autora aclamada de "Orlando, "Mrs.
Dalloway" ou "Rumo ao Farol", três dos
seus mais notáveis romances -, escreveu Virginia Woolf
no seu diário: "Quero eliminar todo o desperdício,
todas as coisas mortas, o supérfluo: dar o momento
inteiro, com tudo o que faz parte dele. Digamos que o momento
é um misto de pensamento, de sensação,
a voz do mar... Esse medonho assunto da narrativa realista,
avançar do almoço para o jantar, é falso,
irreal, meramente convencional. Porquê admitir algo
na literatura que não seja poesia - até à
saturação, mesmo? É isso que quero fazer
em 'As Mariposas'"
"As Mariposas" foi, entre 1928 e
1929, o título provisório desse projecto, dessa
"tentativa completamente nova" no interior da literatura.
Depois, quando Virginia Woolf se lembrou "de repente"
(a expressão é dela) que as mariposas só
voam de noite, mudou o título para "As Ondas".
E no Outono de 1929 começou a escrever aquela que viria
a ser considerada por muitos (não Borges, que preferia
"Orlando") a sua obra-prima.
Bernard, Neville, Louis, Jinny, Susan, Rhoda.
Seis personagens, seis vozes que falam, não umas com
as outras, não para fora, mas dentro de si - há
ainda uma sétima personagem, Percival, que a todos
fascina, mas que nunca escutaremos.
Cada fala destas seis personagens (seis faces
de um rosto único?) é a torrente caótica
e fabulosa de imagens e palavras que se forma dentro da cabeça
em minutos, em segundos. São eles - as suas vozes,
sempre em discurso directo - que nos levam através
do seu percurso, da infância à maturidade, em
nove etapas. O livro percorre, nessas etapas, o tempo da vida
humana.
Mas há um outro tempo, paralelo, sem
personagens, sem fala, antes de cada etapa: uma descrição
da viagem que o sol faz ao longo de um dia, e do efeito desse
movimento numa paisagem com mar. As ondas quebram-se assim,
sincopadamente, tal como bate o coração.
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