Um Ano na Crise

Família Fonseca

"Bastava ter um emprego mais ou menos certo para poder recorrer ao banco"

Por Idálio Revez

Quando os turistas caminham em direcção à praia, Sandra Fonseca faz o percurso inverso: vai limpar as casas deixadas vagas por famílias com poder de compra acima da média, em Vale do Lobo e na Quinta do Lago, no Algarve. "Com o que eles pagam de aluguer por um dia, 1500 euros, vivia eu à grande durante um mês", desabafa. O Verão no Algarve é sinónimo de férias para muitos e oportunidade de trabalho sazonal para outros. Numa terra onde o desemprego bateu o recorde dos 17 por cento, bem acima da média nacional, a chegada dos veraneantes representa um paliativo para minimizar alguns dos problemas sociais decorrentes da falta de trabalho.

Sandra, de 29 anos, mãe solteira, está entre os que encontraram trabalho com o aumento da ocupação hoteleira. O seu sonho, confessa, era voltar a viver em casa própria. "Bastava ter um emprego mais ou menos certo para poder recorrer ao banco." Por enquanto, conta só com a solidariedade dos pais, que a receberam em casa depois de ter falhado um negócio por conta própria na área dos similares de hotelaria (explorava um snack-bar perto de Olhão). Deixou as três horas diárias de limpezas na Universidade do Algarve e desde há cerca de um mês trabalha para uma empresa de apoio ao turismo, fazendo serviço de limpezas nos empreendimentos turísticos de luxo em Vale do Lobo e Quinta do Lago. "As vezes, digo à minha colega: Bastava-me ter uma casa do tamanho da casota do cão, destas que se encontram aqui." Seguindo a máxima de que o sonho comanda a vida, confessa que não é pessoa para desistir com facilidade: "Continuo a lutar por aquilo em que acredito e espero vir a ter melhores condições".

As dificuldades económicas barraram-lhe durante meses a ideia de partir para um novo projecto, mas conseguiu dar o salto no campo afectivo. "Vivo com o Luciano desde há cerca de dois meses", confidencia. O novo companheiro sorri, puxa um cigarro feito à mão e oferece-o à amiga. O companheiro vive de uma pensão de invalidez, de pouco mais de 200 euros por mês. Com esse rendimento, mesmo juntando o ordenado dela - ronda os 700 euros - "não é possível pensar em arranjar uma casa para vivermos juntos". Os dois filhos de Sandra, um de cinco e outro de dez anos, moram com as avós.

Luciano confessa que não se sente bem por depender de uma pensão mínima. "Tenho conhecimentos de mecânica e gostaria de trabalhar nessa área, mas já me disseram que não posso acumular rendimentos - devem ter medo que fique rico", ironiza.

Nos últimos tempos surgiu mais uma dificuldade. Luciano foi multado em 200 euros e julgado em tribunal por falta de pagamento. Não dispondo de rendimentos, foi-lhe comutado o valor da penalização por trabalho social no Banco Alimentar, em Faro. Sandra Fonseca confessa que, embora se "sinta estafada" com o trabalho - sai de casa às 8h, regressa às 21h e só com direito a um dia de descanso por semana -, ainda vai trabalhar como voluntária na próxima folga. Oferece-se para colaborar no Banco Alimentar. "É uma oportunidade de estar mais tempo perto do Luciano", observa.