Smith & Jones
é uma série cómica de grande qualidade, com um humor de gargalhada sadia e
inteligente, humor muito trabalhado, com cenas que são diamantes genialmente
arrancados ao quotidiano (RTP2, sábados).
Uma das razões para a qualidade de Smith & Jones é a enorme empatia entre
os dois cómicos, bem reveladora da forma de trabalho da comédia popular britânica.
Percebe-se que, antes de chegarem ao écrã de televisão, passaram anos de tarimba
no palco, num qualquer pequeno palco, se calhar no canto dum bar, duma pequena
sala, nada de pompas de «teatros nacionais». Todas as noites, na Grã-Bretanha,
realizam-se centenas de pequenos espectáculos destes.
Se grande parte do programa é constituído por cenas especificamente criadas
para televisão, com enorme inventividade, há dois sketches de Smith & Jones
que remetem para aquele universo peculiar da comédia «de estrada»: a cena
em que ambos estão sentados em bancos altos num pequeno estúdio frente a uma
audiência, como se estivessem fazendo o espectáculo num bar, e a cena em que
os vemos de perfil, em grande plano numa conversa de chacha - seria impossível
manter verosimilhança nessa cena semanal se os dois cómicos não comunicassem
profundamente entre si.
Cenas como estas não poderiam existir em Portugal, por não haver qualquer
tradição de actos de comédia «de estrada». Tem razão Herman José quando atribui
valor profissional à tarimba que ganhou nas feiras, que é a experiência paralela
que ele pode ter tido em Portugal. A relação do cómico com o público, o saber
quando dizer e quando parar, quando prosseguir por certa linha, saber improvisar,
tudo isso precisa de muita experiência com gente verdadeira à frente, não
com câmaras e um realizador.
Hoje, muitos "entertainers" chegam rapidamente ao écrã - após uma fulgurante
aparição em passereles mostrando modelos da Ana Salazar subsidiados pelo Ministério
do Comércio. Não aprenderam a representar, em alguns casos mal sabem falar.
Nem para trivialidades conseguem articular duas frases. Mas são estrelas do
écrã e capas de revistas.
Não é um fenómeno exclusivamente nosso. Nos talk-shows de Jay Leno, David
Lettermann e Conan O'Brien aparecem dezenas de estrelas de cinema e TV que
também nunca enfrentaram, em directo, um palco com gente à frente e que ficam
aterrorizadas com a ideia de irem falar (repito: falar) com um entertainer
experimentado, como se pôde verificar num recente documentário da BBC sobre
esses talk-shows.
A televisão, pelo seu processo de trabalho, encoraja o aparecimento e o estrelato
destes profissionais do entretenimento que confundem a câmara com o público.
Não têm o contacto vibrátil com pessoas verdadeiras sentadas à sua frente
no escuro. São actores do play-back, actores do grava-desgrava.
Não havendo termos de comparação, a artificialidade desse tipo de programas
cómicos passa facilmente na televisão como se fosse «the real thing». Todavia,
o público sabe instintivamente escolher programas mais vernáculos.
O
êxito que tem obtido o programa Batatoon junto do público infantil
(TVI, dias úteis) só pode ter essa razão. Trata-se de um programa de qualidade
vulgar, mas que tem um valor muito importante: é ao vivo, tem pessoas dentro,
palhaços - palhaços do circo, maus ou bons, pobres ou ricos, mas palhaços,
pessoas com a cara pintada a fazer graças e trapalhadas, com quem as crianças
podem falar. As crianças mais pequenas precisam desta identificação.
O mesmo valor do contacto directo é o aspecto mais interessante da sitcom
Residencial Tejo (SIC, sextas). Esta adaptação de mais um formato estrangeiro
à realidade portuguesa (a protagonista torna-se aqui alentejana) também surpreende
pelo excelente desempenho de Maria do Céu Guerra, que chega tarde, mas bem,
à televisão. A Residencial Tejo é ela. A sua composição da personagem dominou
por completo o primeiro episódio. A caracterização alentejana estava muito
rigorosa, a figura é em simultâneo cómica e carinhosa, e é um verdadeiro personagem,
quer dizer, uma pessoa completa, com a humana condição, e não apenas uma caricatura.
A caracterização estava um pouco carregada no primeiro episódio, mas, feito
o molde, os episódios seguintes hão-de atenuá-la para não cansar os espectadores.
O segundo episódio já «abriu» um pouco mais os outros personagens.
Num aspecto a adaptação desta residencial à realidade portuguesa não funciona:
num passe de magia, dois chaparros acabadinhos de passar o Tejo abancam numa
residencial sem que haja choques culturais e sociais, nem mesmo com as beatas
que ficaram para «tias». Neste Portugal de classes estanques seria complicado
acontecer esta aceitação da diferença. Também não se percebe que um personagem
importante, o representado por António Victorino de Almeida, tenha desaparecido
no segundo episódio.
Mas o mais interessante desta série consiste no regresso às origens da sitcom
americana: é gravada perante uma audiência, a meio caminho entre o teatro
e o programa de ficção gravado para TV. Este facto é capital para o conseguimento
da série. Ela tem um ar mais genuino. Os actores têm dezenas de pequenas falhas
e hesitações, mas há ali uma electricidade entre o «directo», o «ao vivo»
e a «audiência», que ultrapassa essas deficiências. O realizador, Fernando
Ávila, tem que escolher as câmaras como se estivesse a gravar um programa
ao vivo e os actores representam de forma muito diferente à de estarem apenas
perante câmaras e poderem regravar as vezes que fosse necessário. Ali, em
rigor, só se faz uma vez - como na vida real.
A câmara é muito mais do que uma máquina de ver à distância. É de facto o
prolongamento da vista, é os nossos olhos. Em Residencial Tejo vê-se que há
uma diferença de actuação, de comportamento dos actores relativamente ao resto
das séries. Esse facto é essencial para a relação do espectador com ela.
Não admira que a produtora tenha tido a necessidade de ir buscar não só uma
protagonista de alto gabarito, actriz de teatro com grande experiência de
grandes e pequenos palcos, como outros actores de teatro muito experimentados,
como Anna Paula, Fernanda Borsatti e Canto e Castro. Residencial Tejo seria
um fracasso estético e comercial se fosse feito pelos entertainers do grava-desgrava
e pela rapaziada das passareles, todos tropeçando nas palavras e nos forros
de dentro dos personagens.
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Griff Rhys Jones
Mel
Smith
"Smith
& Jones é
uma série cómica de grande qualidade, com um humor de gargalhada sadia e inteligente,
humor muito trabalhado, com cenas que são diamantes genialmente arrancados
ao quotidiano".
Produtora do programa:
www.talkback.co.uk
Residencial
Tejo
Com Maria do Céu Guerra
Batatoon
"Trata-se de um programa
de qualidade vulgar, mas que tem um valor muito importante: é ao vivo, tem
pessoas dentro, palhaços - palhaços do circo, maus ou bons, pobres ou ricos,
mas palhaços, pessoas com a cara pintada a fazer graças e trapalhadas, com
quem as crianças podem falar. As crianças mais pequenas precisam desta identificação".
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