por António Almeida Santos*
:O espelho do Parlamento (direito de resposta)


Na edição de hoje [13.03.2000] do jornal que V. Exª. dirige, leio um texto subscrito pelo articulista Eduardo Cintra Torres, intitulado "O espelho do parlamento", onde, a par de considerações judiciosas, surgem informações menos exactas, que justificam um reparo, na medida em que contendem, ou podem contender, com o prestígio do órgão de soberania a que presido.
Daí a necessidade, que senti, de levar ao conhecimento de V. Exª. alguns esclarecimentos, algumas rectificações, e uma ou outra consideração que tenho por justificada.
O chamado "Canal Parlamento" não foi concebido como mais uma estação emissora de TV. Aceito que isso desagrade ao autor do artigo, mas o critério que fez vencimento foi o da maioria parlamentar. Por isso mesmo, o sinal televisivo da Assembleia da República está, como sempre esteve, na disponibilidade de todas as estações emissoras, públicas e privadas, facto que estas não desconhecem.
O facto de, até agora, só ter sido assinado um protocolo com a TV-Cabo, deve-se à circunstância de só ela, até hoje, ter mostrado interesse na utilização daquele sinal.
Será isso porque o faz sem qualquer dispêndio para a Assembleia da República, sendo que a gratuitidade daquela utilização desestímula as restantes estações emissoras? Não sei. O que sei, é que a mesma gratuitidade coloca em pecado de inverdade a informação, constante do artigo em apreço, de que o chamado Canal Parlamento é "financiado por dinheiros públicos". Ao invés, ele assenta numa fórmula que economiza maximamente o dispêndio público.
Diz mais o ilustre articulista que a Assembleia não foi capaz de fazer o seu canal "com independência", antes "sujeito à manipulação política".
Isto, Senhor Director, é profundamente injusto. Para poder funcionar com total independência, e não sujeito a manipulação política, é que o modelo aprovado em 1997, e em vias de reestruturação, foi concebido como apenas informativo - jamais opinativo - e circunscrito, no seu objecto, a um "minimum" que o desidentifica como estação televisiva. Por ser assim, ele só poderia ser "uma anedota", como pretende o autor da coluna a que me refiro, quando a preocupação de absoluta objectividade informativa o fosse.
Já agora informo que, por um lado, a reestruturação que está a caminho, sem alterar a referida preocupação de objectividade informativa, vai tornar mais abrangente a informação - e uma vez mais só a informação - a prestar aos telespectadores; e por outro que, mesmo na versão minimal até hoje praticada, o recomeço da transmissão das sessões plenárias foi insistentemente exigido por numerosos cidadãos que totalmente discordam do juízo de inutilidade sobre ela expresso. Talvez porque não concordam com a afirmação de que os outros canais de televisão "já transmitem os momentos altos da vida parlamentar", pelo que o Canal Parlamento "não serve para nada".
A verdade é antes que "os outros canais" apenas transmitem momentos fugazes do que se passa no plenário da Assembleia, seleccionados segundo discutíveis, embora respeitáveis, critérios de notícia, enquanto que o chamado Canal Parlamento transmite na íntegra o que no Plenário se passa. Será que isto "não serve para nada"? O que serve então? Apenas os conflitos, os momentos com carga dramática, os pequenos ridículos, os "fait divers", o que apouca a instituição parlamentar? Eu respeito a visão do que, no entender do articulista, deveria ser o Canal do Parlamento. E não me custa tê-la por bem intencionada. Mas é a dele, não a dos que têm a responsabilidade de gerir o órgão de soberania que a Assembleia é. De qualquer modo, é a visão de uma nova estação emissora de televisão, e não vejo nenhuma digna de ser tomada como paradigma, no actual contexto televisivo nacional. Talvez porque todas perfilham a concepção do autor do artigo que comento, segundo a qual "a TV se transformou na forma mais usual da praxis política".
Uma nova estação televisiva com seis partidos políticos dentro, havia de ser, não há dúvida, um belo exemplo de "profissionalismo sem um grão de propaganda"!... Em que estação ideal falta esse grão? Uma outra anotação, embora não verse o principal: lê-se no artigo em apreço que, "neste processo amadorístico, Almeida Santos nomeou um colega do PS e ex-colega de bancada, José Niza, para dirigir o inexistente canal. A oposição - acrescenta-se - não quis. Almeida Santos nomeou-o então assessor seu para o canal: perfeito".
Mais imperfeito não podia ser este passo. Primeiro: não nomeei o José Niza. Limitei-me a propor a sua escolha ao órgão competente para escolhê-lo. Segundo: não o nomeei meu assessor, embora tencione nomeá-lo para substituir um membro do meu gabinete que vai reformar-se. Terceiro: se e quando o nomear, não será para me assessorar no que diz respeito ao Canal Parlamento, que é gerido por um órgão colegial com representação de todos os grupos parlamentares. Quarto: quando sugeri o seu nome foi por, sendo funcionário público, poder ser requisitado; por ter passado pela televisão; e por ser exemplar, consabidamente sério, e ser capaz de um desempenho equidistante de todos os partidos. Este juízo é consabidamente notório.
Último apontamento: o ilustre articulista pretende ainda que a proposta de reformulação do Canal Parlamento (que aliás já foi aprovada, não estando, pois, "há meses em discussão") foi elaborada por quem não tem competência "para formular o que deve ser um canal de televisão".
Não me custa enfiar pessoalmente a carapuça. Pouco sei de televisão, apesar de ter sido, "in illo tempore", Ministro da Comunicação Social. E admito, já que o não conheço, que o ilustre articulista seja um exímio perito na matéria. Mas é injusto quando estende essa presunção de ignorância ao universo de todos os Deputados! Não são poucos, felizmente, os que dominam a matéria, porventura tão bem como ele! Tão bem, de facto, que nunca cometeriam a injustiça - ou a leviandade? - de classificar de "indecoroso" o processo de lançamento experimental, e agora de reestruturação, do dito "Canal Parlamento". Este foi, e vai ser, o que conscientemente se quis que fosse, e agora se quer que passe a ser. Foi e será a expressão de uma opção consciente. O engano do ilustre articulista foi confundir incapacidade de fazer melhor com intenção deliberada de fazer assim. Terá de ter a bondade de defender o modelo ideal que perfilha sem tentar menosprezar, e ofender, a matriz da nossa Democracia.
Aliás, manifestamente, o articulista não leu as "linhas de reestruturação do canal parlamentar" aprovadas pela Conferência de Representantes dos Grupos Parlamentares e pelo próprio Plenário. Se o tivesse feito, teria podido verificar que, na quase totalidade, as ideias que tem por boas e urgentes constam do projecto de reestruturação aprovado no dia 2 de Março: diversificação da grelha de programas (por forma a abranger mais do que reuniões plenárias e de comissões), articulação com o serviço de informação parlamentar via Internet, comunicação directa com os cidadãos e até "programas de informação que traduzissem o conteúdo da legislação em linguagem acessível", como desejam justamente o articulista... e os Deputados, de quem é injustíssimo dizer que "preferem o Canal Parlamento como está", no preciso momento em que deliberaram mudá-lo (bem antes de conhecerem o artigo em causa!).
Não tenho, Senhor Director, acorrido pressuroso a rectificar todas as referências inexactas e injustas dirigidas à instituição a que presido, o meu apego à liberdade crítica impõe-me um alto grau de compreensão nesse domínio. Mas, o respeito que tenho pelo jornal que V. Exª. dirige, impôs-me, neste caso, a presente reacção.

cPresidente da Assembleia da República