Na edição
de hoje [13.03.2000] do jornal que V. Exª. dirige, leio um texto subscrito
pelo articulista Eduardo Cintra Torres, intitulado "O espelho do parlamento",
onde, a par de considerações judiciosas, surgem informações menos exactas,
que justificam um reparo, na medida em que contendem, ou podem contender,
com o prestígio do órgão de soberania a que presido.
Daí a necessidade, que senti, de levar ao conhecimento de V. Exª. alguns
esclarecimentos, algumas rectificações, e uma ou outra consideração que
tenho por justificada.
O chamado "Canal Parlamento" não foi concebido como mais uma estação emissora
de TV. Aceito que isso desagrade ao autor do artigo, mas o critério que
fez vencimento foi o da maioria parlamentar. Por isso mesmo, o sinal televisivo
da Assembleia da República está, como sempre esteve, na disponibilidade
de todas as estações emissoras, públicas e privadas, facto que estas não
desconhecem.
O facto de, até agora, só ter sido assinado um protocolo com a TV-Cabo,
deve-se à circunstância de só ela, até hoje, ter mostrado interesse na
utilização daquele sinal.
Será isso porque o faz sem qualquer dispêndio para a Assembleia da República,
sendo que a gratuitidade daquela utilização desestímula as restantes estações
emissoras? Não sei. O que sei, é que a mesma gratuitidade coloca em pecado
de inverdade a informação, constante do artigo em apreço, de que o chamado
Canal Parlamento é "financiado por dinheiros públicos". Ao invés, ele
assenta numa fórmula que economiza maximamente o dispêndio público.
Diz mais o ilustre articulista que a Assembleia não foi capaz de fazer
o seu canal "com independência", antes "sujeito à manipulação política".
Isto, Senhor Director, é profundamente injusto. Para poder funcionar com
total independência, e não sujeito a manipulação política, é que o modelo
aprovado em 1997, e em vias de reestruturação, foi concebido como apenas
informativo - jamais opinativo - e circunscrito, no seu objecto, a um
"minimum" que o desidentifica como estação televisiva. Por ser assim,
ele só poderia ser "uma anedota", como pretende o autor da coluna a que
me refiro, quando a preocupação de absoluta objectividade informativa
o fosse.
Já agora informo que, por um lado, a reestruturação que está a caminho,
sem alterar a referida preocupação de objectividade informativa, vai tornar
mais abrangente a informação - e uma vez mais só a informação - a prestar
aos telespectadores; e por outro que, mesmo na versão minimal até hoje
praticada, o recomeço da transmissão das sessões plenárias foi insistentemente
exigido por numerosos cidadãos que totalmente discordam do juízo de inutilidade
sobre ela expresso. Talvez porque não concordam com a afirmação de que
os outros canais de televisão "já transmitem os momentos altos da vida
parlamentar", pelo que o Canal Parlamento "não serve para nada".
A verdade é antes que "os outros canais" apenas transmitem momentos fugazes
do que se passa no plenário da Assembleia, seleccionados segundo discutíveis,
embora respeitáveis, critérios de notícia, enquanto que o chamado Canal
Parlamento transmite na íntegra o que no Plenário se passa. Será que isto
"não serve para nada"? O que serve então? Apenas os conflitos, os momentos
com carga dramática, os pequenos ridículos, os "fait divers", o que apouca
a instituição parlamentar? Eu respeito a visão do que, no entender do
articulista, deveria ser o Canal do Parlamento. E não me custa tê-la por
bem intencionada. Mas é a dele, não a dos que têm a responsabilidade de
gerir o órgão de soberania que a Assembleia é. De qualquer modo, é a visão
de uma nova estação emissora de televisão, e não vejo nenhuma digna de
ser tomada como paradigma, no actual contexto televisivo nacional. Talvez
porque todas perfilham a concepção do autor do artigo que comento, segundo
a qual "a TV se transformou na forma mais usual da praxis política".
Uma nova estação televisiva com seis partidos políticos dentro, havia
de ser, não há dúvida, um belo exemplo de "profissionalismo sem um grão
de propaganda"!... Em que estação ideal falta esse grão? Uma outra anotação,
embora não verse o principal: lê-se no artigo em apreço que, "neste processo
amadorístico, Almeida Santos nomeou um colega do PS e ex-colega de bancada,
José Niza, para dirigir o inexistente canal. A oposição - acrescenta-se
- não quis. Almeida Santos nomeou-o então assessor seu para o canal: perfeito".
Mais imperfeito não podia ser este passo. Primeiro: não nomeei o José
Niza. Limitei-me a propor a sua escolha ao órgão competente para escolhê-lo.
Segundo: não o nomeei meu assessor, embora tencione nomeá-lo para substituir
um membro do meu gabinete que vai reformar-se. Terceiro: se e quando o
nomear, não será para me assessorar no que diz respeito ao Canal Parlamento,
que é gerido por um órgão colegial com representação de todos os grupos
parlamentares. Quarto: quando sugeri o seu nome foi por, sendo funcionário
público, poder ser requisitado; por ter passado pela televisão; e por
ser exemplar, consabidamente sério, e ser capaz de um desempenho equidistante
de todos os partidos. Este juízo é consabidamente notório.
Último apontamento: o ilustre articulista pretende ainda que a proposta
de reformulação do Canal Parlamento (que aliás já foi aprovada, não estando,
pois, "há meses em discussão") foi elaborada por quem não tem competência
"para formular o que deve ser um canal de televisão".
Não me custa enfiar pessoalmente a carapuça. Pouco sei de televisão, apesar
de ter sido, "in illo tempore", Ministro da Comunicação Social. E admito,
já que o não conheço, que o ilustre articulista seja um exímio perito
na matéria. Mas é injusto quando estende essa presunção de ignorância
ao universo de todos os Deputados! Não são poucos, felizmente, os que
dominam a matéria, porventura tão bem como ele! Tão bem, de facto, que
nunca cometeriam a injustiça - ou a leviandade? - de classificar de "indecoroso"
o processo de lançamento experimental, e agora de reestruturação, do dito
"Canal Parlamento". Este foi, e vai ser, o que conscientemente se quis
que fosse, e agora se quer que passe a ser. Foi e será a expressão de
uma opção consciente. O engano do ilustre articulista foi confundir incapacidade
de fazer melhor com intenção deliberada de fazer assim. Terá de ter a
bondade de defender o modelo ideal que perfilha sem tentar menosprezar,
e ofender, a matriz da nossa Democracia.
Aliás, manifestamente, o articulista não leu as "linhas de reestruturação
do canal parlamentar" aprovadas pela Conferência de Representantes dos
Grupos Parlamentares e pelo próprio Plenário. Se o tivesse feito, teria
podido verificar que, na quase totalidade, as ideias que tem por boas
e urgentes constam do projecto de reestruturação aprovado no dia 2 de
Março: diversificação da grelha de programas (por forma a abranger mais
do que reuniões plenárias e de comissões), articulação com o serviço de
informação parlamentar via Internet, comunicação directa com os cidadãos
e até "programas de informação que traduzissem o conteúdo da legislação
em linguagem acessível", como desejam justamente o articulista... e os
Deputados, de quem é injustíssimo dizer que "preferem o Canal Parlamento
como está", no preciso momento em que deliberaram mudá-lo (bem antes de
conhecerem o artigo em causa!).
Não tenho, Senhor Director, acorrido pressuroso a rectificar todas as
referências inexactas e injustas dirigidas à instituição a que presido,
o meu apego à liberdade crítica impõe-me um alto grau de compreensão nesse
domínio. Mas, o respeito que tenho pelo jornal que V. Exª. dirige, impôs-me,
neste caso, a presente reacção.
cPresidente
da Assembleia da República
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