O Canal Parlamento
não funciona. Há dois anos que o canal de televisão da Assembleia da República
ocupa inutilmente uma frequência de TV (sendo as frequências "um bem escasso",
conforme se diz sempre).
Este canal é uma inutilidade total para a TV Cabo Portugal, que generosamente
assinou um acordo para a sua retransmissão com o parlamento em Setembro
de 1997 (há 30 meses), para os seus assinantes, espectadores em geral
e todos os cidadãos.
Em tempos, o parlamento já deitou cá para fora umas desculpas esfarrapadas
sobre a vacuidade do canal, quer dizer, sobre o seu desprezo para com
a sociedade civil. O caso é este: o parlamento eleito por todos nós foi
incapaz de construir o seu próprio canal durante dois anos e meio! Se
não consegue resolver um assunto que lhe diz respeito, como há-de o parlamento
debruçar-se sobre os problemas graves de todos nós?
O Canal Parlamento é um canal "de serviço público" que tem escapado ao
escrutínio da sociedade. As baterias da crítica voltam-se apenas para
a RTP e o governo que a segura, quando o parlamento também tem um canal
próprio, de alguma forma financiado por dinheiros públicos, pois é alimentado
pela própria Assembleia. Só que enquanto a RTP presta um mau serviço público
mas existe, o Canal Parlamento não presta nenhum serviço porque não existe.
É uma anedota.
E é assim porque o parlamento não só se achou capacitado para o fazer
como para o fazer com independência. Acontece que também ele, por maioria
de razão, está sujeito à manipulação política. É por essa razão que está
actualmente emperrado no parlamento. Em vez de clareza de processos, os
partidos entregaram-se a fórmulas para o canal que originam suspeitas.
Todo o processo está errado. A proposta da sua reformulação que está há
meses em discussão foi preparada, não se percebe porquê, pelo gabinete
do Presidente da Assembleia, Almeida Santos: quais as competências destas
pessoas para formularem o que deve ser um canal de televisão?
As suspeitas da oposição, todavia, não passam por aí, porque não é a incompetência
que preocupa a oposição. Só se levantaram protestos porque neste processo
amadorístico Almeida Santos nomeou um colega do PS e ex-colega de bancada,
José Niza, para dirigir o inexistente canal. A oposição não quis. Almeida
Santos nomeou-o então "assessor" seu para o canal: perfeito!
Todo este indecoroso processo de 30 meses exemplifica como o serviço público
muitas vezes está pior nas mãos do Estado do que dos privados.
O caso poderia servir de pedagogia para o restante serviço público de
TV em Portugal se, alguma vez nas nossas vidas, o parlamento fosse visitado
pela pomba do Espírito Santo e ela lá deixasse uma centelha de inovação
e de coragem em aplicá-la.
Imaginemos o seguinte: o parlamento decide ter um canal de TV, mas, como
não percebe nada do assunto, entrega-o a quem sabe fazê-lo: os profissionais
da sociedade civil. Querendo preservar o que entende que deve ser o conteúdo
do canal, o parlamento estabelece um rigoroso contrato de concessão aberto
a concurso público. Ganha quem o parlamento achar que cumprirá melhor
e pelo preço justo as condições do contrato.
Feito o concurso e iniciado o processo, alguém imagina que o processo
parava? Claro que não. Os privados quereriam, no seu próprio interesse,
que o canal tivesse emissões e que fossem cumpridas as condições do contrato,
a começar pela independência.
Como deveria ter sido óbvio desde o início (excepto para aquelas cabecinhas
eleitas), um canal parlamentar não pode ser apenas a mera reprodução das
sessões do plenário ou das comissões. É isso que o Canal Parlamento tem
feito quando emite todos os dias 30 de Fevereiro.
Ora a televisão é a reconstrução da realidade através de meios próprios;
tem a sua linguagem; tem os seus processos de transmitir mensagens informativas.
Limitar o canal a mostrar os momentos altos da vida parlamentar - que
os outros canais já transmitem - é um convite a que ele não sirva para
nada. Mesmo um canal parlamentar é um canal de TV e tem que seguir as
regras da sua linguagem. Se não entenderem isto, mais vale os deputados
desistirem.
O que poderia ser a grelha de programas dum verdadeiro canal parlamentar?
Tudo o que o Canal Parlamento não tem sido.
Para já, emitiria diariamente, ou pelo menos 6 dias por semana. As sessões
do plenário e das comissões seriam dadas ou em directo ou em montagem
alargada com características jornalísticas. O canal teria os seus próprios
jornalistas, que acompanhariam com especialização os trabalhos parlamentares.
Haveria cobertura das conferências de imprensa, que, por inércia, se tornariam
mais frequentes. Haverias conversas, debates, entrevistas - com jornalistas
e perguntas dos cidadãos pelo telefone. Haveria canais de comunicação
entre os cidadãos e os "seus" deputados distritais (o que só desagradaria
a parlamentares confortavelmente instalados no anonimato).
Haverias moradas, telefones e faxes e endereços electrónicos para os quais
os cidadãos pudessem comunicar directamente com os "seus" deputados distritais
(um pesadelo para muitos). Haveria formas expeditas de se mostrar como
podem os cidadãos pressionar democraticamente o parlamento.
Haveria programas de informação que traduzissem o conteúdo da legislação
em linguagem acessível e que informassem todas as novas leis. Haveria
um serviço de teletexto com centenas de informações úteis do parlamento
para os cidadãos.
Tudo isso se poderia fazer com profissionalismo e sem um grão de propaganda.
Numa era em que a TV se transformou na forma mais usual da praxis política,
o Canal Parlamento poderia ser uma alavanca da reforma do sistema político
para uma maior democratização da informação política e do contacto entre
os cidadãos e os "seus" eleitos. Seria uma forma interessante de começar
essa reforma por não implicar qualquer alteração do sistema e por servir
de teste aos anseios dos cidadãos na amplificação das formas de participação
no processo decisório.
Serviria, enfim, para os cidadãos controlarem - através da informação
- esse processo decisório. Provavelmente é isso que os deputados não querem.
Eles estão muito bem assim como estão, graças a Deus. Preferem o Canal
Parlamento como está, que é como quem diz, estão arrependidos de que ele
exista.
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