Depois
de anos de letargia,
a TVI, agora dirigida por José Eduardo Moniz, teve de procurar saídas
do túnel em que se enfiou. Romper o cerco não é fácil: dum lado está a
RTP1, com programação mista, apelando ao público mais velho e nas zonas
rurais; do outro está a SIC, com uma programação de sucesso em todos os
grupos e regiões, com muitos programas populares, uma informação considerada
a mais credível - e as telenovelas da Globo.
Para garantir audiências constantes é preciso âncoras de programação diárias,
como as telenovelas. Este produto garante a mais fiel das audiências,
a das donas de casa, base sobre a qual se garantem receitas. Mas se a
concorrência tem as melhores telenovelas, como fazer?
A TVI tem tentado alternativas que, se não fazem mossa, sempre vão moendo
as audiências dos dois concorrentes, o que se verificou no primeiro trimestre.
As mais positivas foram a criação dum espaço infantil com períodos ao
vivo (Batatoon), durante a tarde, e o arranque da sua produção ficcional
com "Todo o Tempo do Mundo".
Já na área da informação, o caminho tem sido marcado por um tom geral
negativo. Criou alguns «eventos» especiais que recolocam a TVI nas bocas
do mundo mesmo que não garantam audiências. Se é muito importante para
um canal de TV ter visibilidade na imprensa, mais ainda é o ser-se falado
na rua, no mercado, no local de trabalho: é aí que se constroem audiências.
Para isso, a TVI optou por programas de temas chocantes, alguns com interesse,
outros um total desconchavo. A busca de audiências através do sensacionalismo
levou uma ou outra vez à passagem da fronteira dos limites de seriedade
informativa, mas principalmente à centragem dos produtos não diários de
informação em temas sensacionais ou sensacionalistas. O paradigma deste
tipo de informação foi uma reportagem num campo de nudistas brasileiro
centrada no rabo do jornalista Nelson Pereira.
Poderá dizer-se que o rabo do jornalista não foi nada demais, dado que
pela mesma altura o gorduroso produto que a SIC apresenta com o título
de «Herman SIC» não só se entreteve com vários rabos femininos e masculinos
como ultrapassou o último dos tabus visuais, o da genitália masculina.
Mas há, apesar de tudo, uma diferença, mesmo que cínica, entre as duas
coisas: o programa de Herman inscreve-se no género do entretenimento,
enquanto o rabo do jornalista protagonizou um programa de «informação».
Os programas apresentados por Paulo Salvador (Especial TVI) vão alternando
os dramas mais pungentes da sociedade com toda a parafernália de temas
em que as coisas do corpo e do sexo - principalmente o voyeurismo e os
«desvios» à «normalidade» - dominam o "plateau". Se os mais conservadores
perguntarem «onde é que isto vai parar?», saibam que, depois do rabo do
jornalista e doutras temáticas congéneres, Paulo Salvador ainda tem muito
para mostrar. O sexo com animais, por exemplo, ainda não foi abordado.
Quase toda a informação da TVI se organiza em torno do «espectacular».
Um novo programa, esporádico, apresentado por Júlio Magalhães, chamado
«Investigação TVI», dedicou cerca de quatro horas de «prime time» em duas
noites consecutivas a um tema que envolvia uma criança à guarda duma instituição
privada de solidariedade, a Sol. A legitimidade da reportagem era evidente,
mas a desproporção do tom e do tempo gasto em relação ao tema originaram,
há já muito tempo, o sentido da palavra sensacionalismo aplicada à imprensa.
Júlio Magalhães deveria ter-se calado quando, num desses programas em
directo, alguém acusou a TVI de seguir aquele caminho por querer mais
audiências. Ele preferiu negar.
Este tipo de informação sensacionalista, mesmo quando correcta do ponto
de vista ético, é um nicho de mercado, o que significa que a TVI não poderá
conseguir audiências massivas com ela. A continuar por aí, dificilmente
conseguirá ultrapassar os 20 e poucos por cento de "share". Veremos se
a partir de Maio, quando inaugurar um novo estúdio para a informação,
Moniz mantém o rabo do jornalista como modelo do conteúdo informativo
da TVI. A SIC também passou por um período de controvérsia (Cadeira do
Poder, «Paula», etc.), feito, em parte, à custa dos espectadores, mas
encostou-se ao «centro» ao chegar à maioridade.
Noutro sector, a TVI segue as pisadas que a RTP e a SIC já percorreram
nos primeiros tempos da televisão privada. Em menos de um mês, surgiram
três programas muito similares na sua construção técnica e narrativa:
"Os Animais Também São Gente" (quintas-feiras), "TV Impacto" (sextas-feiras)
e "Olhó Vídeo" (todas as «feiras» e sábados!).
Qualquer um deles é apresentado por uma jovem figura feminina (Cristina
Mohler, Paula Castelar e Fernanda Serrano), todos reúnem pacotes de imagens
mais ou menos antigas, quase todas norte-americanas, todos se situam entre
o «real» e informativo e o entretenimento.
O "TV Impacto" mostra imagens sobre as quais Castelar diz sempre serem
«impressionantes»: já as teremos visto apresentadas por Artur Albarran
ou Carlos Cruz ? No "Olhó Vídeo", Fernanda Serrano mostra cenas quase
tão giras quanto os textos que as apresentam: já as teremos visto em algum
dos 28 canais generalistas, nacionais ou estrangeiros, via cabo, via terrestre
ou via satélite ? Pouco importa, até porque a TVI repete o mesmo "Olhó
Vídeo" se preciso for no dia seguinte. "TV Impacto" e "Olhó Vídeo" são
dois programas que quase se igualam e confundem. De facto, são feitos
no mesmo estúdio, com cenários muito semelhantes, a realização e a montagem
são idênticas, a «linguagem» visual e a técnica de representação das apresentadoras
são iguais.
A similitude prejudica os programas, pois revela a sua essência «industrial»,
de linha de montagem, diminuindo os eventuais efeitos de comédia ou de
«impressionância» que pudessem provocar nos espectadores. Em cada dia
que passa, os públicos perdem ingenuidade perante os produtos media. Se
a revolução digital alguma coisa trouxer é o facto de que cada espectador
terá o seu canal próprio de som e imagem. Mais ainda: cada espectador
será um canal. Nesse dia futuro, não restará nenhum ingénuo para se rir
dos «Olhó Vídeo» e dos «TV Impacto» deste mundo, mesmo que também mostrem
rabos de jornalistas.
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