Os
Globos de Ouro e a sua Gala têm vários méritos: os juris são
representativos e independentes; as escolhas são colocadas ao escrutínio
público e conhecidas apenas na cerimónia; os processos de escolha e eleição
são totalmente transparentes; o espectáculo é muito profissional e tem
vindo a melhorar de ano para ano, tendo o deste ano sido francamente superior,
menos aborrecido; Catarina Furtado também cresceu.
Todavia, fica um amargo de boca quando, por força da votação popular,
ganha o mais forte, quer dizer, o mais «conhecido». As escolhas do público
revelaram este ano de forma ainda mais nítida que, dentre a escolha dos
juris, o público tende a escolher o que tem mais «audiências»: no desporto,
ganhará facilmente o futebolista em desfavor do jogador de andebol ou
do nadador; no cinema, o mais mediático, na televisão o do canal de mais
audiência ou o do programa de mais audiência.
Os Globos de Ouro são, nas nomeações dos juris, prémios de mérito mas,
nas escolhas dos preenchedores de cupões, são referendos de popularidade.
Daqui resulta uma ambiguidade. É como se houvesse duas escolhas contraditórias:
o juri puxa para o lado do mérito do trabalho realizado no ano anterior,
o público puxa para o lado mais fácil, o da popularidade e notoriedade.
É claro que os prémios de popularidade fazem parte duma sociedade de entretenimento
massificado em que tudo se quantifica - até pareceria mal se não se «medisse»
a notoriedade dos «conhecidos»!
Mas há uma outra ambiguidade nos Globos de Ouro. É que as entidades promotoras
estão ligadas, no caso da televisão, a uma das partes. Os prémios são
atribuídos por uma revista do grupo empresarial de Francisco Pinto Balsemão,
a "Caras", e são transmitidos num canal liderado por Pinto Balsemão. Outras
publicações ligadas ao mesmo grupo empresarial publicam cupões.
Apesar de o processo ser transparente e sério e de a iniciativa ser muito
louvável, aquele facto favorece os candidatos da televisão e do cinema
ligados à SIC. Basta lembrar que, quando nos anos passados havia os galardões
"Nova Gente", mais ligados à RTP, os prémios divergiam na exacta tendência
da entidade promotora: havia mais globos da "Caras" para a SIC e mais
galardões "Nova Gente" para a RTP. Nada mais natural: durante as 52 semanas
do ano, as revistas puxam para o canal a que estão mais ligadas; a "Caras"
mostra todas as semanas preferencialmente as caras da SIC, assim como
a "TV Guia" e a "Nova Gente" se inclinam para a gente da RTP.
Toda a promoção dos prémios é efectuada nas publicações mais ligadas ao
canal e no próprio canal. Desta forma, o público das revistas ligadas
ao grupo SIC terá mais tendência em votar nos produtos ou pessoas ligados
à SIC, tal como nos anos anteriores o público das revistas ligadas ao
grupo RTP e "Nova Gente" votava mais facilmente nos produtos e pessoas
ligados à RTP. Neste processo, a TVI ficava naturalmente de fora de qualquer
consideração.
Agora que a RTP se mostrou incapaz de organizar um sucedâneo para a Gala
Nova Gente, o campo ficou todo entregue a um conjunto de entidades ligadas
à SIC. Claro que já nos anos anteriores sucedia o mesmo, mas, existindo
também a Gala da Nova Gente, criava-se um equilíbrio - um pouco saloio,
reconheço - compensador da inexistência de prémios totalmente independentes.
Porque, nesta altura, é de prémios de mérito totalmente independentes
que se sente a falta. Como sempre, o exemplo americano é uma referência
exemplar: há os globos, atribuídos pela crítica, e há os óscares, atribuídos
pelos membros da Academia nas categorias em que o podem fazer.
Nada comparável com uma situação em que leitores de revistas votam, por
hipótese, em personalidades do teatro sem nunca terem ido nesse ano ao
teatro, ou escolhem entre quatro desportistas de que só conhecem um. Há
aqui, como sempre, um poderoso conflito entre a qualidade - aquilo que
os juris pretenderam escolher - e a quantidade - a popularidade dos nomeados
votados por um público não directamente interessado na maior parte das
matérias.
A beleza americana dos óscares tem a sua fundação num edifício totalmente
inabalável, simples, eficaz, ligado a uma instituição de toda a indústria
nas suas várias vertentes. E a beleza americana dos globos atribuídos
pela crítica reside exactamente na mesma pureza de processos: só os críticos
é que votam e pronto. Em Portugal, os principais, se calhar os únicos,
prémios do espectáculo são promovidos por uma revista de gente "guapa".
É da sociedade em que vivemos: pobre, com uma indústria do entretenimento
fraca e dependente. Se não houvesse Globos, não haveria prémios nenhuns,
pelo que se recomenda a virtude da resignação.
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