Quem quer que se dedique ao "zapping" sabe, sem precisar de
ouvir uma única palavra, quais os tipos de programas que passam fugazmente
pelos seus olhos. A quantidade de informação que nos é transmitida num
segundo é brutal: pelo cenário, pela atitude dos intervenientes, pela
assistência, pelo movimento.
A comunicação não verbal é, de facto, muito importante e concorre para
nos situar no mundo e em relação com os outros. Embora não substitua a
comunicação verbal, ela tem uma importância que dificilmente consciencializamos.
No mais banal programa de TV é necessário que a imagem e todos os outros
elementos não verbais transmitidos ao espectador tenham coerência com
o conteúdo. Espaço, mobiliário, distâncias entre coisas e pessoas, iluminação,
roupa dos apresentadores, maquilhagem, sorriso, movimentos da cabeça e
das mãos, música de fundo, estilo do mobiliário, cores, tom de voz - tudo
contribui para criar uma reacção emocional no espectador, eventualmente
ligada a uma apreciação estética.
É normal que muitas vezes os autores do cenário e desenho do espaço televisivo
errem num ou outro destes aspectos. Difícil é errarem em todos. Foi o
que conseguiram os autores do programa matinal da RTP1 Hora Viva! (de
segunda a sexta-feira).
Desenvolvendo-se em torno do tema "Segurança em directo", é um programa
para adultos, mas o cenário choca pela sua infantilidade: o tipo de letra
que identifica o programa, as cores roxas e laranjas, os desenhos nas
paredes, o sol a nascer lá por trás... Há uma falsa janelinha, com uns
estores que a gente quase vê a subir, onde o solzinho nasce, bem do lado
esquerdo, e os seus raios coloridos sobem para o lado direito. Mas, na
parede ao lado, há outros raios de sol - a descer, e a descer da direita
para esquerda. A estética em todo o seu esplendor matinal.
Os apresentadores sentam-se por trás de uma mesa-monolito, qual tanque
onde parecem defendidos de qualquer agressão que a gente lhes imponha.
A distância que se cria com o espectador é quilométrica. Para amenizar,
em cima do monolito há um despertador mais próprio de um programa infantil.
Quando tem convidados, o apresentador, Guilherme Simões, levanta-se do
seu lugar seguro por trás do monolito e dirige-se rapidamente para outra
mesa onde se senta à conversa. É importante que toda a gente esteja sempre
sentada, pois de outra forma poderia cair - eis a primeira regra da segurança.
A apresentadora, Carmen Godinho, um caso primoroso de "miscasting", fala
como se estivesse (em mimetismo com o cenário) num programa para crianças
com menos de cinco anos. Os seus diálogos com uma jovem de uma corretora,
Patrícia Almeida Garrett, sobre as acções da Bolsa de Lisboa e dos outros
mercados do mundo processam-se no mais absurdo estilo de comunicação possível:
poderiam estar as duas a falar de produtos de cosmética ou das novas gracinhas
do bebé.
No apresentador consubstancia-se um caso de "descomunicação não verbal",
pois não está vestido nem formal nem informalmente. O vestuário deveria
estar relacionado com o conteúdo e com o estilo de programa. O estilo
do programa convidava a um gravatinha e um "blazer" e o apresentador lá
vai diariamente de colete e desgravatado.
Mas na comunicação verbal o programa não melhora. Comecemos pelo título,
Hora Viva!: é um nome "engraçudo". Percebem os leitores a profundidade
do humor? Eu só ao fim de muitos dias o entendi. Por um lado, há a saudação
"Ora viva!"; por outro, há uma magna questão, a segurança, que nos faz
desejar uma "hora com vida". Genial, não é?
O estilo da Hora Viva! é a coisa mais insossa que há na televisão generalista
portuguesa. O tema é a "Segurança em directo", pois o programa é patrocinado
pelas autoridades da segurança. Não se vê qualquer razão para um programa
de segurança no horário que as televisões generalistas dedicam a públicos
amplos ou às crianças.
O programa inclui não só reportagens, mas também entrevistas longuíssimas
sobre segurança em todos os lados onde haja segurança, sejam escolas ou
aeroportos, entrevistas que àquela hora só podem ser desadequadas. O ritmo
do programa é o de uma marcha fúnebre do Tibete. Será que alguma vez os
seus autores viveram o ritmo alucinante do programa da manhã do Channel
4 britânico, Big Breakfast?
A ideia de um programa de segurança relacionado com o despertar e com
um cenário de cores infantis é tão absurda que não se entende como é que
aquilo saiu da imaginação de alguém com currículo profissional, nem como
é que a Direcção de Antena da RTP o passou do canal 2 para o 1. É um produto
descabido, um desperdício de energias. É tão mau, tão surrealista, tão
infantilóide que, àquela hora, até o CNL, não o sendo, parece um canal
para adultos.
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