Eduardo Cintra Torres

¡HOLA! YO SOY LA MANUELLA MUERA GUIEDEZ


Y ESTO ES EL TELEDIARIO DEL PS

O governo não tem nada a ver com a venda da Media Capital à Prisa. O PS também não. A Alta-Autoridade, que demora quatro anos a decidir sobre processos simples, como o do Bar da TV, nunca como no caso da renovação das licenças foi tão pressionada para decidir rapidississimamente. Sebastião Lima Rego, membro da Alta Autoridade que só por acaso é do PS, disse que é “tudo normal” no processo e na rapidez de decisão (PÚBLICO, 30.08). “Tudo normal”, disse também o ministro Augusto Santos Silva (SIC, 30.09). Os contactos entre as partes? Todos “normais”. Nunca um governo achou tão normal um processo. Por serem espanhóis? E que mal tem, controlarem um potentado mediático? É normal. A Prisa favorece o PSOE em Espanha? Não temos nada a ver com isso. E se a Prisa nomear pessoas do PS ou próximas do PS para dirigir a TVI? Tudo será resultado de uma aquisição cristalinamente normal. É o mercado!, diz o ministro. O eterno bota-palavra do PS, Arons de Carvalho, escreveu um artigo (PÚBLICO, 27.09) mais claro ainda do que a normalidade que emana de Santos Silva. Também para Arons tudo é normalississíssimo: a pressa do governo para que seja a moribunda Alta Autoridade a decidir quase antes de tempo a renovação das licenças da SIC e da TVI; que o governo queira \u2212 “e bem!” \u2212 que a renovação seja “praticamente automática”. Para Arons, seria “completamente absurdo” (!) verificar se os concessionários cumpriram as obrigações contratuais e acha que “nunca” se deve “ponderar” sobre a presença de capital estrangeiro “em pleno processo” de renovação. E, claro, está convictississíssimo que Portugal não é para a Prisa “um território ou uma cultura a colonizar”; a Prisa, diz, sabedor, não será “porta-voz de interesses partidários”. Jamais! Será tão independente do PS como El Pais, jornal da Prisa, é independente do PSOE. No parlamento João Van Zeller, o administrador da TVI que se demitiu por discordar da entrega da Media Capital a espanhóis e ligados a um partido, reiterou o que escreveu no Expresso (03.09): que a operação de venda à Prisa “só foi possível graças a cumplicidades políticas entre os partidos e governos socialistas dos dois países”; que há “risco de fragilização da independência dos meios da Media Capital, nomeadamente a TVI”; que condena a “complacência” perante esta “fácil entrada dos espanhóis num dos mais importantes agentes da cultura portuguesa”. Esta semana demitiu-se Artur Portela, por achar que o ministro Santos Silva se imiscuiu, pressionando, no calendário da Alta Autoridade. Mas Santos Silva acha “normal” dizer à Alta-Autoridade o que gostaria que fosse o calendário deste órgão que emana do parlamento, tal como o próprio governo. Entrevistado na SICN (29.09), Portela, que é da área socialista mas independente, disse ser esta a primeira vez que um governo pressiona a Alta-Autoridade. O ministro refugia-se na normalidade processual, mas é patente que força o processo para que esta Alta-Autoridade aprove a renovação da TVI o mais depressa possível, concretizando-se uma venda que interessa politicamente ao governo e ao PS. Quarta-feira, a Prisa reafirmou que o calendário é um tema essencial ao dar o recado de que tem “confiança” de que a compra da Media Capital “seja concluída este ano” (PÚBLICO, 30.09). O governo não pode negar a sua intervenção no caso: há factos, calendários, declarações e demissões que legitimam a interpretação política do interesse do PS e do seu governo em poder influir numa estação de TV em resultado de uma “normal” transacção bolsista. Afonso Costa teve O Mundo. Soares teve A República, depois A Luta, depois o Portugal Hoje. Tudo era “normal” empresarialmente. O PS tem agora o “normal” controle editorial do DN, através de António José Teixeira, o “secretário de Soares”, como lhe chamou o Inimigo Público. Também a nomeação de Teixeira foi “normal” e empresarial e nada teve que ver com a aprovação da venda da Lusomundo a Joaquim Oliveira, venda confirmada um dia depois de Jorge Coelho (sempre ele) ter bramido contra essa injustiça na SICN. Mas a imprensa não chega ao PS. A televisão é muito importante. * * * A audiência, quer dizer, o povo, rejeitou o programa Senhora Dona Lady. A nova direcção da SIC matou-o, correspondendo à saudável manifestação de poder da opinião pública. O “jogo de realidade” da SIC baseava-se no transformismo: fechados num espaço (o que é essencial nestes ritos de passagem em modo de entretém), 11 homens passaram a viver como mulheres. Vestidos. Maquilhados. Depilados. Aqui apanhando o lencinho do chão, ali entrando no táxi com as perninhas juntas. Herman José, apresentador, mostrava-se excitado e emocionado com o programa. Sílvia Alberto, a caminho de se tornar a Júlia Pinheiro da SIC, não conseguiu ser convincente naquele asco. Quais vítimas de sacrifício, os concorrentes assumiram as reais humilhações. O que ganhavam com aquilo? Quereriam conhecer-se melhor (sendo “eu sou eu mesmo” a frase-chave dos concorrentes dos reality games)? Almejariam o estrelato de “celebridades”? Estariam desempregados? Teriam impostos em atraso? Recebiam para fazerem aquelas figuras? É no Entrudo que muitos homens se vestem de mulheres. O Carnaval serviu desde sempre para se vestir a pele do Outro, para se transgredir por um momento regras de comportamento social e pessoal, para se inverter mitos e tabus. Mas na sociedade do espectáculo, o Carnaval é quando um homem quiser. No caso de Senhora Dona Lady, em vez dos dois dias do Carnaval, a inversão transformista duraria 10 semanas, com os mesmos indivíduos transvestidos, aprendendo crónicas e lavores femininos, tratando-se por nomes de mulheres e falando de si mesmos e dos outros no feminino. Os anteriores programadores e a administração da SIC escolheram apresentar em simultâneo vários programas transformistas ou transportadores de imaginário gay: Herman SIC, Esquadrão G e este. Nunca um canal generalista seguiu semelhante estratégia, cujo ponto mais baixo era este programa degradante para os concorrentes. Até metia dó vê-los tentar dar a volta por cima, como os das maratonas de dança durante a Depressão nos Estados Unidos e que Horace McCoy retratou em Os Cavalos Também se Abatem (1935). O romance mostrava como os despossuídos recorriam à humilhação da maratona de dança – também ela um “jogo de realidade” \u2212 para tentar ganhar algum dinheiro, resultante do entretenimento proporcionado aos mais afortunados. Mas nem em maratonas de dança, nem em reality shows, nenhum ser humano merece esta degradação, mesmo que para tal se ofereça.