Eduardo
Cintra Torres
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Teatros |
A simplicidade está no dispositivo audiovisual e no «argumento». Este reduz-se à cuidada recolha do depoimento de Glicínia Quartin. Som e imagem: a actriz, sentada na sua casa, fala para o entrevistador-realizador; algumas fotografias ilustram. A montagem cronológica do depoimento é primorosa. A realização não esconde os cortes no depoimento. Se quase todos os documentários e notícias recorrem a planos de corte para iludir a selecção das palavras dos entrevistados e para evitar que dois planos seguidos mostrem um «salto» no movimento corporal do entrevistado, este não. Quando há corte no depoimento, o espectador sabe porque o vê. O processo tem dois efeitos. Primeiro, o de transformar as imagens adicionais em simples acessórios: fotografias de família e de cena, notícias de jornais, quadros, panorâmicas dos livros da infância e da juventude – tudo isso podia não estar no documentário e ele valia o mesmo. Segundo, valoriza a palavra proferida pela actriz. Como no teatro. Não são palavras a esmo, como as que a televisão debita a todo o instante. São simples, anedóticas ou profundas, são inteligentes e são mesmo para se ouvir. Não há muletas, não há compromissos que expliquem aos espectadores menos conhecedores quem são aquelas dezenas de nomes que Glicínia Quartin refere. Nada pode ali desvalorizar o acto primordial da fala com memória. Outro dispositivo audiovisual enfezaria a palavra e quem a profere. É um depoimento de vida. * * * No mesmo sentido foi a entrevista de Ana Sousa Dias a Beatriz Batarda: ambas souberam enfatizar o que é mais interessante num actor, o seu trabalho, como o fazem e aprendem (Por Outro Lado, Dois). A esmagadora maioria das entrevistas televisivas a actores são uma sensaboria, centradas no ego dos entrevistados por jornalistas impreparados. Neste caso foi uma entrevista extensivamente investigada, como sempre, a que Beatriz Batarda correspondeu com inteligência. * * * O ministro com a tutela da comunicação social, Augusto Santos Silva, escreveu um artigo informando da sua imparável produção legislativa, que a nação aguarda expectante, e acalmando-a quanto à intervenção ou pressão do governo e do seu partido em órgãos de informação como a TVI, o DN ou a RTP: o que se lê por aí, esclarece, são intrigas e calúnias (PÚBLICO, 19.08). Eu gostava que o ministro tivesse razão. Mas não tem. O artigo dele fez-me lembrar o grande Mouzinho da Silveira, que se fechou na ilha Terceira a produzir os códigos que enterraram o Antigo Regime e abriram o caminho ao Portugal liberal. Enquanto Mouzinho queimava as pestanas a escrever as tábuas legais do liberalismo, o resto dos políticos andava em intrigas e guerras. Coexistiam esses dois portugais. Assim, enquanto o ministro Santos Silva muda as tábuas da comunicação social para sempre, colegas seus no governo e no partido intrigam e manobram para acomodar órgãos de informação ao poder do momento. Ocupado como está, ele não dá por isso. Não vê nem sabe de nenhuma intervenção do PS e do governo para que a Prisa-PSOE fique com a TVI. Não vê a promessa da PRISA de criar um semanário para competir com o Expresso, e um diário para competir com o PÚBLICO. O PS sempre teve a fobia de controlar jornais e agora a maioria absoluta e a governação permitem-lhe pensar em concretizar o sonho. O próprio ministro apressa a renovação da licença da TVI, mas não, não é manobra, é apenas para mostrar como a administração pública trabalha bem, até trabalha antes de tempo, não tem nada a ver com o negócio com os espanhóis nem é para aproveitar a maioria pró-governamental da agonizante Alta (?) Autoridade (?!), que depois de morta poderá ter as costas largas quanto à decisão favorável à PRISA. Nada disso, apenas legislação, legislação, legislação! Que ao menos as tábuas do augusto ministro sejam trabalho de um novo Mouzinho da Silveira. * * * Na segunda-feira passada, António Vitorino só falou da Europa e temas divergentes da calorosa actualidade nacional (Notas Soltas, RTP1). A Europa é uma espécie de santuário onde ele evita, quando lhe convém, falar da política portuguesa e, assim, exibir a sua condição de porta-voz do actual SNI, um Barradas de Oliveira à la page. Para isso, contou com a cumplicidade de José Alberto Carvalho, que mais parecia o leitor de perguntas escritas por Vitorino do que um jornalista no pleno exercício da sua profissão. Foi gritante a diferença para as anteriores sessões da propaganda vitoriana em que o dirigente, deputado e candidato autárquico do PS teve de enfrentar José Rodrigues dos Santos e perguntas como as devem fazer os verdadeiros jornalistas. As perguntas de Rodrigues dos Santos obrigaram Vitorino a pôr à vista o periscópio. Com a complacência de José Alberto Carvalho, o submarino navegou em águas mansas. * * * Olá! Olê! Eu sou a Sefia, a jovem mais parvinha do audiovisual! Sou mêmo pavinha! Tou numa série da t’visão púbica, a RTP, a ensinar os outros jovens a serem tão pavinhos e inúteis e vazios por dentro como eu! Não é giro? Claro que é! O pugama chama-se Diário de Sofia e é super interactivo! Querem saber como é? Atão é assim: eu tenho umas dúvidas, e atão eu fecho-me no quarto e depois eu olho pa vocês e depois eu faço peguntas a vocês. E são peguntas super-existenciais ou que raio é. E vocês tefonam. Pagam, mas a chamada é supé-barata. Purexempo: hoje o Joca não me falou e eu não sei se lhe tefone. S’eu tefunar dou o braço a torcer. S’eu não tefunar ele pode sair com outra. Quéqueu hei-de fazer? Ajudem-me! Tefonem, vá! Outro exempo: amanhã tenho teste de Matemática, que é supé-difícil; eu devia estudar imenso. Atão tenho esta dúvida, não sei o quéquei-de fazer hoje à tarde: vou às compras com a minha mãe ou fico a conversar cas minhas amigas? Vá, ajudem-me! Tão a peceber o género? É tudo à volta de situações supé-parvas de namorados e de ir às compras. Assim como nos Morangos com Açúcar, mas muito mais, sei lá, muito mais serviço púbico, ‘tão a ver? E agora adeusinho, qu’eu vou desocupar o cérebro! Atão vá! NOTA: O Olho Vivo regressa a 11 de Setembro. |