Eduardo Cintra Torres

Estamos a governal mal? Então tomamos a TVI


Excluindo o interregno da loucura santanista, nunca um Governo defraudou tão depressa a expectativa da opinião pública e dos media como o Governo de maioria absoluta de José Sócrates. Por razões próprias e alheias.

Razões próprias: como quase sempre, mentiu-se, aumentando os impostos; mas depois deitou-se baldes de água gelada, uns a seguir aos outros, sobre os portugueses: a demissão de um ministro que não alinhava em duvidosas aventuras económico-financeiras; o engodo das “grandes obras” Ota e TGV, que milhões de portugueses suspeitam não servirem para mais do que para encher cofres pessoais, partidários e das empresas dos amigos; a engorda do Estado; o afastamento sumário da administração da Caixa e nomeação de um amigo pessoal do primeiro-ministro, Vara, para a administração. Sócrates contribui ainda para um descontentamento tingido de populismo ao aventurar-se na savana africana em alegre safari enquanto o país estava em guerra – a guerra anual que sempre perde contra a indústria do fogo posto. Razões alheias: a maioria absoluta não é apenas obra de Sócrates. Foi um bónus que Santana lhe ofereceu: uma parte do eleitorado votou contra Lopes e não por Sócrates, pelo que não deveria ter grandes esperanças na governação do PS – o estado de graça, para muitos portugueses, nunca existiu. Mas há mais: a esfera pública cresceu imenso nos últimos anos. Se Guterres teve o favor da opinião pública e dos media durante anos a fio, hoje isso dificilmente ocorrerá com governos maus ou sofríveis. É um sinal de evolução do país que escapa aos colunistas políticos. O que mudou? A literacia, em primeiro lugar. O aumento geral do tempo de estudo, com muitos mais licenciados e mais vida académica, é um antídoto para a credulidade fácil na política e motivo para o acréscimo de compreensão do processo político. Aumentou também a mobilidade social e geográfica, com consequências tremendas na percepção das diferenças entre a política local e nacional e a política noutros países mais democráticos e competentes. Está por avaliar o que deverão ser os efeitos notáveis da passagem de milhões de portugueses durante anos pela Grã-Bretanha, Holanda, França, Bélgica, etc., nessa percepção da vida política. E mudou a esfera mediática, com mais canais de TV e um acesso generalizado à internet, com mais informação e debate disponíveis para todos. Penso que este crescimento da esfera mediática teve efeitos nos próprios media tradicionais. Como poderia um jornal manter um artificial estado de graça governamental quando milhões de pessoas têm acesso a sítios e blogues mostrando um ânimo contrário na opinião pública? A nível nacional, pode estar no fim a política como a fazem Santana, Sócrates ou Coelho. A nível local, só em Outubro saberemos até que ponto ainda funciona o caciquismo liberto dos partidos, desde o PP (Amarante) até ao PSD (Oeiras e Gondomar) e ao PS (Felgueiras). Este caciquismo concelhio é um parêntesis na evolução política e social; ele liberta-se da demagogia e mentira partidárias, que podem ser mais comedidas. Ao saírem dos partidos, os caciques têm de multiplicar a mentira e a demagogia por precisarem de votos que antes estavam garantidos nos partidos a que pertenciam. Basta ver a delirante mas profissional campanha demagógica de Isaltino em Oeiras para se ver o que é o caciquismo em roda livre. Este novo caciquismo merece estudo político-mediático. Sem o apoio da opinião pública, que é uma coisa social bem real, nada etérea, torna-se difícil governar, pois, como escrevi há tempos, a opinião pública detém o quarto poder. Como irá governar Sócrates? Não será fácil. Que promessas haverá na rentrée? Terão o favor da opinião pública por mais de uma semana? A movimentação da opinião pública na imprensa e internet contra a Ota é porventura o mais importante exemplo de força da opinião pública em anos. A partir de agora, para enganarem os portugueses, os governos terão de ser mais profissionais. Não é com a banha da cobra dos seus demagogos encartados e de actuais “agências de comunicação” que conseguirão vender negociatas como a Ota ou o TGV. O Jornal da Noite da SIC ilustrou a demagogia geral da governação (11/08) recuperando promessas de governantes do PS, PSD e PP da última década (Zorrinho, Portas, Barroso, Figueiredo Lopes e Sócrates) na estratégia e meios de combate aos incêndios: blá, blá, blá. A peça noticiosa era interessante por recorrer à memória, que é coisa que a TV infelizmente pouco faz e que os políticos temem desesperadamente. Perante o seu abismo na opinião pública, que faz o Governo? Tal como no delírio santanista, o Governo Sócrates já começou ao ataque nos media. É o costume: quando não sabem governar nem enganar as pessoas, toca de culpar os media... e toca de os assaltar. A intervenção do Governo para o eventual controlo da Media Capital pela espanhola Prisa é sintomático. Revela que o Governo despreza os interesses nacionais no que toca à propriedade dos media e que intervém em negócios de media privados. O El Pais, da Prisa, é um jornal totalmente identificado com o PS espanhol. Não é pior por isso: mais vale uma ligação aberta do que escondida, como se faz entre nós. Mas o que sucedeu aqui foi a intervenção do Governo de Portugal no sentido de uma empresa identificada com o PS espanhol ter a primazia no controlo de um dos principais grupos mediáticos portugueses. O PS português não tolera a independência da informação da TVI e por isso quer quebrar-lhe a espinha, seguindo o caminho de Santana ao expulsar Marcelo do Jornal Nacional. Ao mesmo tempo, o PS introduziu um submarino no Telejornal da televisão pública, António Vitorino. Como escrevi há um mês, o “comentário” de Vitorino é uma fraude. Ele é número dois do PS e é deputado do PS. Não sabemos se terá outros compromissos com o PS ou com pessoas do PS e se é por isso que fala sempre meio envergonhado e com um risinho nervoso. Mas a verdade é que o seu “comentário” político é um insulto à inteligência dos portugueses e ao seu dinheiro público. A defesa que Vitorino fez da nomeação de Vara, o amigo pessoal de Sócrates, atingiu o zénite da obediência partidária, foi um vómito, uma vergonha para o próprio e para a RTP. Estamos assim: para compensar a ausência de liderança, de competência governativa e desgaste rápido na opinião pública, o Governo ataca na área dos media, o que é muito típico do PS: já aconteceu nos governos de Soares e de Guterres-Coelho.