Eduardo
Cintra Torres
|
E UM ECRÃ DE FEBRE A ARDER |
Já há ecrãs em chamas, emoções cruas, acusações cruzadas, repórteres sem fôlego, temperaturas altas, casas em perigo, mulheres que choram, homens que gritam, hectares ardidos, biliões de hectares, aviões em terra, tempestade no ar, políticos incomodados, prós e contras, tempos de antena, “ilcópteros” parados, mangueiras sem água, imagens tremendo, voyeurs incendiários, incendiários voyeurs, soldados da paz, heróis repórteres, corações ao alto, “Portugal a arder”, é fogo posto, posto na televisão, posto p’la televisão, ecrãs em chamas. Não foi sempre assim. Há 20 anos a televisão única, as rádios e os jornais não ligavam pevide aos incêndios. Eram factos da vida e ficavam longe de Lisboa. Foi antes da concorrência. Agora há. E, tal como as imagens de pedofilia na Internet promovem a pedofilia, também as imagens excessivas dos incêndios nas televisões promovem a piromania. Sabe-se que há incendiários que ateiam incêndios para os ver na televisão. Quanto mais ecrãs em chamas, mais chamas nas florestas. Seria bom os operadores pensarem em auto-regulação específica nesta matéria diminuindo a cobertura em excesso. Salvemos a floresta! Diminuamos os incêndios a dois minutos de antena! Se não... no ano que vem será a mesma coisa. Ponhamos já na agenda: dia 15 de Maio de 2006, bombeiros acusam Governo, dia 16 de Maio, Governo contra-ataca, dia 23 de Maio demite-se o responsável nacional, dia 1 de Junho, não há meios, dia 8 de Junho, Prós & Contras sobre o tema, dia 14 de Junho o “ilcóptero” não levanta, dia 4 de Julho já arderam mais 700 triliões de hectares do que em 2005, dia 18 de Agosto... O país é o mesmo. O governo o mesmo. A oposição a mesma. Os bombeiros os mesmos. Os incêndios os mesmos. A televisão a mesma. Mas maiores os ecrãs. Há sete meses um artigo de opinião dum jornalista do Expresso levou o grupo Espírito Santo a cortar totalmente a publicidade não só no semanário como em todos os media do grupo de Pinto Balsemão, incluindo a SIC, a Visão, a Caras, etc. A decisão do Espírito Santo revela outra face negra do grupo e uma certa brutalidade do capitalismo que se esconde por trás de “boas famílias” com pedigree centenário. Num país de escassos grupos económicos e, portanto, escassos grandes anunciantes, a interrupção de publicidade é uma poderosa arma de pressão ou chantagem. Tem sido usada com incrível frequência pelos governos. Há media que se calam. Quantas notícias ficaram por dar, para que fosses nosso, ó anúncio! No caso do Expresso não funcionou. Pinto Balsemão e o seu grupo de media não vergaram à medida do grupo Espírito Santo, totalmente legítima mas economicamente brutal, politicamente injustificável e até socialmente irresponsável. Balsemão e a Impresa defenderam a liberdade de expressão de um jornalista, neste caso comentador. Defenderam a liberdade, ponto final. Honra para eles. Vergonha para o grupo Espírito Santo. O programa chama-se A Revolta dos Pastéis de Nata e só por isso apetece desligar o televisor. É um nome como que super-inteligente e gracioso – revoltante. E feito à medida do seu apresentador, Luís Filipe Borges, que pertence àquela parte do alforge das Produções Fictícias que acha que tem muito mais talento e piada do que aquela que nós lhe achamos. É uma injustiça, já dizia o Calimero, que tinha na cabeça uma casca de ovo, não a boina de Borges. Não é que ele esteja mal, não está é tão bem como julga. A Revolta é um talk-show da Dois (sextas). Tem por temas coisas próprias dos portugueses, como o tratamento por doutor e outros atrasos de vida. A ideia é boa. Mas, como acontece amiúde àquela parte do alforge, a concretização é o diabo, é como aquelas tantas pessoas que têm um romance na cabeça e acabam por não o escrever. O génio recusa sair detrás do occipital. Um talk-show é um talk-show, já dizia Dom Tau-Tau. A Revolta tem os ingredientes: o apresentador umbigário; dois convidados com a obrigação de dizer coisas, que dizem; público que se mostra e é mostrado. Os convidados sentem-se obrigados a gracejar. E o público a rir. Quando não ri da falta de graça do apresentador, este acusa o toque. Anda ali um ar de juventude fora de prazo. A Revolta também tem sketches. Qual o programa que se preze que não tem sketches? Se até já os repórteres de rua e do futebol apresentam as peças como se estivessem em sketches! Se até Ana Sousa Dias já usa o cachecol do clube! Skeh-eh-eh-eh-tches! A maior parte dos sketches da Revolta quase que tem graça, ou chega a ter. Muda géneros habituais, mas promete mais do que dá. Lá está, concretizar é difícil. Estão no bom caminho. Tomara que possam melhorar. Mas há uma pequena parte que é excelente. São os skeches protagonizados por Jel, que é também o gira-discos do programa. O que os distingue? A insolência e o paleio do protagonista, que vem para a rua desafiar quem passa com propostas inomináveis. Estes sketches são tremendamente televisivos: são sketches de reality. Só Jel é actor. O resto é gente na rua, em género Candid Camera ou Apanhados. Já vi o provável modelo destes sketches num programa do Channel Four e estes não ficam atrás. Num dos sketches, Jel pôs-se à porta de um Centro de Emprego a vender “canudos”. Noutro, vestido à chulo rico, convidou homens da rua a entrarem no seu Porsche para verificarem como isso só por si faria aumentar o tamanho do pénis, dado a concomitante atracção acrescida sobre o mulherio. E noutro ainda, em pleno Chiado, discursou para a câmara explicando porque era uma machista gay (tão machista que só gosta de homens) e depois, com a sua fatiota marialva e pêlo do peito espetado, andou a mandar piropos e fazer propostas indecentes a tudo o que fosse homem passando por ali. Os sketches são muito divertidos e Jel tem talento que baste para os concretizar de forma invulgar. O seu trabalho nestes segmentos humorísticos ofusca o resto, o que poderá originar em breve uma revolta dos, esses sim, pastéis de nata. |