Eduardo Cintra Torres

Os espectadores querem noticiários mais curtos e sem repetições


A grande maioria dos espectadores portugueses considera os telejornais demasiado longos e repetitivos.

Estas conclusões constam de um inquérito de conveniência dirigido por José Rafael Nascimento e por mim e aplicado por alunos do Instituto de Comunicação Empresarial no final de Março a cerca de 1000 pessoas. Os inquéritos de conveniência não são estatisticamente representativos da população porque não seguem métodos aleatórios de escolha dos inquiridos; a escolha resulta da conveniência dos entrevistadores. Mas são usados como indicadores válidos, em especial quando as percentagens são expressivas, como é o caso. A repetição das notícias aponta para a transformação da informação num bem de consumo industrial como detergentes ou sapatos. Os inquiridos rejeitam esse modelo na rádio e na televisão. De quase mil portugueses interrogados apenas 3 por cento acha que os noticiários não se repetem. Dos restantes, 15 por cento acharam pouco que há repetição, quase metade (47 por cento) concordaram bastante que os noticiários se repetem e 35 por cento por cento concordaram muito. Em resumo, mais de quatro quintos (82 por cento) considera os noticiários muito repetitivos. No mesmo inquérito, pediu-se às pessoas para concordarem ou discordarem com esta afirmação: “Os noticiários da televisão, às oito da noite, deveriam ser mais compridos.” Trata-se de uma questão importante, pois é um tema recorrente da opinião publicada acerca da formatação dos noticiários. Faltava conhecer a opinião pública. Segundo os resultados do inquérito, só deseja telejornais mais compridos 6 por cento dos inquiridos e 15 por cento não está contra a afirmação. A esmagadora maioria de quatro quintos (79 por cento) rejeitou os noticiários longos. Cruzando as respostas com idade, habilitações e rendimentos declarados, verifica-se grande constância nos resultados: em todos os subgrupos a maioria dos inquiridos considera os noticiários muito repetitivos e longos. Quanto aos rendimentos, verificam-se diferenças estatisticamente significativas nas duas questões, mas apenas relevantes numa delas (Quadro 1). Sobre a duração dos telejornais verifica-se que quanto menores os rendimentos dos inquiridos mais são os que acham que os noticiários televisivos deveriam ser maiores. Nota-se também que entre os mais velhos é menor a oposição à duração dos noticiários (Quadro 2). Os resultados reafirmam que a TV generalista vai afunilando a programação e estilo segundo padrões de gosto dos mais pobres, dos mais velhos e das crianças. Os resultados indicam que quanto à duração dos telejornais e repetição de notícias a TV generalista contraria o seu primeiro mandamento – dar ao espectador o que o ele quer ver. Mas ao mesmo tempo há um desacordo entre a opinião expressa pelos inquiridos e a audiência dos telejornais, historicamente os programas mais vistos. Esta aparente incongruência da esmagadora maioria dos espectadores – a de verem muito os telejornais apesar de os acharem longos e repetitivos – explica-se facilmente. É que os portugueses não vêem os noticiários apenas porque gostam de os ver, por daí retirarem alguma gratificação. Também os vêem por precisarem de os ver. Lendo ou não lendo jornais, os espectadores necessitam de estar a par do que se passa e do que passa no audiovisual e necessitam de partilhar temas de conversa com as pessoas do seu meio. Constituindo os telejornais generalistas, ainda, o ritual mais partilhado entre os portugueses, é a eles que os espectadores se devem “ligar”, mesmo que tal experiência tenha custos (duração, repetição) e obrigue ao zapping constante entre os vários noticiários. A fidelidade dos espectadores, medida pela audimetria, mostra que o zapping nos noticiários é superior ao que se verifica por exemplo nas telenovelas. Quanto os desrespeito dos operadores generalistas pelo seu primeiro mandamento podemos encontrar várias explicações. Em primeiro lugar, os operadores sabem que apesar do desconforto com a dimensão dos noticiários e repetição constante de notícias os espectadores continuarão “ligados” aos telejornais pelas razões referidas. Segundo, os operadores têm uma grande margem de manobra para fazerem o que quiserem porque, ao contrário do que diz o lugar-comum, não vivem em livre concorrência. De facto, a TV generalista só parcialmente é concorrencial. Ela é um monopólio partilhado. SIC, TVI e RTP detêm um privilégio concedido pelo Estado e sucede muitas vezes que agem em cartel: tomam decisões em acordos tripartidos a respeito do seu negócio. Essas decisões podem ser ou não favoráveis à maioria dos espectadores. No caso em análise, vão contra o interesse da maioria. A cartelização é visível no que toca à duração dos noticiários, que corresponde aos interesses comerciais dos três operadores. Os telejornais têm durações muito próximas umas das outras, dia a dia. Eles duram o que durarem os dos parceiros. Os intervalos são programados de acordo com os dos parceiros. A ordem das notícias segue muitas vezes a dos parceiros, razão pela qual não há qualquer lógica na sequência, excepto a lógica da presumível busca de audiência. Até na relação com as audiências os noticiários dos operadores generalistas são uma operação primordialmente comercial. O negócio sobrepõe-se ao interesse jornalístico e ao interesse dos espectadores. Esta conclusão é válida tanto para os canais comerciais como para o canal do Estado. Quadro 1 - A rádio e a televisão repetem sempre as mesmas notícias? Rendimentos mensais <500€ <1000€ <5000€ >5000€ Total Concordo nada ou pouco 28,6 12,7 14,6 24,2 16,6 18,2 Concordo bastante ou muito 71,4 87,3 85,4 75,8 83,4 81,8 Quadro 2 - Os telejornais deveriam ser mais compridos? Rendimentos mensais <500€ <1000€ <2500€ <5000€ >5000€ Total Concordo nada ou pouco 66,7 77,3 77,2 79,3 87,3 78,7 Concordo bastante ou muito 33,3 22,7 22,8 20,7 12,7 21,3 Quadro 3 - Os telejornais deveriam ser mais compridos? Grupos etários 15-30 anos 31-50 anos >50 anos Total Concordo nada ou pouco 66,7 77,3 77,2 79,3 Concordo bastante ou muito 33,3 22,7 22,8 20,7